A Experiência EPR

O Paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen

Nick Herbert

"Só podemos escapar dessa conclusão admitindo que a medição de A altera (telepaticamente) a situação real de V, ou negando a existência de situações reais independentes, tais como as de objetos espacialmente afastados. As duas alternativas são, para mim, inteiramente inaceitáveis."

Albert Einstein

O ponto essencial do teorema de Bell é o seguinte: nenhum local de realidade pode explicar os resultados de uma determinada experiência. Em resumo: a realidade é não-local. Antes de examinar o que significa ser "não-local", passemos os olhos nessa experiência especial, denominada EPR, que constitui a base efetiva da importante conclusão a que Bell chegou. Corno tantas outras inovações da física do século XX, a experiência EPR foi concebida por Albert Einstein.

Embora tenha ajudado a montar a teoria quântica, Einstein nunca se satisfez com ela. Ele não gostava do seu intrínseco caráter aleatório ("Não posso acreditar que Deus jogue dados com o universo"), porém, acima de tudo, o que mais o desgostava era o fato de que a teoria quântica (na interpretação de Bohr e Heisenberg) indica que a realidade é criada pelo observador. "Não posso imaginar", disse Einstein, "que um camundongo possa alterar drasticamente o universo, meramente olhando para ele." Einstein acusava Bohr e Heisenberg de estarem tentando recolocar o homem (e o camundongo) no centro do cosmo, de onde Copérnico os expulsara há cerca de quinhentos anos. "A crença num mundo externo independente da percepção subjetiva", insistia Einstein, "é a base de todas as ciências naturais."

Bohr respondia comparando Einstein aos críticos da sua própria teoria da relatividade, e ressaltava que, graças a Einstein, os físicos tinham conseguido perceber que o tempo e o espaço não são absolutos, e sim relativos, dependentes do estado de movimento do observador. Na teoria quântica, simplesmente seguimos essa linha de pensamento um passo adiante e reconhecemos que a própria realidade (pelo menos os seus atributos dinâmicos) também depende do observador. Por que é tão difícil para Einstein, imaginava Bohr, aceitar essa extensão natural de suas próprias idéias?

"Uma boa anedota não deve ser repetida", gracejava Einstein.

Niels Bohr e Albert Einstein debateram a questão da realidade quântica enquanto viveram; Einstein falhou em suas tentativas de atacar de frente a teoria quântica e, relutantemente, concordou com Bohr sobre o fato de que a teoria quântica descreve corretamente todas as experiências atualmente concebíveis - uma conclusão que até hoje não foi contestada. Einstein passou, então, a criticar a teoria quântica sob o aspecto de que ela estaria incompleta.

A teoria quântica pode ser suficiente para explicar as experiências, confessou Einstein, mas experiências são apenas uma parte do que acontece no mundo. Porque faz somente previsões estatísticas, a teoria quântica não pode evitar que fiquem de fora certos "elementos de realidade" que uma teoria do mundo, mais adequada, deveria necessariamente incluir.

Niels Bohr, por outro lado, afirmava que, produzindo apenas previsões estatísticas, a teoria quântica é, ainda assim, completa. A indeterminação presente na teoria quântica é uma virtude, e não uma fraqueza, porque corresponde à indeterminação que realmente existe no mundo. Não seria sensato procurar uma descrição precisa de um mundo impreciso; essa precisão, no lugar errado, está fadada a errar o alvo.

O melhor argumento de Einstein, para mostrar que a teoria quântica está incompleta, foi produzido sob a forma de uma experiência intelectual envolvendo dois quons correlacionados. Ele imaginou essa experiência em Princeton, em 1935, com o auxílio de dois físicos americanos: Boris Podolsky, originário da Rússia meridional, e Nathan Rosen, nascido no Brooklyn. A experiência original de Einstein, Podolsky e Rosen (EPR) diz respeito a dois elétrons com quantidades de movimento correlacionadas, mas os físicos de hoje repetem o argumento da EPR utilizando a experiência conceitualmente mais simples, de David Bohm, envolvendo dois fótons com polarizações correlacionadas.

