
ATUALIDADES
DAS CINZAS DE FALLUJAH
Por James Cogan
Fallujah foi devastada. É um inferno
aqui na terra de corpos
espalhados, prédios em ruínas e o fedor de morte. A cidade entrará para a
história como o lugar onde, em novembro de 2004, o imperialismo americano
praticou um crime de proporções gigantescas.
O exército dos Estados Unidos não tem a menor idéia de
quantos iraquianos "combatentes e não combatentes" foram mortos pelas milhares
de toneladas de explosivos e balas lançados sobre a cidade. Equipes dos
necrotérios apenas começam a recolher os mortos na cidade e ainda não houve
qualquer tentativa de limpar e procurar as centenas de corpos que se encontram sob
os escombros e entulhos, para que possam ter um enterro digno.
Quando indagado sobre o total de mortes
iraquianas, o porta-voz da marinha dos Estados Unidos, cel. Mike Regner,
respondeu: "Não sei". A estimativa de que algo entre 1.000 e 2.000 combatentes
iraquianos tenham morrido, não passa de suposição.
Os relatos feitos pelos moradores de
Fallujah que fugiram da cidade durante os bombardeios levaram a Anistia
Internacional a concluir que "o número de civis mortos é elevado". Dentre a
população de perto de 300.000 habitantes, o Comitê Internacional da Cruz
Vermelha acredita que cerca de 50.000 mulheres, crianças, doentes e idosos
encontravam-se em Fallujah quando começou o ataque, em 7 de novembro. Sabe-se
que cerca de 5.000 escaparam durante os combates. Começam a surgir relatos de
soldados americanos descobrindo grupos de civis que sobreviveram, aos
bombardeios relativamente ilesos, abrigados em prédios, sem água e comida.
Para a grande maioria das pessoas no
mundo todo, os 10 dias de ofensiva contra a população de Fallujah só são
conhecidos pelo que é apresentado nas televisões ou pelas descrições e fotos
selecionadas que aparecem na imprensa. Mesmo isso já foi suficiente para trazer
horror e repulsa a centenas de milhões.
O jornalista iraquiano Fadhil Badrani,
correspondente na cidade da BBC e Reuters, transmitiu na terça-feira: "Há pouco,
vi algumas coisas estranhas, como, por exemplo, cães vadios estraçalhando corpos nas
ruas. Enquanto isso, as pessoas procuram nos jardins alguma coisa para comer. Os
que sobreviveram a isto tudo estão magros. O oposto acontece com os mortos
largados onde caíram, estão inchados e apodrecidos...
"Ouvimos dizer que a ajuda chegou ao
hospital nas cercanias da cidade, que agora está nas mãos dos americanos. Porém,
muitas pessoas dessa região estão bastante fracas ou muito assustadas para
fazerem a viagem ou até mesmo deixarem suas casas ... Olhando para Fallujah
agora, a única comparação que me vem à cabeça são cidades como Beirute ou
Sarajevo."
Um rápido olhar sobre o horror que o
ataque representou para as pessoas da cidade e para centenas de soldados
americanos pode ser encontrado no endereço
http://fallujapictures.blogspot.com/. Este site contém uma coleção de
imagens feitas por fotógrafos que trabalham para as agências como Getty Images,
World Picture News e Agence France Presse, que acompanharam o exército dos
Estados Unidos em Fallujah. Na maioria dos casos, as imagens não foram usadas
pelos meios de comunicação de massa porque são consideradas muito "gráficas".
O criador do site explica: "Criei este
site porque estava com raiva do meu país e não conseguia entender como
permitimos que isto acontecesse... Aprendi que a maioria dos americanos jamais
viu o que está sendo feito em seu nome. Precisamos enfrentar as realidades
desta guerra antes de darmos nosso apoio."
As imagens incluem cenas da paisagem
devastada da cidade; nas ruas, os cadáveres ensangüentados e cobertos de moscas
de jovens iraquianos, ou, então, empilhados em filas em meio aos escombros; um
corpo decapitado; mulheres e crianças fugindo com os poucos bens deixados;
equipes dos necrotérios catando os mortos; soldados americanos feridos com
membros estraçalhados sendo tratados; os bebês de Fallujah tendo seus horríveis
ferimentos cuidados nos hospitais de Bagdá. O site também mostra cabeças
perfuradas de soldados americanos que morreram durante os combates deste mês.
O general americano John Sattler
declarou, no domingo: "Libertamos a cidade de Fallujah."
O ataque a Fallujah é uma punição
coletiva no estilo nazista e não uma libertação. A cidade foi reduzida a ruínas
porque seus líderes políticos, religiosos e tribais, motivados pelo nacionalismo
iraquiano e oposição à presença de soldados estrangeiros em seu país,
organizaram um resistência de guerrilha à invasão dos Estados Unidos. Em abril,
a cidade opôs-se ao ataque realizado pelos fuzileiros americanos e tornou-se o
foco de uma resistência maior, principalmente nas regiões sunitas do Iraque
central e norte. Em junho, os líderes de Fallujah se recusaram a aceitar a
legitimidade do governo provisório fantoche imposto pelo Estados Unidos,
chefiado pelo primeiro ministro Iyad Allawi.
