ATUALIDADES
Por Robert Fisk
No final de uma semana em que a violência no conflito do Oriente Médio alcançou novos e terríveis patamares, o presidente Bush pediu que Israel limite seu fogo. Aqui, Robert Fisk explica por que o pedido pode, na verdade, aumentar a decisão israelense de acabar com os palestinos.
Eu tinha acabado de cruzar a ponte norte de Israel, sobre o rio Jordão, para uma breve visita a Amã, quando meu motorista desviou-se para a direita, próximo a um grupo de soldados e desceu por um caminho ao lado do canal. "Temos que evitar a primeira aldeia", disse ele sem qualquer outro comentário. Minutos mais tarde eu saberia o por quê.
Uma fumaça negra saía de pneus em fogo na estrada principal e uma multidão de rapazes jordanianos estava parando os carros na auto-estrada. "Eles estão atirando pedras nos estrangeiros e procurando por israelenses", disse o motoristas. Pode acreditar que estavam. E, duas horas mais tarde, eu vi uma fumaça negra no céu de Amã, enquanto manifestantes gritavam seu ódio a América e Israel.
E isto, devo lembrar, é na afável Jordânia ocidental, cujo jovem rei emociona o parlamento britânico às lágrimas, cujo tratado de paz com Israel foi aclamado - claro que ridiculamente - como o início de uma prosperidade econômica, uma nova liberdade e segurança para uma nação onde mais da metade da população é palestina.
Por todo o mundo árabe, ditadores locais estão reprimindo o ódio de suas respectivas populações. Na Jordânia, podemos até encontrar pessoas que não querem saber por que o falecido rei Hussein assinou um tratado de paz com Israel. Algumas delas estão fazendo um outro tipo de pergunta: qual é a opinião sobre o filho dele, o rei Abdullah? Não é de admirar que os líderes árabes tenham dito ao vice-presidente americano, Dick Cheney, no mês passado, que ele deveria esquecer a próxima epopéia americana no Iraque e tratar da guerra israelo/palestina. Dias preciosos foram perdidos enquanto Cheney fazia seu périplo na região na busca desesperada do apoio árabe para um ataque ao Iraque. E, como acontece frequentemente em nossos dias - por mais incrível que possa parecer - os árabes ficaram do lado certo, enquanto os americanos fantasiavam a respeito do "eixo do mal".
Talvez o único homem que agora tem tempo para avaliar a lógica deste conflito aterrador seja o líder palestino, sentado em seu mal iluminado escritório em Ramallah. A única característica que Iasser Arafat compartilha com o primeiro-ministro Ariel Sharon - além da idade avançada e decrepitude - é sua recusa em planejar para frentee. O que ele diz, o que ele faz, o que propõe, é decidido somente no momento em que ele é forçado a agir. É seu velho treinamento de guerrilha. Se você não souber o que fazer amanhã, esteja certo que seus inimigos também não saberão. Em contrapartida, o exército israelense prazerosamente se vangloria de seus ataques com antecedência, permitindo que os palestinos - e, claro, os jornalistas - estejam de prontidão.
O que o mundo testemunhou até agora - e os palestinos perceberam isto desde o começo - é que os israelenses estão encontrando uma resistência que não esperavam. Os "poucos dias" que eles necessitavam para "erradicar a rede de terror" tem que se estender agora por mais um mês, de acordo com oficiais israelenses. Bush deu a Sharon alguns dias para acabar com sua campanha contra os palestinos - um prazo antes da partida do secretário de estado para sua missão "urgente" no Oriente Médio - e todo mundo agora sabe que os americanos esperarão que Israel acabe com seu ataque a tempo de Powell chegar no fim desta semana.
Portanto, a lógica militar é simples. Este fim-de-semana, o exército israelense conseguiu levar os palestinos à submissão. E, de alguma forma, as forças palestinas conseguiram reagir e manter a luta. Se eles tiverem êxito e os israelenses retirarem seus tanques sem subjugá-los, Sharon irá amargar terrível humilhação. Se os israelenses não atenderem ao pedido de retirada de Powell, então surgirá a primeira rachadura na aliança Sharon-Bush. Em qualquer dos casos, Arafat ganhará de novo.
