ATUALIDADES
A QUEDA DE CABUL ABRE CAMINHO PARA FUTURO CONFLITO POLÍTICO NO AFEGANISTÃO
Por Peter Symonds
A rápida desintegração do Taleban antecipa muitas questões do Afeganistão, inclusive a queda da capital Cabul, na terçca-feira, para as forças de oposição apoiadas pelos Estados Unidos, a Aliança do Norte, deixou os Estados Unidos e seus aliados esforçando-se para arrumar um regime que preencha o vácuo político.
O colapso começou na última sexta-feira, quando a Aliança do Norte capturou a cidade chave de Mazar-e-Sharif, ao norte, e rapidamente estendeu seu controle a Herat, a oeste, e Taloqan, no norte. Em poucos dias, a oposição anti-Taleban expandiu seu território de 10% do país a aproximadamente metade. No norte permanecem pequenos focos de resistência Taleban, mais notadamente em sua fortaleza em Kunduz.
Grande parte dos resultados da Aliança do Norte foram obtidos sem qualquer combate mais sério. Os bombardeiros americanos atacaram as frentes do Taleban durante semanas, em coordenação com as forças especiais e conselheiros militares americanos, que ajudaram os generais da Aliança do Norte a planejar a campanha. O elemento chave no colapso do Taleban parece ter sido a deserção de significativo número de soldados e comandantes, inclusive figuras como o governador da província de Bamyan.
Mas quando a Aliança do Norte se preparou para se dirigir a Cabul, o presidente Bush reiterou proibições anteriores de ocupar a capital. Durante a semana ele declarou: "Nós estimulamos nossos amigos a se dirigirem para o sul e não para a cidade de Cabul." Bush estava falando após o encontro com o governante do Paquistão, general Pervez Musharraf, que inflexivelmente se opõe a um governo afegão dominado pela Aliança do Norte.
Dependentes do apoio aéreo, dos conselheiros e provavelmente de armas e dinheiro dos americanos, os líderes da Aliança do Norte tinham prometido parar na entrada da capital, a fim de dar tempo para as negociações diplomáticas dos Estados Unidos e ONU com as outras partes interessadas em uma nova administração. Na manhã de terça-feira, no entanto, o Taleban se retirou rapidamente de Cabul para Candahar, sua fortaleza no sul, e os soldados da Aliança do Norte logo entraram na capital.
As últimas notícias indicam alguns reveses no sul do Afeganistão, onde Estados Unidos e CIA têm trabalhado ativamente no sentido de fomentar a oposição entre os grupos tribais pashtuns. A cidade de Jalalabad se rendeu a um grupo anti-Taleban e um porta-voz da Aliança do Norte disse que suas forças, operando com rebeldes pashtuns locais, entraram em Candahar. A extensão completa das perdas do Taleban permanecem incertas mas parece que controlam um pouco mais de 20% do país.
A característica da Aliança do Norte tem sido uma corrente de execuções sumárias dos soldados do Taleban por suas tropas - em alguns casos presenciados por fotógrafos e jornalistas ocidentais. A porta-voz da ONU, Stephanie Bunker, confirmou que a Aliança do Norte massacrou mais de 100 soldados do Taleban - na maior parte jovens e imaturos recrutas - em Mazar-i-Sharif depois que eles foram apanhados numa escola. Também foram relatados vários casos de pilhagens.
Enquanto a administração americana agora se congratula hesitantemente por ter idealizado a implosão do regime do Taleban, os avanços da Aliança do Norte abriram caminho para um novo ciclo de conflito político, porque as várias facções afegãs disputam entre si o espólio. A Aliança do Norte, em si, é uma coalizão absurda de senhores da guerra e milícias étnicas locais, que, na última década frequentemente mudaram de lado e lutaram entre si. O principal elemento de união que mantém a Aliança junta é a hostilidade que cada uma das fações e seus principais sustentadores - Rússia, Irã e Índia - sentem em relação ao Taleban.
Tendo ocupado Cabul, a Aliança do Norte tenta agora cautelosamente ditar os termos que formarão um novo governo. Ela anunciou uma administração provisória, pegando ministérios chaves e pedindo um encontro das facções afegãs em Cabul para decidir sobre o futuro político do país. No entanto, os Estados Unidos e a Inglaterra, operando em conjunto com a ONU e seu enviado especial ao Afeganistão, Lakhdar Brahimi, estão determinados a imprimir seu selo em qualquer regime afegão.
