A GUERRA MAIS FRIA

Por John Pilger

Na semana passada, o governo americano anunciou que estava construindo a maior máquina de guerra. Os gastos militares alcançarão US$ 379 bilhões, dos quais US$50 bilhões custearão sua "guerra contra o terrorismo". Haverá um fundo especial para novas armas de matança em massa e "operações militares" - invasões a outros países.

De todas as notícias extraordinárias desde 11 de setembro, esta é a mais alarmante. É chegada a hora de quebrar o silêncio. Ou seja, é tempo de que outros governos quebrem o silêncio, principalmente o governo Blair, cuja cumplicidade na devastação americana do Afeganistão não negou sua compreensão dos verdadeiros planos e ambições do governo Bush.

As recentes declarações dos ministros britânicos sobre a "defesa" do "sucesso excepcional" no Afeganistão seria cômico se o preço desse "sucesso" não tivesse sido pago com a vida de mais de 5.000 civis afegãos inocentes, além do fracasso em pegar Osama bin Laden ou qualquer outro membro importante da rede Al-Qaeda.

A exibição pelo Pentágono de imagens deliberadamente provocadoras de prisioneiros no Campo X-Ray, em Cuba, teve por objetivo esconder  do público americano este fracasso, que está sendo condicionado, juntamente com todos nós, a aceitar uma guerra permanente que em muito se assemelha à paranóia que sustentou e prolongou a Guerra Fria. A ameaça de "terrorismo", algumas vezes real, porém na maior parte inventada, é o novo Perigo Vermelho.

Os paralelos são impressionantes.

Na América dos anos 50, o Perigo Vermelho era usado para justificar o crescimento da indústria de guerra, a suspensão de direitos democráticos e o silêncio dos dissidentes. É o que está acontecendo agora?

Acima de tudo, o complexo industrial americano tem um novo inimigo para justificar seu apetite colossal por recursos públicos - o novo orçamento militar bastaria para acabar com todas as causas primárias da pobreza no mundo. Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, conta que disse ao Pentágono para "pensar o impensável". O vice-presidente Dick Cheney, a voz de Bush, disse que os Estados Unidos estão pensando em ação militar, ou qualquer outra ação contra, "40 ou 50 países" e adverte que a nova guerra pode durar 50 anos ou mais.

Um conselheiro de Bush, Richard Perle, explicou: "Não (haverá) etapas", disse ele. "Esta é a guerra total. Estamos lidando com uma variedade de inimigos. Existe uma porção deles por aí ... Se deixarmos que nossa visão de mundo continue e a abraçarmos inteiramente, e não tentarmos reunir uma diplomacia inteligente e sim declarar uma guerra total, nossos filhos entoarão grandes canções sobre nós nos anos vindouros."

Essas palavras lembram a grande obra profética de George Orwell, "1984". No romance, são três os bordões que dominam a sociedade: guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força. O bordão do momento, guerra contra o terrorismo, também inverte o sentido: A guerra é terrorismo.

É provável que o próximo ataque americano seja contra a Somália, um país profundamente pobre da África. Washington alega que há células terroristas da Al-Qaeda por lá. É quase uma ficção espalhada pela insolente vizinha Etiópia, a fim de se integrar à Washington. Certamente que existem vastos campos de petróleo ao longo da costa somali.  Para os americanos, existe o atrativo adicional de "marcar um ponto". Em 1993, nos últimos dias da presidência de George Bush, pai, 18 soldados americanos foram mortos na Somália, depois que os fuzileiros invadiram o país para "restabelecer a esperança", conforme eles disseram.

Um filme recente de Hollywood, Black Hawk Down, glamoriza e mente sobre este episódio. Não toca no fato de que os americanos invasores deixaram atrás de si entre 7.000 e 10.000 de somalis mortos. Como as vítimas dos bombardeios americanos no Afeganistão, e no Iraque, e no Cambodja, e no Vietnã, e em muitos outros países, os somalis não são gente e suas mortes não têm valor político ou de mídia no ocidente. Quando os heróicos fuzileiros de Bush, filho, retornam em seus helicópteros Black Hawk, carregados de tecnologia, procurando "terroristas", suas vítimas mais uma vez não terão nome.  Então, podemos esperar a exibição do Black Hawk Down II.

Quebrar o nosso silêncio significa não permitir que a história de nosso tempo seja escrita desta forma, com mentiras e sangue de pessoas inocentes. Para compreender a mentira do que Blair/Straw/Hoon chamam de "sucesso excepcional" é preciso ler o trabalho do autor de "Total War", um homem chamado Zbigniew Brzezinski, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional da gestão Carter, e ainda é uma força poderosa em Washington.

