ATUALIDADES
NA GUERRA DE PALAVRAS, QUEM IMITA QUEM?
Robert Fisk
Seria a declaração de Suleiman Abu Gheit um código? Não
é de admirar que os americanos tenham pedido ao canal Al-Jazira, na noite passada, que
censurasse as declarações do grupo levadas ao ar. Ou seria só um pedido estridente? Ou
uma declaração de guerra? Certamente diríamos que o grupo al-Qaida de Osama bin Laden -
a "fundação" poderia ser uma tradução melhor do que a "base" - já
tinha dito tudo isto antes. Os ataques suicidas do dia 11 de setembro não foram uma
declaração de guerra?
Ou foram os ataques americanos do último domingo - mais os mísseis britânicos - nossa
declaração de guerra ao Sr. bin Laden? Mas o porta-voz do Sr. bin Laden parecia querer
dar a última palavra. "A América abriu uma porta que, se Deus quiser, não será
fechada", disse ele.
Não é difícil ver o que bin Laden estava pretendendo fazer. Depois de seu `tour de force` na semana que passou - a denúncia dos ressentimentos do Oriente Médio, as citações alcorânicas, a repercursão histórica, muçulmanos x infiéis - era necessário assegurar que os árabes e todos os muçulmanos tivessem compreendido a mensagem: não há mais volta. "Os americanos devem saber que a tempestade dos aviões não cessará, se Deus quiser", disse o sr.Abu Gheit em seu turbante. "E existem milhares de jovens que amam a morte assim como os americanos amam a vida."
Como de costume, não foi difícil encontrar paralelos. O presidente Bush também prometeu, por seu turno, que a "tempestade de aviões" não cessará. Nas últimas 24 horas, ele nos disse que esta guerra "contra o terror" pode durar uma semana, um ano ou uma "decada" - isto não foi censurado. E este era o discurso de bin Laden, da mesma forma que a retórica de Bush "conosco ou contra nós" era direto do léxico de bin Laden.
Ou o sr. bin Laden está tirando seu discurso do presidente dos Estados Unidos? "Dirijo esta mensagem a toda a nação islâmica", disse o sr. Abu Gheit. "Digo a eles que todos os lados hoje se juntam contra a nação do Islam e os muçulmanos". Mas, isto não se parece com "nós contra eles" de Bush, de que a democracia está sendo atacada pelas forças do "mal", que esta é uma guerra até o fim?
Até a afirmação do sr. Abu Gheit de que "lutaremos
contra eles com a força material e espiritual que temos e com nossa fé em Deus - nós
seremos vitoriosos" foi uma cópia carbono do discurso de Bush com a promessa de
êxito. Os árabes, que puderam entender o porta-voz de bin Laden em seu idioma árabe,
deveriam ser perdoados se acharam que a Casa Branca e a caverna onde bin Laden
supostamente se esconde tinham um canal de comunicação direto.
Levando em conta as demonstrações e maldições contra a América, no entanto, é mais
provável que a afirmação da al-Qaida fosse um back-up do monólogo de 12 minutos
proferido por bin Laden quando o bombardeio americano sobre o Afeganistão começou, uma
espécie de lembrete "ele - realmente - quis - dizer - o - que - disse - sobre - a -
guerra - santa", para incentivar demonstrações posteriores no Paquistão, Gaza e
outros lugares e, mais desanimador, acionar células de há muito adormecidas.
"Os americanos devem saber que ao invadir o território do Afeganistão eles inauguraram uma nova página de inimizade e luta entre nós e as forças dos infiéis", disse Abu Gheit.
Curiosamente, em se tratando de uma seita wahabi, a declaração pedia que as muçulmanas, assim como os muçulmanos, lutassem contra os americanos; podem estar privadas da educação, mas espera-se que as mulheres afegãs morram por sua fé.
Nas primeiras guerras, no entanto, os cristãos ficavam
satisfeitos de pedir às mulheres que lutassem sem o direito a educação ou ao voto.
Realmente é tentador ver na arrogância dessa mensagem uma espécie de imagem cadavérica
refletida no espelho de nossa própria vaidade. Será que eles aprenderam conosco ou nós
aprendemos com eles?
Bin Laden e Abu Gheit apareceram juntos no primeiro videotape no qual o líder da
al-Qaida, falando na frente de uma parede soturna de pedra, explicava que o dia da guerra
santa tinha chegado, que todos os muçulmanos deveriam se alinhar contra o infiel, que a
morte de milhares de crianças iraquianas, que os corruptos regimes árabes e que a
ocupação israelense eram responsabilidade do Ocidente. Numa terra sem televisão, bin
Laden soube como usá-la.
The Independent - 11 October 2001
http://argument.independent.co.uk/commentators/story.jsp?story=98871