ATUALIDADES
CARTA DE ISRAEL
A NOVA ORDEM MUNDIAL E A IDADE DA PEDRA
Por Ran HaCohen (*)
Síria: o próximo alvo de Israel
Os dois chefes do Estado Maior, o que sai e o que chega, parecem gêmeos: tanto Shaul Mofaz quanto Moshe Yaalon insistem em que a próxima guerra é inevitável. Uma outra guerra? Sim: a reocupação da Cisjordânia não saciou a sede da junta completamente. De fato, a guerra continuada contra os palestinos, com sua característica claramente genocida, não é um desafio real para os generais. Usar um dos mais poderosos exércitos do mundo para caçar combatentes amadores, armados de revólveres ultrapassados e explosivos feitos em casa, é uma vergonha para os generais e não uma honra.
Então, o que Israel vai fazer? Embora a provocação contra o Irã, o Iraque e até o Egito não pare nunca (segundo o Ha'aretz em hebreu, de 02/07, 'Os relatos recentes sobre a intenção egípcia de desenvolver armamento nucler, APARENTEMENTE FOI RESULTADO DA GUERRA PSICOLÓGICA ISRAELENSE e, de acordo com um ex-oficial israelense, não batem com a informação do serviço de inteligência de Jerusalém,'; como de hábito, as palavras em caixa alta foram omitidas na edição inglesa do jornal), o alvo mais imediato de Israel é, sem dúvida, a Síria.
Como tudo começou
Desde 1967, Israel pegou a parte síria das Colinas do Golã. Conforme revelado em uma entrevista póstuma de Moshe Dayan, o festejado ministro da Defesa de Israel na época da Guerra de 1967, esta ocupação foi um ato de agressão:
"Pelo menos, 80% das escaramuças na região (antes da Guerra) começaram do nosso lado, quando enviamos um trator para lavrar a zona desmilitarizada, sabendo, de antemão, que os sírios começariam a atirar. Se eles não atirassem, nós prosseguiríamos com o trator até eles ficarem nervosos e começarem a atirar. Então, usaríamos os canhões e, depois, até a força aérea.' Dayan acrescentou que a decisão de ocupar o Golã foi tomada pelo primeiro ministro Levi Eshkol, entre outros motivos, por causa da pressão de uma delegação de representantes de kibbutz (...), cuja verdadeira motivação era o desejo de mais terra." (Yedioth Achronot, 17/12/99)
O Golã ocupado foi formalmente anexado, assentado pelos israelenses e, contrariando a legislação internacional, Israel foi explorando seus recursos naturais: "Mey Eden", um produtor israelense de água mineral, bombeia a água no Golã ocupado. Até o monumento a Yitzhak Rabin, em Tel Aviv, é feito do basalto negro das Colinas sírias.
A fraude síria de Barak
Pesquisas de opinião frequentemente mostram que "em um referendo, 60% dos judeus israelenses apoiariam a devolução das Colinas do Golã e a desocupação de toda a região para se chegar a uma paz com a Síria." (Yedioth Achronot, 10/03/2000). Mas, diferente do mito predominante, não há evidência de que qualquer primeiro-ministro, inclusive Barak, esteja pronto para devolver o Golã à Síria. No Protocolo Shepherdstown, tornado público nas últimas conversações promovidas pelo presidente Clinton, o objetivo sírio
"A localização da fronteira foi acordada pelas partes, tendo por base a linha de 4/06/67. O Estado de Israel retirará seus efetivos militares e os civis atrás desta linha"
foi alcançado pela seguinte versão israelense:
"A localização da fronteira foi acordada pelas partes, levando em conta questões de segurança e outras essenciais para as partes, assim como considerações legais de ambas as partes. O Estado de Israel reutilizará todo seu efetivo militar atrás desta linha."
Portanto, a oferta generosa de Barak à Síria não previa a retirada e sim a "reutilização; não previa a expulsão dos civis israelenses; e sequer mencionava a fronteira de 1967. (Documento publicado no Ha'aretz, edição de 13/01/2000).
Por que uma guerra com a Síria?
Apesar disso, a linha do cessar-fogo sírio-israelense foi a fronteira mais tranquila de Israel desde a guerra de 1973: nenhum um único tiro em quase trinta anos. Desde que Israel se retirou do Líbano, há dois anos atrás, a fronteira libanesa também tem estado calma. Há uma luta restrita a um pequeno pedaço de terra que Israel ocupa, provavelmente para manter o calor da fronteira (como se explica a insistência de Israel em manter esta área sob disputa, sob o argumento absurdo de que não era uma área ocupada pelo Líbano e sim pela Síria?), e os tiros da artilharia do Hisbolá, muitas vezes mostrado como uma potencial causa da guerra, são provocados pelos constantes vôos militares israelenses no espaço aéreo libanês.
(Sem terrorismo demagógico. Por certo que o Hisbolá é um "grupo terrorista". Ele mantém um civil e vários soldados israelenses vomo reféns e usou bombas contra civis e a infraestrutura civil israelense. Mas Israel também mantém vários civis libaneses reféns há anos e aterrorizou o sul do Líbano durante décadas, atacou civis libaneses, transformou mais de meio milhão deles em refugiados, destruiu diversas vezes a infraestrutura civil do Líbano e viola a soberania libanesa frequentemente.)
