Contemporânea Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC |
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"Durou apenas um ano a passagem de Sánchez Mazas pelo Marrocos, porque em 1922 Juan Ignacio Luna de Tena o enviou a Roma como correspondente do Abc. A Itália o fascinou. Sua paixão de juventude pela cultura clássica, pelo Renascimento e pela Roma imperial cristalizou-se no contato com a Roma real. Viveu aí sete anos. Aí casou-se com Liliana Ferlosio, uma italiana recém-saída da adolescência que ele praticamente arrancou de casa e com a qual manteve durante toda a sua vida uma relação caótica da qual resultaram cinco filhos. Aí amadureceu como homem, como leitor e como escritor. Aí forjou uma justa reputação de cronista, com artigos muito literários, de concepção refinada e execução segura - por vezes demasiadamente eruditos e carregados de lirismo, por vezes feitos de veemente paixão política - que talvez sejam o que há de melhor em sua obra. Aí também converte-se ao fascismo. De fato, não é exagerado afirmar que Sánchez Mazas foi o primeiro fascista da Espanha, e é bastante exato dizer que foi seu teórico mais influente. Leitor fervoroso de Maurras e amigo íntimo de Luigi Federzoni - que encarnou na Itália uma espécie de fascismo ilustrado e burguês, e que com o tempo ostentaria várias pastas ministeriais nos governos de Mussolini -, monárquico e conservador por vocação, Sánchez Mazas acreditava ter descoberto no fascismo um instrumento adequado para curar sua nostalgia de um catolicismo imperial e, sobretudo, para recompor pela força as firmes hierarquias do antigo regime que o velho igualitarismo democrático e o novo e pujante igualitarismo bolchevique ameaçavam aniquilar em toda a Europa. Ou melhor dizendo: quem sabe para Sánchez Mazas o fascismo não foi senão a tentativa política de realizar sua poesia, de tornar realidade o mundo que melancolicamente nela evoca, o mundo abolido, inventado e impossível do paraíso. Seja como for, o certo é que saudou com entusiasmo a marcha sobre Roma em uma série de crônicas intitulada Itália passo a passo, e que viu em Benito Mussolini a reencarnação dos condottieri renascentistas e em sua ascensão ao poder o anúncio de que o tempo dos heróis e dos poetas retornara à Itália. Assim é que em 1929, de volta a Madri, Sánchez Mazas já havia tomado a decisão de dedicar-se inteiramente à tarefa de conseguir que esse tempo também voltasse à Espanha. De certa forma, conseguiu. Porque a guerra é por excelência o tempo dos heróis e dos poetas, e nos anos 30 poucas pessoas empenharam tanta inteligência, tanto esforço e tanto talento como ele para conseguir que na Espanha estourasse uma guerra. Ao voltar ao país, Sánchez Mazas logo entendeu que para alcançar seu objetivo era preciso não apenas fundar um partido que tivesse o mesmo padrão daquele que vira triunfar na Itália, mas também achar um condottiero renascentista cuja figura, chegado o momento, catalisasse simbolicamente todas as energias liberadas pelo pânico que a decomposição da Monarquia e o triunfo inevitável da República iriam gerar entre os setores mais tradicionais da sociedade espanhola. A primeira tarefa demorou um pouco a cumprir-se; a segunda, não, pois José Antonio Pirmo de Rivera veio a encarnar de imediato a figura do caudilho providencial que Sánchez Mazas buscava. A amizade que os uniu foi sólida e durável (tanto que uma das últimas cartas que José Antonio escreveu da prisão de Alicante, às vésperas de seu fuzilamento no dia 20 de novembro de 1936, era dirigida a Sánchez Mazas); e assim foi talvez porque esteve baseada em uma eqüitativa repartição de papéis. José Antonio de fato tinha tudo de que Sánchez Mazas carecia: juventude, beleza, coragem física, dinheiro e linhagem; o inverso é igualmente correto: armado de sua experiência italiana, de suas muitas leituras e de seu talento literário, Sánchez Mazas converteu-se no mais respeitado conselheiro de José Antonio e, uma vez fundada a Falange, em seu principal ideólogo e propagandista e um dos principais criadores de sua retórica e seus símbolos: foi Sánchez Mazas que propôs, como símbolo do partido, a canga e as flechas que compunham o símbolo dos Reis Católicos; que cunhou o grito ritual de 'Arriba España!'; que compôs a celebérrima Oração pelos mortos da Falange e que, ao longo de várias noites de dezembro de 1935, escreveu, com José Antonio e com outros escritores de seu círculo - Jacinto Miquelarena, Agustín de Foxá, Pedro Mourlane Michelena, José María Alfaro e Dionisio Ridruejo - , a letra do Cara al Sol, nos porões do Or Kompon, um bar basco situado na Rua Miguel Moya, em Madri." (CERCAS, Javier. Soldados de Salamina. Trad. Wagner Carelli. São Paulo: Globo, 2002. p.90-93) |