O objetivo do ataque dos Estados Unidos
é transformar Fallujah em exemplo para o resto do Iraque do que acontecerá
àqueles que se opuserem à transformação de seus país em um estado-cliente dos
Estados Unidos. É a ponta de lança de uma orgia de matança que pretende esmagar
toda e qualquer oposição e assegurar que as eleições do próximo ano sejam uma
fraude a favor do regime pró-Estados Unidos. O exército americano planeja
ataques semelhantes em mais outras 21 cidades e vilas do Iraque.
Comentários de soldados americanos dão
conta de que eles vêm toda a população de Fallujah como inimiga e que a missão
deles é punir a cidade. O capitão P. J. Batty, um oficial americano, ao ver a
coleção de corpos iraquianos, após a descoberta dos corpos de dois homens e duas
mulheres iraquianas enterrados em uma cova rasa fora de uma casa, disse à
Associated Press (AP): "Isto é a prova dos horrores da guerra. Não desejamos
isto a ninguém, no entanto todos precisam compreender que há conseqüências para
os que não seguirem o governo iraquiano."
Centenas de iraquianos ainda resistem em
várias partes de Fallujah e são definidos pelo exército dos Estados Unidos como
fanáticos irracionais. O porta-voz do exército, coronel Regner, disse aos
jornalistas "eles lutam até a morte".
Os homens de Fallujah não tiveram outra
alternativa senão a luta pois o exército americano impediu que todos os homens
entre 15 e 55 anos deixassem a cidade. O bombardeio indiscriminado e a execução
de iraquianos feridos deu-lhes mais força para combater até a morte ou para
preparar ataques suicidas. A resistência na Europa ocupada agiram da mesma forma
quando encurralados em situações sem saída pelas forças nazistas.
Para justificar o ataque, a propaganda
continua a dizer ao povo americano - repetido ad nauseam nas mídias
internacional e americana - que Fallujah foi feita refém por terroristas
estrangeiros liderados pelo extremista jordaniano Abu Musaab al-Zarqawi.
Isto é tão mentiroso quanto a alegação
de que o Iraque possuía armas de destruição de massa. O exército dos Estados
Unidos agora admite que dos 1.052 homens feitos prisioneiros em Fallujah, pelo
menos 1030 são iraquianos, basicamente residentes em Fallujah. Jornalistas
notaram que a maioria dos cadáveres parece ser de adolescentes iraquianos ou de
rapazes em torno de 20 anos. Apenas 24 corpos eram de cidadãos não iraquianos
entre as centenas de mortos.
Os líderes de Fallujah negaram com
firmeza que soubessem do paradeiro de al-Zarqawi ou mesmo de sua existência. Em
inúmeras ocasiões eles denunciaram que as afirmações dos Estados Unidos de que
eles eram "um pretexto para o ataque à cidade" e declararam que o governo Bush
"inventou" al-Zarqawi.
Sem nem mesmo tentar negar as acusações,
o exército dos Estados Unidos agora afirma que al-Zarqawi deixou Fallujah antes
dos ataques. Um novo relatório do serviço de inteligência dos Estados Unidos,
tido como verdadeiro pela imprensa americana, como não podia deixar de ser,
declarou que ele "muito provavelmente" teria se mudado para Mosul, onde um outro
ataque sangrento pelas forças de ocupação está em andamento.
O ar triunfal dos círculos políticos e
da mídia americanos de que a "vitória em Fallujah" destruiu a vontade iraquiana
para lutar é ilusão.
A revolta que irrompeu nos últimos 10
dias "de Mosul, no norte, aos arredores de Bagdá, e em todas as regiões
muçulmanas sunitas do Iraque" demonstra que o ataque a Fallujah não resultará no
arrefecimento da luta armada contra a ocupação americana. Serviu para reforçar a
visão entre os milhões de iraquianos, "uma visão derivada de décadas de
experiência com a opressão colonial", de que eles somente serão capazes de
determinar seu próprio futuro quando o último soldado estrangeiro for expulso do
país.
Um oficial das forças especiais
americanas, atualmente trabalhando como consultor de segurança em Bagdá, resumiu
sua avaliação ao Washington Post, na edição de 17/11: "Não temos aliados
entre a população iraquiana, inclusiva aqueles que se beneficiaram com a
deposição de Saddam. Por toda a Bagda, Latifiyah, Mahmudiyah, Salman Park,
Baqubah, Balad, Taji, Bajii, Ramadi, e em qualquer outro lugar, as pessoas nos
odeiam ... O povo iraquiano não comprou o que os americanos estão vendendo e
nenhuma atividade do exército mudará esta realidade."
A responsabilidade daqueles que se opõem
ao militarismo mundial é defender o povo iraquiano e exigir a imediata e
incondicional retirada de todas as forças de ocupação.
Publicado no
WSWS, em 18/11/2004


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