Mas, na atual atmosfera de calma, por que ir à guerra? A resposta parece ser parte da lógica da Nova Ordem Mundial. No período da Guerra Fria, os conflitos se mantinham dentro de um equilíbrio de poder e de mútua dissuasão. O Tratado ABM entre os Estados Unidos e a União Soviética é um bom exemplo. Não é preciso destruir o inimigo, basta que se tenha a certeza de que ele não tem interesse em atacar. Com o colapso do Bloco Oriental e o surgimento dos Estados Unidos como o único super-poder, as normas mudaram. A Nova Ordem Mundial não aceita a idéia de equilíbrio de poder: qualquer ameaça deve ser eliminada fisicamente e a transformação das nações em pó não custa muito. Somente os efetivos militares que servem como agentes dos Estados Unidos terão permissão para existir. Todas as outras forças devem ser destruídas. Sem negociações, mas as ordens como meios; sem hegemonia, mas controle absoluto como fim. Portanto, os governos intoxicados de poder jogam fora o dinheiro público na roleta lubrificada pela prosperidade da indústria bélica.
Israel está seguindo o exemplo de seu padrinho americano. Muito embora o Hisbolá tenha sido um parceiro confiável para acordos baseados na mútua dissuasão, o simples fato de que ele possui mísseis que podem atingir alvos estratégicos no norte de Israel é intolerável para Israel. Sim: porque Israel se vangloria da capacidade de detonar, através de um míssil, uma carga em qualquer local sobre a face da terra" (Ha'aretz, 26/06). Obviamente que a existência de um forte exército sírio não pode ser tolerado também, não importa quão improvável seja a Síria atacar Israel. Se a Síria não agir como um agente israelense e desmantelar o Hisbolá, deverá ser destruída.
Guerra com a Síria. Quando?
Geoffrey Aronson, ao escrever para o Los Angeles Times (21/06), adverte: "Pela primeira vez, desde que o então ministro da Defesa, Ariel Sharon, sob o olhar complacente americano, liderou Israel na invasão ao Líbano, em 1982, há crescentes indicações de que um presidente americano tenha dado a Israel sinal verde para atacar alvos em solo sírio se a luta entre Israel e Hisbolá se intensificar."
Alex Fishman, do Yedioth Achronot (28/06), acredita que "o escalão político não quer abrir um flanco no norte enquanto o flanco palestino não tiver sido fechado (...). Quando os americanos iniciarem a parte 2 de sua guerra contra o terror, atacando o regime iraquiano, Israel terá a sua parte."
Não estou certo se Israel esperará tanto. Como diz Geoffrey Aronson: "O governo do primeiro-ministro Ariel Sharon considerou este ataque este ano. De acordo com Eyal Zisser, um analista israelense, as hostilidades entre Israel e o Hisbolá não conseguiram iniciar a guerra em abril não por causa da oposição americana e sim porque Sharon aprendeu que uma ação militar precipitada sem um amplo consenso público é uma receita para a derrota."
Guerra com a Síria. Como?
Embora seja difícil prever o que a junta tem exatamente em mente, aqui vão algumas sugestões:
"Esta semana, o chefe do Serviço Militar de Inteligência, fez um discurso obscuro no Comitê de Segurança e Assuntos Estrangeiros, do Knesset, dizendo que Israel estava atingindo a Síria de uma forma totalmente diferente." (Ofer Shelach, Yedioth Achronot, 7.6).
"Os dias em que Israel se limitava a atacar os geradores de força de Beirute e algumas estações de radar da Síria acabaram. Para lidar com a ameaça só uma operação punitiva maciça." (Alex Fishman, Yedioth Achronot, 28.6)
A Nova Ordem Mundial agora permite que os Estados Unidos e seus aliados reduzam os povos a pó. Para a nação mais rica do mundo, até cortar o suprimento de comida não está fora de cogitação. Noam Chomsky, em seu 911, cita o New York Times de 16 de setembro:"Washington também exigiu (do Paquistão) um corte no suprimento de combustível (...) e a eliminação dos comboios de caminhões que levavam comida e outras provisões para a população civil do Afeganistão."
Na II Guerra Mundial, um dos planos cogitados pelos Aliados era remeter a Alemanha de volta para a Idade Média, como medida punitiva. O plano foi rejeitado por medo de que pudesse empurrar a Alemanha para os soviéticos. Atualmente, não existe tal perigo. Na Nova Ordem Mundial, dizem que Sharon teria dito a Colin Powell que Israel poderia agir "de modo a remeter a Síria de volta para a Idade da Pedra". (Shimon Shiffer, Yedioth Achronot, 7.6)
E isto poderia acontecer muito em breve.
(*) Ran HaCohen nasceu na Holanda, em 1964, e cresceu em Israel. É formado em Ciência da Computação e Literatura Comparada e atualmente prepara sua tese de PhD. Ensina na Universidade de Tel-Aviv, no Departamento de Literatura Comparada. Também trabalha como tradutor e crítico literário para o diário Yedioth Achronoth. "Carta de Israel" aparece ocasionalmente no site Antiwar.com.