Por Bob Herbert
Há alguma coisa de surreal no fato de os Estados Unidos da América, a mais rica e poderosa nação da história, não poderem fornecer ensino público fundamental a todas as suas crianças.
Na verdade, não é isso. Tire a palavra "não poder". A correta é mais grave e mais reveladora dos motivos das pessoas no poder. O mais correto é dizer "não fornecerão".
Sem darmos muita importância aos custos, gastaremos centenas de bilhões de dólares em um desastre no Oriente Médio. Mas, não juntaremos o suficiente para gastar em livros didáticos e professores ou até, em alguns casos, para manter abertas as portas das escolas públicas dos diversos distritos, desde Boston, na Costa Oeste, até Portland, na Costa Leste.
No Oregon, um dos vários estados que enfrentam grave crise orçamentária, os professores aceitaram trabalhar duas semanas sem receber, evitando, assim, os planos de diminuir o ano escolar em cerca de 5 semanas. Uma crise de financiamento no Texas, onde a participação do estado decresceu e espera-se que diminua mais ainda, tem funcionários locais preparando cortes em tudo, desde atividades extracurriculares e matérias eletivas (como jornalismo) até professores, conselheiros, etc.
"Os distritos em todo o estado vêm sofrendo cortes há anos", disse Karen Soehnge, da Associação Texana de Donos de Escolas. "Se continuarmos a cortar por um período maior de tempo, então estaremos cortando no osso. Estamos preocupados porque no Texas melhoramos os padrões de ensino. Assim, aumentamos as expectativas e diminuímos os recursos, duas forças antagônicas."
Histórias semelhantes podem ser ouvidas em vários estados. Em Nova York, mais de 1.000 estudantes, professores, administradores e ativistas viajaram até Albany, na terça-feira, para uma manifestação contra os cortes orçamentários, que são tão severos que eles ridicularizaram o princípio de que a educação básica é obrigação do estado, conforme estabelecido na lei.
Entre os cartazes e bandeiras carregados pelos estudantes, estava um que mostrava uma bandeira americana onde se lia: "Educação Pública - Um Sonho Americano. Um Sonho que Ninguém Quer Pagar."
A superintendente do sistema escolar de Búfalo, Marion Canedo, estava entre os que viajaram a Albany. Quando ela falou sobre os cortes que teve que fazer e os que ainda estão sendo cogitados, sua voz teve o tom de alguém que presenciou uma reação em cadeia depois de um naufrágio.
"É a pior coisa que jamais vi em toda minha vida e estou no distrito há 35 anos", disse. "Quero dizer que estamos olhando para coisas loucas, do tipo uma semana de quatro dias, sem jardim-de-infância, sem pré-escolar, sem esportes."
Se o governador George Pataki ordenar os cortes propostos, as escolas de Búfalo terão um buraco de US$65 milhões em seu orçamento, sem qualquer solução viável à vista.
"Fiz tudo o que era possível fazer", disse Canedo. "Fechei escolas. Suspendi serviço religioso nas escolas. Tem sido horrível."
Canedo deu um exemplo das muitas necessidades extraordinárias. "Tenho estudantes que chegam aqui como possíveis universitários, que não falam inglês", disse ela. "Precisamos ter certeza de que eles saibam o inglês ou não cnseguirão um diploma de segundo grau. Nosso trabalho, nossa missão fundamental, é educar, e não confinar pessoas como em um armazém. Portanto, precisamos dar a esses estudantes aulas extra de inglês no decorrer do ano."
A educação é o alimento que nutre a alma de uma nação. Quando o estado se recusa a fornecer recursos adequados para a juventude, é o mesmo que um pai se recusar a alimentar seus filhos.
É inconcebível. É um crime.
A situação da escola pública por todo o país é selvagemente desigual. Há vários distritos dotados de escolas fantásticas. Mas há muitos lugares como Búfalo (inclusive cidades pequenas e grandes e áreas rurais), onde as escolas são deliberadamente carentes de recursos e tais distritos são a vergonha de uma grande nação.
Quando se trata de financiar a educação, as divisões entre as entidades governamentais federais, estaduais e locais são, em sua maioria, artificiais. É obrigação de todos educar a próxima geração de americanos.
Trata-se de uma sociedade insana, esta que tenciona devastar e depois reconstruir o Iraque, mas que não consegue fornecer ensino adequado a todos os seus jovens dentro de casa.
Publicado no The New York Times