A EXPERIÊNCIA EPR

Podemos comparar um feixe luminoso a uma série de bolas (fótons) lançadas pelo arremessador no jogo de beisebol. O atributo polarização de duplo valor do fóton foi comparado a um batedor que segura o bastão num certo ângulo î e faz um ponto ou perde um ponto. No laboratório, a polarização do fóton é medida com um cristal de calcita que divide o raio luminoso em dois canais, um alto e um baixo, dependente de estarem os seus fótons polarizados, respectivamente, ao longo do eixo ótico da calcita ou em ângulo reto com esse eixo.

A experiência EPR é apenas um pouco mais complicada do que esse jogo de bola com dois jogadores. A fonte EPR emite pares de fótons (um fóton Verde e outro Azul) que se deslocam em direções opostas, para encontrarem dois detectores afastados (denominados, também, Verde e Azul), onde poderá ser medida a polarização P(î) desses fótons, num determinado ângulo î. Para figurar esse arranjo EPR, imaginemos um arremessador que lança duas bolas ao mesmo tempo. Primeiramente, ele atira uma bola Verde na direção da base do batedor; em seguida, sem quebrar o ritmo, ele se volta e dispara uma bola Azul na direção da segunda base, onde está postado um segundo batedor.

Como no jogo anterior, os batedores postados na primeira e na segunda base podem medir a "polarização" das bolas, segurando os seus bastões num determinado ângulo. Um ponto ganho mostra que a bola está polarizada no ângulo do bastão; um ponto perdido corresponde à polarização em ângulo reto com o bastão.

O arremessador dispara um par de bolas, descansa um momento, e lança outro par. Para cada par de bolas, o jogador Verde mede a polarização da sua bola Verde num determinado ângulo Verde, enquanto que o jogador Azul mede a polarização de sua bola Azul num determinado ângulo Azul. Para se entender a experiência EPR não é necessário saber-se o que é, realmente, polarização - o que a polarização realmente é constitui um mistério, também, para os físicos - mas é necessário que se conheçam os resultados particulares de cada par de medições da polarização. Codificado no padrão apresentado por esses resultados está o ponto essencial do paradoxo EPR, bem como o cerne do teorema de Bell, que discutiremos em outra página (a ser adicionada logo...).

Os pares de fótons EPR são lançados em uma condição especial: eles deixam a fonte de luz num estado particular de embaralhamento de fases denominado "estado de polarização paralela". Por estarem as fases embaralhadas, a fase de cada fóton depende do que está fazendo o outro fóton. Conseqüentemente, nenhum desses fótons está representado por uma forma ondulatória definida; donde (de acordo com a teoria quântica) nenhum desses fótons possui uma polarização definida.

No que concerne à observação, não possuir polarização definida significa que nenhuma medida de polarização dará sempre o mesmo resultado. De fato, para esse estado particular de dois fótons, a luz Verde e a luz Azul estão completamente não polarizadas - esta é a indeterminação máxima possível de um atributo de dois valores. Para cada fóton, em qualquer ângulo î, uma medição da polarização P(î) dá 50% de resultados no canal alto e 50% no canal baixo, resultados esses que ocorrem ao acaso, como no jogo de cara ou coroa.

Embora cada fóton por si só não possua uma onda mandatária definida, o estado dos dois fótons como um todo é representado por uma onda definida, o que significa que certos atributos das duas partículas (pertinentes simultaneamente aos fótons Verde e Azul) possuem um valor definido. Para fótons no estado de polarização paralela, um desses atributos definidos é a polarização parelha dos fótons.

Para se medir a polarização parelha PP(î) num determinado ângulo î, ajusta-se as calcitas Verde e Azul no mesmo ângulo o e observa-se os valores de polarizações (alto e baixo). Como a polarização propriamente dita, o atributo PP pode assumir somente dois valores: os dois fótons podem ter o mesmo P ("acerto") ou terem P opostos ("erro")

Tanto a teoria quântica como os fatos quânticos confirmam que, para fótons no estado de polarização paralela, o valor de PP(î) em todos os ângulos o é sempre o mesmo, ou seja, "acerto". Isso quer dizer que, se medirmos a polarização Verde num ângulo o e a polarização Azul no mesmo ângulo, ambas serão sempre a mesma. Além disso, a polarização de V será a mesma de A, independentemente de quanto os fótons se afastem um do outro, e de qual polarização seja medida em primeiro lugar. Por exemplo, pode-se medir a polarização do fóton Verde imediatamente após ele ter deixado a fonte e medir o fóton Azul um ano mais tarde (quando estiver a uma distância de um ano-luz da fonte): as polarizações de ambos serão idênticas.