Não tem muito tempo, Brzezinski revelou que, em 3/07/79, sem que o público e o Congresso americanos soubessem, o presidente Jimmy Carter autorizou secretamente uma verba de US$ 500 milhões para criar um movimento terrorista internacional, que disseminaria o fundamentalismo islâmico na Ásia Central e "desestabilizaria" a União Soviética. A CIA chamou esta operação de Cyclone e nos anos seguintes despejou US$4 bilhões para a criação de escolas de treinamento islâmico no Paquistão (Talebã significa "estudante"). Jovens zelotes foram mandados para o campo de treinamento na Virgínia, onde os futuros membros da al-Qaeda receberam ensinamentos sobre "habilidades de sabotagem" - terrorismo. Outros foram recrutados em uma escola islâmica do Brooklyn, Nova York, com vistas ao predestinado WTC. No Paquistão, eles foram dirigidos por oficiais britânicos e treinados pela SAS. O resultado, conforme ironizado por Brzezinski, foi "alguns muçulmanos militantes" - referindo-se ao Talebã.

Naquela época, no final dos anos 70, o objetivo americano era destituir o primeiro governo secular progressista do Afeganistão, que tinha concedido direitos iguais às mulheres, criado  programas de assistência saúde e alfabetização e  conseguido romper com o feudalismo. Quando o Talebã ocupou o poder, em 1996, eles penduraram o ex-presidente em um poste de luz na cidade de Cabul. Seu corpo ainda estava exposto aos olhos do público e funcionários da administração Clinton e executivos das companhias petrolíferas estavam distraindo os líderes do Talebã, em Washington e Houston, Texas.

O Wall Street Journal declarou: "O Talebã são os melhores atores para se alcançar a paz. Além do mais, eles são fundamentais para assegurar que o país seja rota principal para a exportação das vastas reservas naturais de gás e petróleo da Ásia Central." Nenhum jornal americano ousa sugerir que o campo de prisioneiros de Cam X-Ray sejam o produto desta política e nem que "seja um dos fatores que levaram aos ataques de 11 de setembro. E nem perguntam: Quem são os verdadeiros vencedores do 11 de setembro?

No dia em que a Bolsa de Wall Street abriu, depois da destruição das Torres Gêmeas, as poucas companhias que mostraram valorização foram as gigantes Alliant Tech Systems, Northrop Gruman, Raytheon e a Lockheed Martin. O valor da ação da Lockheed Martin, a maior fornecedora do exército americano, subiu cerca de 30%. Após seis semanas do 11 de setembro, a companhia (cuja principal usina está no Texas, estado da família Bush) garantiu o maior contrato de fornecimento da história: $200 bilhões para desenvolver um novo avião militar. O maior tabu de todos, que Orwell certamente reconheceria, é o registro dos Estados Unidos como um estado terrorista e abrigo de terroristas.

Esta verdade é praticamente desconhecida do grande público americano e faz parecer piada as declarações de Bush (e de Blair) sobre "seguir a pista dos terroristas onde quer que eles estejam." Eles não precisam ir muito longe.

A Flórida, atualmente governada pelo irmão do presidente, Jeb Bush, tem abrigado terroristas que, como a quadrilha do 11 de setembro, vêm sequestrando aviões e barcos com armas e facas. A maior parte deles jamais sofreu qualquer tipo de julgamento. Por que? Todos são cubanos anticastristas. O ex-ministro da Defesa da Guatemala, Gramajo Morales, que foi acusado de "planejar e dirigir uma campanha de terror indiscriminada contra civis", inclusive a tortura de uma freira americana e o massacre de oito pessoas de uma mesma família, estudou na Harvard U., com bolsa do governo americano.

Durante os anos 80, milhares de pessoas foram mortas por esquadrões da morte ligados ao exército de El Salvador, cujo antigo chefe vive com todo o conforto na Flórida. O ex-ditador haitiano, general Prosper Avril, gostava de exibir as vítimas ensanguentadas de sua tortura na televisão. Quando ele foi destituído, partiu para a Flórida, onde conseguiu asilo político. O conhecido membro do exército chileno durante a ditadura Pinochet, cuja responsabilidade especial era execuções e tortura, vive em Miami. O general iraniano que administrou as conhecidas prisões do país, é um rico exilado nos Estados Unidos. Um dos partidários de Pol Pot, que incentivava os exilados cambodjanos a voltarem para a morte certa, mora em Mount Vernon, Nova York.

Todas essas pessoas têm em comum, afora a história de terrorismo, o fato de que ou trabalharam diretamente para o governo dos Estados Unidos ou realizaram o trabalho sujo das políticas americanas.Os campos de treinamento da al-Qaeda são jardins de infância se comparados com a famosa universidade de terrorismo de Fort Benning, na Geórgia. Conhecida até recentemente como School of the Americas, entre seus graduados estão quase que metade dos ministros dos regime genocida da Guatemala, 2/3 dos oficiais do exército salvadorenho que cometeram, segundo a ONU, as piores atrocidades na guerra civil daquela país e o chefe da polícia secreta de Pinochet, que administrou os campos de concentração do Chile.

É uma terrível ironia. A resposta humanitária das pessoas do mundo inteiro ao terrorismo do 11 de setembro foi por muito tempo ocultada por aqueles que administram um grande poder voraz com uma história de terrorismo. A supremacia global, não a derrota do terrorismo, é a meta: somente um cego político pensa de forma diferente.

15/02/02

http://www.mirror.co.uk/news/allnews/page.cfm?objectid=11574035&method=full

 

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