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ATUALIDADES

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ENTREVISTA COM O PROF. EDWARD SAID PARA O PALESTINE REPORT

PR. Como alguém que observa a política e cultura americanas, qual é o seu sentimento quando a administração dos Estados Unidos poderia decidir que "bastante é bastante", e assim  falar, e parar de ser tão tímido em suas declarações a Israel?

Said: Bom, temos um longo caminho pela frente. Primeiro de tudo, nunca associei esperança ou otimismo a esta ou a qualquer outra administração, porque eles simplesmente só se preocupam com os interesses americanos, um fornecimento abundante de petróleo barato e que eles chamam de estabilidade, ou o que eu devo dizer,   do status quo. Quem acreditar em alguma coisa além disso está iludido, o que chega a ser quase cômico. A outra consideração é, claro, Israel, cujo lobby neste país é muito, muito poderoso e emprega todo tipo de pressão sobre a administração e o cenário cultural para transformar qualquer intervenção em favor dos palestinos em algo bastante improvável. Houve uma votação da opinião pública americana (e) várias coisas se sobressaíram e  mostra o quanto ainda temos que caminhar. Uma delas é que não há qualquer compreensão da história palestina. Ainda somos vistos como extremistas, fundamentalistas e terroristas. Surpreendemente, 73% dos americanos são a favor de um estado palestino. O principal obstáculo na percepção do público é Yasser Arafat. É bastante extraordinário. Obviamente que este é o resultado de sua demonização feita pelo lobby israelense, mas certamente é verdade que a maioria dos americanos o vêem - suas roupas, seu discurso, suas posições, a forma como caminha - de forma negativa. Por último, é que por cinquenta anos ou mais, desde que Israel foi criado, os israelenses e seus simpatizantes puseram grandes quantias de dinheiro e muito esforço em  propaganda neste país, e que nenhum único regime árabe, ou mesmo a OLP, compreendeu o poder da mídia e da propaganda neste país. E que, penso, é o maior crime de responsabilidade de todo líder ou intelectual árabe que se pretende falar a sério.

Ainda não temos a compreensão exata do poder da mídia e  do que você pode chamar de "trabalho cultural" da sociedade civil. Existe uma organização, o American-Arab Anti-Discrimination Committee, que de longe é a melhor, mas, afora esta, não existe mais nada. E Israel anunciou uma outra campanha de US$ 100 milhões, para melhorar sua imagem. E não fazemos nada.

PR. Ouvi as pessoas observarem que a perspectiva palestina está muito mais clara agora do que na primeira Intifada. Você concorda ou acha que as percepções são diferentes?

Said: Não, acho que elas estão certas. Penso que há uma mudança. (Mas), penso que esta percepção melhorou grandemente graças ao comportamento israelense, que se tornou mais ultrajante. Quando você vê tanques e helicópteros e caças M 16 - todos americanos - ceifando vidas e assassinando e bloqueando, é muito difícil ter qualquer outra coisa que não seja uma percepção negativa disto tudo. Assim, num certo sentido, nos beneficiamos negativamente.

Mas, o que falta é a humanização da história palestina. Ninguém sabe nada sobre o que os palestinos passaram historicamente, por que eles estão onde estão e, uma coisa que esqueci de dizer antes, a maior parte das pessoas não sabe que são quase 35 anos de ocupação dos territórios palestinos. Elas acham que são dois países lutando um contra o outro.

Portanto, é realmente extraordinário e isto evidencia um tremendo fracasso do lado palestino por não conseguir mostrar que este é o ponto central de todas as suas informações. Ao invés disso, fica se envolvendo em discussões inúteis, usando um tempo precioso de televisão, rádio ou imprensa escrita com coisas do tipo "Relatório Mitchell" ou "Processo de Oslo". É simplesmente uma perda de tempo. As pessoas sequer deveriam fazer tais perguntas e sim focalizar o fato da inacreditavelmente bárbara e certamente a mais longa e destrutiva ocupação militar da história recente. Não fazemos isto. Parece que não conseguimos nos disciplinar a fazer isto.

PR. Em dezembro, você escreveu, "Minha impressão geral é que os palestinos em toda a parte sentem a ausência de uma liderança verdadeira ..." Poderia se estender um pouco mais sobre isto?