De acordo com a teoria quântica, no estado de polarização paralela, cada fóton, isoladamente, não possui polarização definida. Contudo, a dos fótons Verde e Azul juntos é definida: será 11 acerto" em qualquer direção. Os atributos polarização de fótons não medidos, neste estado, fazem lembrar os atributos de gêmeos idênticos antes da concepção. Os atributos de cada gêmeo (sexo, cor do cabelo, etc.) não estão decididos, mas a condição de seus atributos parelhos já é conhecida: o mesmo para ambos. Por essa razão, chamamos o estado de polarização paralela de - estado geminado",

Em termos de dois jogadores de beisebol, os resultados de uma longa série de jogos contra um arremessador que sempre lança pares de bolas no estado geminado serão os seguintes:

1. Seja qual for o ângulo î em que um ou outro segure o bastão, ambos obterão um resultado meio a meio de pontos ganhos e pontos perdidos.

2. Se ambos concordarem previamente em segurar os bastões no mesmo ângulo o [chamamos a isso "medir o atributo PP(î)"], o que acontecer à bola de um dos jogadores (ponto ganho ou perdido), acontecerá à bola do outro jogador.

É A TEORIA QUÂNTICA UMA DESCRIÇÃO COMPLETA DA REALIDADE?

Uma diferença entre gêmeos humanos e um par de fótons no estado geminado consiste em que, antes da concepção, os gêmeos humanos não existem, enquanto que, antes da medição os fótons já existiam. Sabemos que eles foram emitidos de suas fontes num determinado momento e que estão se deslocando com uma certa velocidade na direção de seus respectivos detectores.

Com respeito a um par de fótons no estado geminado, Einstein propôs a seguinte questão: "É a polarização do fóton Verde, após este ter sido emitido, mas antes de ser medido, realmente indefinida, como exige a interpretação de Bohr da teoria quântica, ou é, como acontece no útero aos gêmeos idênticos, realmente definida mas desconhecida?" Em outras palavras: "Nossa incerteza concernente às polarizações não observadas é uma questão de ignorância quântica ou clássica?"

Segundo Bohr, a polarização do fóton Verde nem mesmo existe, antes de a medirmos. Os chamados atributos do fóton Verde não pertencem ao fóton em si, mas residem parcialmente no arranjo experimental global". Como a posição do arco-íris, a polarização é um atributo relacional e só passa a existir quando o observador Verde decide como irá dispor sua aparelhagem no local Verde (ou, possivelmente, em qualquer outro local). Não tem sentido supor que, antes da medição, o fóton Verde tenha alguma polarização definida. Einstein, ao contrário, afirma que o fóton Verde não só tem, de fato, uma polarização definida em alguma direção, como tem polarizações definidas em todas as direções.

Para dar ênfase à diferença entre Bohr e Einstein, imaginemos que o jogador Azul se desloque para perto da elevação onde fica o arremessador, de modo que ele pegue a sua bola Azul antes que o jogador Verde pegue a bola Verde. Suponhamos que ele segure o seu bastão a zero grau (verticalmente), e marque um ponto, o que significa que o seu fóton está polarizado verticalmente. Giramos, agora, nossa câmara para a primeira base, onde os espíritos de Einstein e Bohr estão discutindo o status de realidade do fóton Verde, ainda a ser medido, e que presentemente está se deslocando com a velocidade da luz na direção do batedor Verde. A fim de conceder a esses dois grandes homens algum tempo para o debate, imaginemos que a costumeira passagem do tempo seja temporariamente suspensa.

BOHR: Quando afirmo que a teoria quântica está completa, quero dizer que ela diz tudo aquilo que é possível dizer, com respeito à realidade daquele fóton Verde. O que não estiver na teoria, não estará, também, no fóton.

EINSTEIN: O que diz, então, a teoria, a respeito desse fóton Verde que se aproxima do batedor Verde?

BOHR: Em primeiro lugar, considerando que o jogador Azul já mediu um fóton polarizado verticalmente, e acrescentando-se o fato de que esse arremessador só lança pares de fótons no estado geminado, a teoria quântica prevê que, se o jogador Verde resolver segurar verticalmente o seu bastão, certamente marcará um ponto; e mais, ela prevê ainda que, se ele segurar horizontalmente o bastão, certamente perderá um ponto.

