
ATUALIDADES
A POLÍTICA DE
ASSASSINATOS É UMA ESTUPIDEZ ESTRATÉGICA
Por Ramzy Baroud
"Diferentemente das milícias locais dos anos 70, o
Hamas era uma parte integrante da Faixa de Gaza..."
O assassinato do líder do
Hamas, Abdelaziz ar-Rantisi, no dia 17 de abril, é a continuação de um equívoco caro.
Além do fato de a política de assassinatos representar uma violação flagrante ao
direito internacional, a morte de líderes da resistência também é uma estratégia
militar contraproducente. Para compreendermos isto, faz-se necessário um rápido olhar na
Gaza dos anos 70.
Em 1967, logo após a
derrota imposta por Israel a vários países árabes, os palesitnos partiram em busca de
estratégias alternativas de resistência. Uma delas foi assumir a responsabilidade de seu
próprio destino, patrocinando a resistência popular nos campos de refugiados nos
territórios ocupados.
A nova tática consistia em
contar com uma forma de resistência formada por redes de militantes locais, que
eram o produto da experiência de opressão e resistência dos palestinos. Era a época em
que a discussão sobre um movimento de resistência auto-suficiente estava no auge.
No entanto, diferentemente das revoltas populares do passado, os anos 70 viram surgir uma
resistência armada, tão resistente e forte, que confundiu a recente ocupação
israelense.
Por uma série de razões,
Gaza foi o centro da resistência. Uma das razões óbvias foi a extrema pobreza e
superpopulação de Gaza; uma outa foi a estreita proximidade da Faixa com o Egito, o que
funcionou como estímulo, principalmente para os movimentos islâmicos.
A luta armada dos anos 70
apresentou, ainda, um novo desenho à realidade de Gaza, marcado por metáforas e
simbolismos. O refugiado, em longas filas para conseguir uma escassa ração de alimento
fornecida pela ONU, agora está armado, aguardando ansiosamente combater, muitas vezes
sozinho, os tanques que atacam seu campo. Os palestinos estavam determinados a se tornarem
os defensores de seus próprios interesses e, apesar dos incansáveis pedidos para uma
unidade árabe para enfrentar Israel, eles continuaram a seguir este tipo de solução.
Israel, por outro lado, queria garantir total e completo controle sobre suas mais recentes
conquistas, eliminando qualquer influência, por menor que fosse, dos
"encrenqueiros" e "terroristas".
Levou muitos anos para Israel vencer a guerra desproporcional dos anos 70. Não que a
resistência não fosse violenta o suficiente, pois era exatamente o contrário. Porém,
as facções palestinas que comandavam a luta armada em Gaza eram novas, recebiam pouco
treinamento e possuíam recursos limitados. Esses grupos ofereciam muito pouco, quase
nada, aos refugiados vivendo em tão terríveis condições, além da oportunidade do
recrutamento. Aquela relação foi dificultada pela falta de clareza que algumas daquelas
facções infundiam.
A rapidez e violência dos
ataques militares de Israel deixou a infraestrutura desses grupos, dos que conseguiram
sobreviver, em frangalhos. Quase todos os membros da resistência, ou estavam mortos, ou
presos, ou tinham fugido de Gaza para o Egito ou para a Jordânia. Estórias de militantes
executados em público eram bastante comuns. A luta armada vivida dentro dos territórios
ocupados foi forçada a uma precoce hibernação e obrigada a entregar-se a movimentos
externos de resistência que eram mais bem preparados e equipados. Porém, a invasão
israelense do Líbano, em 1982, e a dispersão de várias facções da OLP para fora de
suas fortalezas, obrigou a volta da idéia, e, em seguida, a realidade da
"resistência em casa".
Embora o levante palestino
de 1987 fosse uma revolta popular, proveniente da manifesta rejeição do povo palestino
à ocupação e ao seu continuado projeto colonial, havia repetidas convocações
para melhor organizar e armar a Intifada. Decorridos exatos 80 dias de sua eclosão,
surgia o Hamas.
O que mais corretamente se
observa é o fato de o Hamas ter usado a estrutura ideológica da Fraternidade Muçulmana,
do Egito, para organizar a sua própria estrutura. No entanto, muitos não conseguem
perceber que o que permitiu ao Hamas mergulhar tão profundamente na sociedade
palestina e desabrochar em estonteante velocidade, foi o fato de que sua existência
era essencial para a sociedade palestina (principalmente em Gaza), no sentido de evitar a
completa ruptura institucional.
Diferentemente das milícias
locais dos anos 70, o Hamas era parte integrante da Faixa de Gaza; ele foi introduzido em
Gaza anos antes de se tornar uma força militar e política, sob a bandeira do Hamas,
através de sua vasta rede de caridade, clínicas, universidades e até centros
assistenciais. Como houvesse uma total falta de qualquer governo em Gaza, surgiram os
movimentos islâmicos, fornecendo o que normalmente deveria ser suprido pela liderança
política regional.
Era natural que, em uma
sociedade altamente politizada, um movimento com dimensões sociais e religiosas
acabasse por se envolver em política e com tudo o que a política acarreta em um
território ocupado. Os movimentos palestinos de resistência alteraram fundamentalmente
sua abordagem no final dos anos 80 e início dos anos 90, ao estabelecerem suas entranhas
demográficas entre a população. Diferentemente dos anos 70, a tragédia da morte de um
militante da resistência significava a oportunidade de mais dez se juntarem à luta.
Porém, enquanto os grupos
de resistência palestinos pareciam estar completamente aptos a modificar o curso da
história, o governo israelense retomou sua política de mão de ferro do passado. O
resultado, no que se refere a Israel, foi desastroso.
Depois da eliminação dos
principais membros da resistência,sob a alegação de que se tratavam de
"terroristas principais", novos e igualmente líderes eficazes surgiam e se
mostravam mais violentos e astutos do que aqueles "terroristas" eliminados.
Não obstante isso, Israel
continuou a utilizar sua mentalidade militar de "lista de alvos". Desde o
início da Intifada, centenas de ativistas foram assassinados mas em vão. É hora de
Israel perceber que a vontade dos palestinos de viver em liberdade ultrapassará suas
reservas infinitas de armas.
Publicado no The Palestine
Chronicle em 29/04/04
Ramzy Baroud é um jornalista palestino-americano.
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