Said: Mais do que nunca. Nós temos uma liderança que está basicamente desacreditada por causa de fracassos e  catástrofes um após outro. Por certo que, desde a queda de Beirute, em 1982, esta é a liderança que de forma irresponsável pulou de um cavalo a outro, apoiou uma proposição perdida após outra, trouxe mais desespero e mais perda de sangue ao seu povo do que qualquer outra liderança se deveria permitir e que ainda fala a linguagem de negociações e de Oslo e de Mitchell e de Estados Unidos, enfim, tudo o que nos deixou assim.

Assim, acho que todo mundo está cansado, frustrado e desorientado e, penso, com raiva. E o que necessitados agora é de uma  limpeza hercúlea - em outras palavras, esta incrível bagunça que se chama liderança precisa ir embora e o que necessitamos é de uma liderança coletiva que reflita as realidades verdadeiras, não as realidades fabricadas em algum gabinete em algum lugar ou realidades conforme vistas no avião do presidente quando chega ou sai do Vaticano, ou Paris ou Londres. O que significa isto tudo? É uma espécie de piada, uma piada obscena. Sinto fortemente dentro de mim que muitos de nós sentem assim.

A responsabilidade básica da liderança é liderar, estar com o povo que sofre nas ruas, que não tem comida, que não tem abrigo, que não tem escola, que não tem cuidados médicos. Ao invés de ficar para baixo e para cima com seus charutos e grandes carros, eles deveriam estar com seu povo, como fizeram em Beirute em 1982. Este é um modelo que eles tem em sua própria história, mas não, ficam dando voltas, implorando, prostituindo-se atrás do socorro dos Estados Unidos. Os Estados Unidos são a fonte de nossos problemas e não a solução. Está além de minha compreensão como é que ainda existe esta inacreditável ilusão e o gesto repetido de obediência e súplica. Há apenas algumas semanas atrás, os Estados Unidos forneceram a Israel 50 caças F-16. Como é que eles acham que esta administração irá ajudá-los?

PR. Existem algumas pessoas que diriam que, pelo fato de o Fatah ser realmente o único fator fundamental verdadeiro,  que o que vc. propõe - uma espécie de mudança no modus operandi - está se tornando mais difícil.

Said: Bem, não concordo. É claro que não estou lá e antes de mais nada devo dizer que é fácil para mim, sentado aqui, a uma grande distânia (dizer estas coisas). Por certo que estou velho e doente - tudo isto me desqualifica, eu sei. No entanto, parece-me que há grupos de organizadores, líderes, ativistas, estudantes, militantes, pessoas, médicos, advogados em toda a Palestina que estão fazendo um trabalho notável. Trata-se de um trabalho que tem pouco a ver com a liderança (se é assim que você quer chamar aquilo)

Não sou especialista mas o Fatah, na minha opinião, não parece ser a única coisa. É claro que existe o Fatah de Arafat, mas há muitos elementos do Fatah na rua e no campo que fazem algo bastante diferente. Existem os grupos islâmicos e os grupos seculares, os grupos de esquerda e de direita, existem os grupos de cidadãos, os grupos de mulheres - e assim por diante. Nada disto está refletido na liderança formal do movimento palestino neste momento. Para que seja o reflexo, o que precisamos é de uma posição efetiva no processo decisório e não apenas de gestos simbólicos, como uma posição no Conselho Legislativo ou no Conselho de Ministros. É lá que precisamos das pessoas que estão fazendo as coisas e não do lado de fora das ruas. É este discurso duplo - de um lado, dizendo que queremos os Estados Unidos e (os acordos) de Oslo mas, na verdade, é o exato contrário o que está acontecendo - que tem que ser resolvido.

PR. Por que os palestinos devem ter esperança?

Said: Eis uma boa pergunta, uma pergunta muito séria. Nossa história mostra que somos um povo obstinado. Não nos rendemos aos ingleses, aos poderes de Israel. Nós lutamos. Nós resistimos. Nós estamos na terra. Muito embora milhões de nós estejam fora do país, nós mantemos nossa identidade. Isto é esperança. Eu não conheço um único palestino que queira dizer "vamos largar tudo e esquecer". Isto, de certa forma, é a maior fonte de esperança.

Publicado em 29/08/01, no Palestine Report

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