EINSTEIN: Concordo com você no que concerne à previsão da teoria quântica para os casos em que o jogador Verde fizer uma medida de polarização horizontal ou vertical. Mas o que acontecerá se o jogador Verde segurar o seu bastão em algum outro ângulo?

BOHR: Para outros ângulos do bastão Verde, diferentes de zero e de noventa graus, a teoria quântica não fornece resultados certos, mas somente a probabilidade de ser marcado um ponto. Por exemplo, se o jogador Verde segurasse o seu bastão a 45 graus, as suas chances de marcar um ponto seriam de 50%.

EINSTEIN: Certo. A teoria quântica de fato fornece somente previsões estatísticas para os casos de ângulos intermediários. Ao que parece, concordamos no que diz respeito às previsões da teoria e aos fatos concernentes ao assunto, i.e.: a teoria nunca fez uma única previsão incorreta. Concordamos, como diria Kant, sobre as aparência e sobre a teoria. Porém, meu caro Bohr, o que você está querendo dizer sobre a realidade desse fóton Verde, magicamente suspenso no ar em frente a nós?

BOHR: Por acreditar que a teoria quântica descreve completamente todas as situações físicas, devo dizer que, antes de ser efetivamente medido, esse fóton só possui uma polarização definida nas direções vertical e horizontal, mas não em outras direções. Falar de uma polarização definida, em quaisquer outras direções, não teria nenhum sentido. Assim digo que, na realidade, esse fóton Verde não possui atributos de polarização, exceto, talvez, nesses ângulos particulares.

Mesmo nesses ângulos especiais, para os quais a teoria quântica fornece determinados resultados, não estou inteiramente convencido de que esses resultados representam um atributo definido pertencente somente ao fóton. Acredito que todos os atributos são criações conjuntas do fóton e do instrumento de medida, e não pertencem a um ou ao outro.

EINSTEIN: Com respeito a esse assunto de algo ser, ou não, completo Como você sabe, meu amigo, não posso refutar a sua opinião de que a teoria quântica constitui uma teoria completa dos fenômenos; ela de fato parece descrever corretamente os resultados de todas as experiências que a minha pobre cabeça tem sido capaz de imaginar. Mas não compartilho a sua fé em que a teoria quântica seja uma teoria completa da realidade. Acredito na existência de certos elementos de realidade desse mundo, que não estão descritos pelo formalismo quântico. No caso desse fóton Verde, por exemplo, digo que ele possui um atributo polarização definido para todos os ângulos possíveis, e não apenas para as direções vertical e horizontal.

BOHR: Não, meu amigo, você está enganado. Exceto, talvez, em certas situações especiais onde o resultado não é uma questão de sorte tais como as direções vertical e horizontal, no presente caso a polarização do fóton é produzida pelo arranjo experimental global, e não é inerente ao fóton em si, independentemente de um contexto particular de medição.

EINSTEIN: Perdoe-me, Bohr, mas nunca fui capaz de entender a sutileza do seu raciocínio neste assunto. Na verdade, para situações como esta, de um jogo de beisebol com bolas no estado geminado, eu e meus colegas Podolsky e Rosen descobrimos um argumento simples que nos mostra que esse fóton Verde, pairando à nossa frente, possui atributo polarização definido (mas desconhecido) em todos os ângulos. Permita-me descrever para você esse argumento.

Nosso raciocínio depende de uma certa pressuposição plausível, que os físicos chamam hoje de "pressuposição de localidade": admitimos que a situação real efetiva do fóton Verde, após deixar a fonte, hão é afetada pela escolha do jogador Azul quanto ao modo de segurar o bastão. Em outras palavras, admitimos que a postura de rebate do jogador Azul não afeta o fóton Verde. Essa suposição me parece razoável, porque os dois fótons estão se deslocando em direções opostas, com a velocidade da luz. Assim, um fóton não pode ter conhecimento da situação de medição do outro fóton, a não ser através de um sinal mais rápido que a luz.

BOHR: Desconfio dessa pressuposição de localidade, mas, por favor, continue.