Ainda que cooperando muito de perto com seus soldados, a administração Bush levantou algumas preocupações sobre uma governo em Cabul dominado pela Aliança do Norte. Washington mostrou o perigo que é a Aliança, que é formada em sua maioria por grupos étnicos minoritários do norte, que excluem representantes da maioria étnica do país, os pashtuns do sul. Também foram feitas referências ao registro sangrento das facções da Aliança, que lutaram entre si pelo controle de Cabul entre 1992 e 1996, arrasando a capital e matando perto de 50.000 pessoas.
As reais preocupações, no entanto, não se referem à mistura étnica de um novo governo afegão, nem ao passado de atrocidades praticadas contra as várias facções e milícias. A questão principal é quem exercerá o controle político do Afeganistão e influenciará as ricas regiões vizinhas da Ásia Central. Tendo iniciado a guerra contra o Afeganistão, Washington não renunciará a exercer o controle sobre as diversas facções afegãs - e por tabel, sobre seus sustentadores estrangeiros.
Manobras diplomáticas
Muitas das facções afegãs têm suas origens nos grupos mujahidin financiados e armados pelos Estados Unidos nos anos 80, para combater o regime apoiado pelos soviéticos. Após o colapso do regime em 1992, o conflito continuou porque os estados vizinhos se empenharam em influir no Afeganistão, apoiando várias facções. A atual disputa diplomática em curso é, portanto, uma equação política complexa envolvendo cada um desses grupos e seus vários defensores estrangeiros.
O Paquistão, sob pressão dos Estados Unidos, foi obrigado a não mais apoiar o Taleban e busca desesperadamente recuperar sua posição, pedindo a inclusão do "Taleban moderado" e de outros líderes pashtuns com os quais ainda mantém laços, em qualquer nova administração. Os patrocinadores da Aliança do Norte - Rússia, Irã e Índia - se opuseram publicamente à inclusão de qualquer antigo líder do Taleban.
Estas questões atualmente não estão sendo aceitas na ONU no que é conhecido como o grupo "Seis mais Dois" - Estados Unidos e Rússia, juntamente com os seis países vizinhos, China, Paquiestão, Irã, Tadjiquistão, Turquemenistão e Usbequistão. Cada um deles concorda com a fórmula geral de um governo "representativo, multi-étnico de ampla base", mas quem será representado, em que grau e quem presidirá o processo são questões de acirradas disputas.
Os Estados Unidos estão estimulando saídas diplomáticas o mais rápido possível. Conforme observou um diplomata depois do encontro do grupo "Seis mais Dois", o secretário de estado Colin Powell enfatizou a necessidade de "rapidez, rapidez, rapidez". O objtivo dos Estados Unidos é impedir que a Aliança do Norte consolide uma administração de facto em Cabul. Powell pediu que Cabul se transforme em uma "cidade aberta", sob controle de uma força da ONU, liderada por soldados dos países muçulmanos, inclusive Turquia, Indonésia e Bangladesh. O primeiro ministro Tony Blair pediu que a ONU estabelecesse uma presença em Cabul "o mais rápido possível" e colocou milhares de soldados britânicos de prontidão.
Prossegue uma atividade diplomática frenética. O enviado especial americano à oposição afegã, James Dobbins, foi despachado para Londres, Ancara, Tashkent, Dushanbe e Islamabad, com o objetivo de abrir conversações urgentes no sentido de formar uma nova administração. Em Roma, ele se encontrou o rei exilado do Afeganistão, Zahir Shah, de 87 anos, para discutir seu papel em qualquer arranjo político futuro. Dobbins deve terminar sua viagem na cidade paquistanesa de Peshawar para discutir com os vários líderes afegãos no exílio.
O enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, que convocou um encontro de líderes afegãos para tratar do estabelecimento de um governo provisório de dois anos, também deve ir ao Paquistão. Ao resumir seu plano para a ONU, ele penou para dizer que aquela organização não seria um "pára-quedas" para estabelecer um protetorado como no Timor Leste ou em Kosovo, e que convidaria os afegãos para assumirem o processo.
Mas, apesar de todas as tentativas de disfarçar as propostas da ONU e dos Estados Unidos sob a capa de um governo "representativo" e "de ampla base" no Afeganistão, os vários planos são um exercício transparente de instalar um outro tipo de administração colonial dos poderes principais. Quaisquer que sejam os conflitos e desencontros que possam surgir entre esses poderes, os estados regionais e as várias facções afegãos, a fórmula política que está sendo discutida não inclui o envolvimento democrático do povo do Afeganistão.
15/11/2001
(*) Peter Symonds é
um jornalista australiano, membro do Conselho Editorial do WSWS, World Socialist Web Site [http://www.wsws.org].