ATUALIDADES
JORNAIS FAZEM REVISÃO IMORAL DE UMA ELEIÇÃO VERGONHOSA
Por Márcio Aith
Embora eu discorde da decisão recente dos jornais norte-americanos de censurar a íntegra
de declarações do terrorista Osama bin Laden, eu consigo vê-la como legítima se
observá-la sob certos (poucos) ângulos.
No entanto, não há nada nesse mundo que me faça engolir as edições vergonhosas do
"Washington Post" e do "New York Times" sobre a recontagem que suas
equipes fizeram dos votos da Flórida nas eleições presidenciais norte-americanas do ano
passado. Vale a pena guardar, como registro único, as edições publicadas pelos dois
jornais no ultimo dia 12.
Para resumir: cheios de dinheiro e estimulados pelo senso de independência editorial que
parecia os caracterizar, o "Post" e o "Times" (acompanhados de outras
publicações) decidiram revisitar as eleições na Flórida que definiram, no ano
passado, a vitória polêmica de George W. Bush sobre o democrata Al Gore.
Os jornais recontaram todas as cédulas no Estado: as válidas, as rasgadas, as ignoradas
pelas máquinas e as parcialmente perfuradas.
O objetivo foi definir com maior grau de certeza se Bush ganhou mesmo as eleições ou se
foi beneficiado pelo maior engodo eleitoral da historia norte-americana.
Antes de lhes dizer qual foi o resultado da recontagem dos diários, mostro-lhes os
títulos dos dois jornais no dia em que ambos revelaram a pesquisa a seus leitores.
Washington Post: "Recontagem na Flórida teria favorecido Bush"
New York Times: "Quem ganhou a Flórida? A resposta surge, mas certamente não é a
última palavra".
Agora, o resultado da recontagem, retratado pelos dois jornais. Se todos os eleitores que
foram as urnas não tivessem sido induzidos a erro por cédulas confusas e se as máquinas
de apuração não tivessem falhado, Gore teria ganho na Flórida com uma vantagem mínima
de 15 mil e máxima de 45 mil votos.
Tem mais: Gore teria ganho mesmo se todas as cédulas confusas fossem jogadas no lixo.
Isso porque a simples recontagem dos votos ignorados pelas máquinas de apuração mostra
que Gore venceria por uma diferença pequena (porém válida) que ficaria entre 60 e 171
votos.
Em suma: a maioria dos eleitores na Flórida foi as urnas no ano passado para votar em
Gore, não em Bush. Esse foi o fato e é difícil fugir dele. Apesar disso, os dois
jornais acharam maneiras de inverter o resultado de suas próprias pesquisas (como fez o
"Washington Post") ou preferiram confundir a cabeça do leitor, talvez na
esperança de que eles perderiam o interesse em "detalhes" - como fez o
"Times".
A magia encontrada pelo Post tem uma lógica inacreditável. O jornal observou que, se a
Justiça tivesse autorizado a recontagem limitada pedida por Gore, Bush teria ganho de
qualquer maneira. Segundo o jornal, embora os eleitores do Estado inteiro tenham preferido
Gore, o democrata perderia de qualquer maneira porque não soube reclamar direito. Em vez
de pedir uma recontagem geral dos votos no Estado, pediu apenas em condados selecionados
que, acreditava, seriam suficientes para virar a contagem.
Na prática, além de não reconhecer como deveria a vitoria de Gore, o Post acabou
punindo-o, na primeira pagina, por ter cometido um erro tático.
O titulo do "Times" foi mais malandro, mas o primeiro parágrafo da matéria
traz, de forma inacreditável, a mesma lógica do Post. "Uma revisão ampla dos votos
não contados na Flórida solidifica o pleito legal de George W. Bush à Casa
Branca".
Publicado na Folha de Sâo Paulo, em 19/11/01