EINSTEIN: Eis o nosso argumento. Na presente situação o jogador Azul decidiu segurar o bastão verticalmente e marcou um ponto. Mas se tivesse segurado o bastão em outro ângulo qualquer, digamos, a 45 graus, ele teria também medido algo (um ponto ganho ou um ponto perdido), que desconhecemos. Como esse par de fótons está no estado geminado, sabemos que o fóton Verde estaria obrigado a mostrar a mesma polarização que o jogador Azul detectou a 45 graus. Do mesmo modo, o jogador Azul poderia ter segurado o bastão em um ângulo X qualquer e teria obtido uma determinada polarização; o fóton Verde teria, obrigatoriamente, essa mesma polarização no ângulo X

Se o fóton Verde possui, necessariamente, uma polarização definida para cada escolha de medição feita pelo jogador Azul, e se (em virtude da pressuposição de localidade) a escolha de medição do jogador Azul não afeta fisicamente o fóton Verde, então o fóton Verde já deveria possuir uma polarização definida para cada ângulo - polarizações que existem independentemente da efetiva escolha do jogador Azul.

Assim, acreditamos ter demonstrado que, antes de atingir o bastão Verde, esse fóton Verde já terá -decidido- como agir, seja qual for a escolha do jogador Verde quanto ao modo de segurar o bastão. Esse fóton Verde deverá possuir uma espécie de lista "bate/passa" que lhe diga o que fazer, para todos os ângulos do bastão. A teoria quântica, por outro lado, certamente não reconhece nenhuma lista desse tipo. Ela considera que, com exceção das direções horizontal e vertical, esses resultados são "aleatórios", inteiramente desconhecidos, exceto num certo sentido probabilístico. A teoria quântica é, portanto, "incompleta", porque deixa de fora alguns atributos - essa lista, por exemplo - que esse fóton parece possuir.

BOHR: Seu argumento é inteligente, mas não posso aceitar a sua conclusão. É claro que não se trata de questionar a existência de qualquer influência mecânica do bastão Azul sobre o fóton Verde, mas existe essencialmente a questão de uma influência sobre as próprias condições que definem os possíveis tipos de previsão com respeito ao futuro comportamento da luz Verde.

EINSTEIN: Sim, eu me lembro de você ter feito essa mesma afirmação em 1935, em resposta ao nosso artigo original concernente à experiência EPR. Não a entendi, então, e devo confessar que, a despeito do considerável esforço feito para entendê-la, ainda não consigo captar a sutileza do seu pensamento sobre esse assunto.

Como o autor parece ter congelado os nossos intelectos como fez com aquele fóton Verde ali parado no tempo - conservando as nossas antigas posições filosóficas, responderei à sua velha citação com duas das minhas, que resumem o meu pensamento a respeito da experiência EPR:

"Somos forçados (através do argumento EPR) a concluir que a descrição quântico-mecânica da realidade física, fornecida pelas funções ondulatórias, não está completa."

"Só podemos escapar dessa conclusão, admitindo que a medição do fóton Azul altera (telepaticamente) a situação real do fóton Verde, ou negando a existência de situações reais independentes, tais como as de objetos espacialmente afastados. As duas alternativas são, para mim, inteiramente inaceitáveis."

Bohr, Einstein e outros numerosos pensadores lutaram para esclarecer o paradoxo EPR mas ninguém conseguia encontrar uma solução aceitável, até que Bell chamou a atenção de todos para a fragilidade da pressuposição de localidade. Olhemos de perto essa pressuposição, tão essencial para o argumento de Einstein, Podolsky e Rosen.

A PRESSUPOSIÇÃO DE LOCALIDADE

A pressuposição de localidade não implica em que aquilo que acontece no bastão Verde nada tenha a ver com o que acontece no bastão Azul. Como os fótons, ao deixarem a fonte de luz, estão corre 1 acionados, os resultados obtidos nos locais Verde e Azul de medição estarão também correlacionados. A "localidade" implica em que nenhuma ação por parte do jogador Azul (ao detectar o seu fóton Azul) pode afetar o que o jogador Verde vê (quando detecta o seu fóton Verde), A "localidade" implica em que aquilo que acontece na primeira base não é afetado pela maneira adotada pelo jogador Azul para segurar o seu bastão na segunda base.

A pressuposição de localidade é necessária ao argumento EPR porque, embora o observador Azul pudesse ter feito qualquer medida de polarização à sua escolha, ele só pode, de fato (para um única fóton) ter feito uma medição, uma vez que as polarizações do fóton, em ângulos diferentes, são atributos incompatíveis.

