
ATUALIDADES

CONFLITO NA CAXEMIRA REACENDE TEMORES
MUNDIAIS
PETER POPHAM
do "Independent", na Índia
Há menos de um ano, o governo da Índia tentou reduzir as tensões na região: reabriu a
velha estrada que liga a cidade de Srinagar ao Paquistão. A estrada Rawalpindi foi a
principal linha de comunicação entre a Caxemira indiana e o mundo até ser fechada pelas
forças dos dois países, em 1948.
Hoje, a estrada está intensamente militarizada e firmemente bloqueada. Depois de um ano
de calma, a artilharia pesada cai sobre as cidades dos dois lados. Quase 1 milhão de
soldados indianos e paquistaneses estão concentrados na região de fronteira.
Enquanto os indianos procuram uma maneira de fazer o presidente do Paquistão, Pervez
Musharraf, controlar os extremistas islâmicos que há uma semana atacaram um campo
militar na Caxemira matando 34 pessoas, a guerra que assola a região há mais de 50 anos
vai se reacendendo.
"Houve uma grande troca de fogo nesta área (Uri) em 1998. Mais de cem civis foram
mortos e 10 mil pessoas fugiram à procura de locais mais seguros. Quem sobrou passou a
construir abrigos subterrâneos", diz Mir Ehsan, um repórter local. "Em 2000,
houve o cessar-fogo não oficial, quebrado apenas por pequenas escaramuças, mas, no
sábado, o fogo de artilharia começou de novo."
Ontem, os conflitos deixaram mais mais 12 mortos e 70 feridos nos dois lados.
A região de Uri reúne 102 vilas, muitas delas a apenas alguns quilômetros da linha de
controle, fronteira que divide as Caxemiras indiana e paquistanesa.
Os grandes canhões dos dois rivais têm alcance de até 40 km, o que deixa vulnerável um
grande território densamente povoado.
"Eram 9h45 do sábado quando as bombas começaram a cair na minha aldeia,
Baskaran", afirma Requia Fatimah, deitada numa cama de hospital. "Eu estava
sentada dentro de uma loja que foi muito atingida. Fui atingida por estilhaços",
completa.
"Eu não ouvi nada", diz Nizar Ahmed, numa cama próxima. Professor de uma
escola primária de Sultandaki, ele estava a caminho da aula quando uma bomba caiu perto,
na estrada. "Fiquei lá deitado umas duas horas antes da chegada da
ambulância", diz.
A atual tensão começou em dezembro, quando um ataque suicida ao Parlamento indiano
deixou 14 mortos. A Índia acusa o Paquistão. Entra aí também o ressentimento indiano
contra Musharraf, alçado à categoria de grande aliado dos americanos na "guerra
contra o terrorismo".
Os indianos repetem que, na verdade, o Paquistão não é aliado, e sim o epicentro do
terrorismo. Musharraf prometeu controlar os extremistas islâmicos, mas o apoio à
liberação da Caxemira continua uma política de Estado.
A pressão internacional para que indianos e paquistaneses não cheguem a uma guerra de
larga escala nunca foi tão grande.
Semana passada, a subsecretária de Estado dos EUA Christina Rocca foi a Islamabad e Nova
Déli - seu chefe direto, o secretário Colin Powell, ligou para o premiê indiano e para
o presidente paquistanês; amanhã, Chris Patten, comissário da União Européia, fará a
mesma viagem de Rocca.
Declarações da alta hierarquia da administração Bush indicam que o presidente não
aprovou a decisão indiana de expulsar o embaixador do Paquistão.
"Encorajamos a continuidade do diálogo, não o fechamento de canais de
comunicação", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher. Ele
acrescentou que o número dois do Departamento de Estado, Richard Armitage, segue para a
Índia nas próximas semanas.
Um dos motivos das preocupações mundiais é a capacidade nuclear dos contendores.
A Índia tem uma política de não ser o primeiro a usar seu arsenal atômico; o
Paquistão não - e tem deixado transparecer sempre que está preparado para usar o seu
para defender o próprio território.
Publicado na Folha de São Paulo de
21.05.2002

