ATUALIDADES
BOMBAS E COROAS DE FLORES
Por Ali Abunimah
<ahabunim@midway.uchicago.edu>
2/12/ 2001
Mais uma vez os israelenses estão chocados e horrorizados por que homens, mulheres e crianças foram despedaçados por homens bombas no coração de Jerusalém e na cidade palestino-judaica de Haifa. Ninguém, com um mínimo de sentimentos consegue deixar de manifestar violentamente sua condenação a tais ataques. Nestes casos, tais atos ferem não só vítimas inocentes mas provavelmente incluem cidadãos palestinos de Israel - mas desqualifica a justa causa palestina que é uma das que não precisa rebaixar-se aos níveis de crueldade e desumanização que Israel costuma usar contra nós.
No entanto, acho-me começando a me sentir cínico e até cansado diante de tal horror e desolação. Como palestino, penso que a mídia me pergunta e me desafia a respeito da visão de tais ataques terríveis. Submissamente repito minha condenação e declaro que me oponho aos ataques e mortes de todos os cidadãos inocentes, sejam eles palestinos ou israelenses.
Fico imaginando porque tão raramente esta mesma mídia me pergunta como me sinto quando palestinos são mortos. Ninguém me perguntou como me senti na semana passada, quando cinco colegiais palestinos foram mortos por uma bomba colocada pelo exército de ocupação israelense num campo de refugiados de Gaza. Fico imaginando por que não se exige dos israelenses, ou de seus defensores que aparecem na televisão, que condenem a violência que é cometida em seu nome contra os palestinos, da mesma forma que me pedem que condenem a violência de palestinos contra israelenses.
Vejo espantado que o último enviado americano, general Anthony Zinni, depositando uma coroa de flores em Jerusalém, no lugar dos ataques, em memória e luto por aqueles mortos inocentes. Mas, onde estava a coroa de flores americana pelos cinco meninos mortos em Gaza? Por que 26 israelenses mortos se transformam numa crise que mobiliza o mundo inteiro e satura mídia, enquanto que a morte de centenas de civis palestinos desarmados, um terço deles crianças, e o sufocamento do cerco de três milhões mais é apenas algo familiar que não merece atenção?
Em resposta a tais ataques, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeldo disse que "a única forma de se defender dos terroristas é perseguir os terroristas."
Só se pode entender isto como um apoio à política de Israel de execuções extrajudiciais que, na semana passada, ceifou a vida de um líder do Hamas, acabou com um tácito cessar fogo com o Hamas e diretamente detonou a última rodada de homens bombas. Talvez Rumsfeld esteja dando sinal verde para atrocidades maiores ainda não reveladas. Após um breve encontro com o presidente Bush, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, está voltando de Washington para coordenar pessoalmente as operações de vingança. O que será desta vez? Mais ataques de F-16? Mais esquadrões da morte? Mais bombardeios de campos de refugiados? Mais casas destruídas? Mais seqüestros? Mais tortura? Um bloqueio mais apertado dos territórios ocupados? Estes são os itens regulares do cardápio israelense.
Nenhum desses itens parece satisfazer o apetite dos governos israelenses, pois, afinal de contas, todos foram tentados e continuam a ser tentados implacavelmente, sem dó nem piedade. Talvez, desta vez, Sharon ordene aos especialistas que realizem seu sonho e que ou matem Iasser Arafat ou, pelo menos, o mandem de volta para o exílio. Afinal, conforme o secretário de estado, Colin Powell, colocou esta manhã, este é o "momento da verdade" para Arafat. (Sr. Powell, quando chegará o momento da verdade para os israelenses?)
A minha resposta a tudo isto é um grande dar de ombros. Tanto faz que eles mandem Arafat de volta para Túnis ou o matem, pois a ocupação ainda estará lá. Os israelenses serão os perdedores porque não terão mais o velho decrépito, o "bin Laden" deles, para colocar a culpa por todos os seus problemas. Terão de enfrentar o fato de que é sua ocupação e sua tentativa de esmagar toda oposição os combustíveis do conflito. Os palestinos não serão melhores nem piores. Alguns até acham que um retorno da ocupação militar direta, sem a intermediação da Autoridade Palestina, apenas aguça o confronto e, por conseqüência, pode trazer uma conclusão mais rapidamente.
Por certo que ninguém minimamente sério acredita que Arafat e seus ajudantes, nominalmente controlando uns poucos pedaços divididos de terra, numa Gaza ou Cisjordânia ocupadas, bombardeadas diariamente pelo exército israelense, possam sob coação, prender e torturar, que Israel, com todo o seu poderio não conseguiu acabar com a resistência contra a ocupação ou os ataques a civis israelenses. Rumsfeld revelou que ele até duvida que Arafat possa conseguir, quando ele disse no programa da NBC, "Encontro com a Imprensa", que Arafat "não é um líder particularmente forte e não sei se ele tem um bom controle da situação palestina." Mas a ortodoxia sionista nos Estados Unidos, reforçada pelo lobby poderoso e intransigente de Israel, exige que todos os horríveis sintomas dos 53 anos de espoliação e repressão implacáveis e indescritíveis de milhões de pessoas por Israel, e décadas de conluio e apoio dos Estados Unidos a essas políticas, sejam imputados a um único homem. Todos também sabem de seu papel, a Autoridade Palestina declarou "estado de emergência". Na prática, isto conta pouco uma vez que todos os meios de repressão e normas arbitrárias à disposição da AP já estão em pleno uso, enquanto que nenhum dos instrumentos que poderiam realmente melhorar a vida dos palestinos tenha sido garantido pelo ocupante israelense.
Esta manhã a BBC perguntou ao sr. Rolf Mayer, um ex-ministro do último governo apartheid da África do Sul, a partir de sua experiência, a quem caberia o ônus de acabar com o conflito, se ao governo israelense ou aos palestinos. Mayer disse que só quando o governo apartheid, o lado com poder, abandonou o sonho de perpetuar o governo branco, foi que a África do Sul mudou, e que, portanto, cabia a Israel, o lado com o poder, decidir sobre o fim de sua ocupação, Mayer disse que as negociações se realizam no contexto do conflito e que portanto, a exigência de que toda a violência pare como uma precondição para as negociações, foi uma das que poderia ter arruinado o processo de paz na África do Sul.
Por todos os anos 70 e 80, Israel e a África do Sul do apartheid foram aliados políticos e militares muito próximos. Assim, quando até antigos amigos de Israel estão dizendo isto é preciso ver a realidade de uma forma diferente. E é notável pensar que quando todo mundo vê as coisas claramente, somente o governo dos Estados Unidos e a mídia acham que não.
Portanto, a semana passada o fardo da morte caiu sobre os palestinos. Esta semana sobre os israelenses. A única surpresa será se na semana que vem algumas dezenas de pessoas inocentes não morrerem.
O sr. Zinni disse que ele estará na região até que ele consiga um acordo de cessar fogo. Mas se a política americana é continuar a ignorar as causas do conflito, então aconselho ao sr. Zinni a fazer duas coisas: comece procurando uma casa confortável e arrume um fornecedor de coroas de flores confiável.
Ali Abunimah