Como um exemplo prosaico do raciocínio EPR, consideremos uma lanchonete (Enrico's Pizza Reale) que venda três tipos de pizzas: siciliana, milanesa e napolitana Sempre que você encomenda uma pizza no Enrico's, ela chega à sua casa em dez minutos. Como uma pizza leva trinta minutos para assar, você está sabendo que a pizza encomendada devia estar pronta quando você telefonou.

Suponhamos que você encomende uma pizza, à sua escolha, todas as noites (seu dinheiro só dá para uma) e ela é entregue sempre em dez minutos. Você pode concluir que o Enrico tem à mão os três tipos de pizza?

Não sem algum tipo de pressuposição de localidade. Você terá de presumir que o Enrico não tem como saber o tipo de pizza que você vai pedir naquela noite. Podendo descobrir antecipadamente a sua escolha, ele só precisará manter uma pizza quente.

A sua liberdade de escolha a cada noite, mais a "pressuposição de localidade" (sem espiões de pizza), lhe permite inferir, com base em uma sério de observações de uma pizza isolada, que o Enrico realmente conserva todas as três pizzas 'prontas para saírem todas as noites. O argumento em favor de polarizações preexistentes é o mesmo de pizzas preexistentes. A liberdade do jogador Azul de escolher uma medição de polarização, acrescida da pressuposição de localidade, permite à EPR inferir que todas as polarizações deverão estar simultaneamente presentes no fóton Verde (sob a forma de uma lista de procedimentos "bate/passa") antes que o jogador Verde faça a sua medição.

Conseqüentemente, no estado geminado, o fóton Verde já sabe secretamente como irá reagir a qualquer medição de polarização que o jogador Verde resolva executar. De acordo com o argumento EP R, o atributo polarização do fóton Verde não está, de modo algum, indefinido. A lista bate/passa do fóton Verde especifica a sua polarização para todos os ângulos de medição.

Bohr declara que o fóton Verde, antes de ser medido, está num estado de polarização indefinida; a teoria quântica não reconhece qualquer lista do tipo bate/passa. Porém Einstein, Podolsky e Rosen podem provar que uma tal lista existe na natureza. Assim, de acordo com a EPR, a teoria quântica necessariamente está incompleta.

É importante perceber o que a EPR não fez: Einstein, Podolsky e Rosen não descobriram uma situação experimental em que a teoria quântica está efetivamente errada. O que eles descobriram foi um simples argumento lógico (baseado no fato experimental da perfeita correlação de polarizações de um determinado sistema de dois fótons) que demonstra indiretamente a existência de atributos do fóton que a teoria quântica deixa de tomar em consideração. Eles então indagam: "Se a teoria quântica é uma teoria completa da realidade, por que ela omite esses atributos?"

O que está em jogo não é ser a teoria quântica uma teoria completa dos fenômenos (explicando corretamente todas as medições atualmente concebíveis), mas ser uma teoria completa da realidade (explicando corretamente tudo o que existe, mensurável ou não). Numerosas refutações do argumento EPR meramente demonstram que a teoria quântica descreve corretamente todas as medições de polarização no estado geminado. Einstein, Podolsky e Rosen não contestam a competência da teoria quântica para descrever os fenômenos; eles afirmam, contudo, terem demonstrado a existência de certos "elementos de realidade" (nas palavras de Einstein), partes do mundo não observáveis diretamente que a teoria quântica simplesmente omite.

A prova EPR dá àqueles que acreditam que só é real aquilo que pode ser observado, uma oportunidade de testarem as suas convicções. Para esses realistas que repudiam a falta de senso, o argumento EPR deve estar errado porque visa a demonstrar a existência de uma realidade não passível de observação. Contudo, mesmo aqueles que, de antemão, estavam convencidos do erro de Einstein, Podolsky e Rosen, acharam surpreendentemente difícil apontar a falha do seu raciocínio. Centenas de artigos foram publicados a respeito do "paradoxo EPR". Há trinta anos os físicos e filósofos vêm quebrando a cabeça com essa prova, sem refutarem a sua lógica ou lançarem mais luz sobre os "elementos de realidade" alegados por Einstein, Podolsky e Rosen.

Em 1964, o longo impasse foi quebrado pelos esforços do físico teórico John Bell, como veremos num próximo artigo em breve.

 

Este texto é parte do capítulo 11 do livro "A Realidade Quântica" de Nick Herbert

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