Enquanto isto, o exército israelense está provando mais uma vez - como fez no Líbano - que não é a força de "elite" tão elogiada. É impossível não acreditar nos relatos generalizados sobre os saques de casas em Ramallah (até porque era exatamente o que os soldados israelenses costumavam fazer no sul do Líbano em 1982); além do mais, o bravo acadêmico israelense, Avi Shlaim, responsabilizou Israel pelas mortes em Ramallah.
Observar os israelenses em Ramallah e Belém na semana passada foi uma experiência perturbadora. Eles estavam indisciplinados, atirando como os milicianos - o grau de controle do fogo (ou, antes, a falta dele) exercido pela média entre o soldado israelense e o atirador palestino é quase que exatamente o mesmo. Por três vezes eu vi tanques israelenses empacados nas ruas estreitas, tão desamparados que os soldados tinham que sair das escotilhas sob o fogo das ruas, se atirarem ao chão e fazerem sinais com as mãos para que os motoristas dos tanques pudessem virar o veículo.
E é claro que o inocente continua morrendo. O sineiro de Belém, a médica de Jenin, a menina de 14 anos morta pelo fogo de um tanque israelense em Tubas, a mãe e o filho mortos pelas balas israelenses e deixados apodrecer por 30 horas no chão de sua casa em Belém,ao lado dos parentes que sobreviveram. Os jornalistas e manifestantes ocidentais desarmados que entraram no caminho do exército israelense, foram baleados ou surrados ou explodidos por granadas. É demais para essas almas gentis que dizem que o protesto pacífico do tipo Gandhi é o caminho para por fim à ocupação israelense.
E o que faz o governo israelense quando tiros e granadas não calam os jornalistas? Por que, na semana passada Israel ameaçou a CNN e a rede de televisão americana, NBC, com uma ação legal por não terem deixado "áreas militares restritas" da Cisjordânia? Não importa que a lei israelense não tenha legitimidade nas áreas palestinas ocupadas - o mundo ainda aceita os acordos de Oslo, mesmo que Sharon esteja acabando com eles - a CNN e a NBC mansamente se recusaram a comentar o fato. Dá para supor o que aconteceu ao grande princípio jornalístico americano de não aceitar a censura?
Mas, existe uma outra questão que foi tranquilamente esquecida pelo mundo desde o ataque israelense. Se Israel falhar militarmente - como parece - então o que fazer para acabar com o terrível homem bomba palestino? Verdade, houve um intervalo depois dos massacres de israelenses no mês passado. Mas, mesmo que os suicidas estejam temporariamente fora de ação devido à ofensiva israelense, Israel criou muitos "mártires" em potencial por causa do banho de sangue da semana passaada.
Os israelenses ainda se recusam a aceitar a chegada de uma força estrangeira de proteção - o sonho de todo palestino - mas pode vir o tempo em que uma força em conjunto OTAN/americanos tenha que ser levada em consideração para proteger tanto israelenses como palestinos. Não se pode chamar de protetorado estrangeiro, mas é no que Israel/Palestina se transformaram, uma versão atualizada do velho e impossível mandato britânico.
Neste meio tempo, estejam certos de que os Estados Unidos continuarão a equipar os israelenses. Há apenas duas semanas atrás, por exemplo, os americanos saíram rodando seu primeiro helicóptero Black Hawk S-70A, com capacidade para 55 soldados, a ser vendido para os israelenses. Israel comprou 24 da nova máquina, algo em torno de US$211 milhões (£150 milhões) - muitos dos quais serão pagos pelos Estados Unidos, naturalmente. O manual do novo Black Hawk foi levado ao ministro da Defesa israelense pelo ex-secretário de estado, Alexander Haig - o homem que deu ao primeiro-ministro de Israel da época, Menachim Begin, sinal verde para invadir o Líbano em 1982.
Portanto, logo no Oriente Médio, uma nova geração de Black Hawk nos céus das cidades da Cisjordânia. Engraçado, ainda que não tenhamos ouvido falar nada a respeito disto.
Publicado no Independent de 07/04/02