Contemporânea

Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC
Criada em maio de 2001
Responsável pela criação e manutenção:
Profa: Janice Gonçalves


A Primeira Guerra, a China
e a disputa imperialista na Ásia

 

 

"De início, o Japão e as potências européias mostraram-se céticos em relação ao novo regime de Yuan Shikai [presidente da República Chinesa, constituída em 1911] e demoraram a reconhecê-lo diplomaticamente. Nos Estados Unidos, porém, a opinião era mais favorável a Yuan e à idéia de uma nova república. Um grande número de missionários americanos na China fora simpático ao movimento republicano e muitos dos chineses de mentalidade mais reformista tinham se educado em escolas das missões. (...)

A deflagração da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, foi inicialmente benéfica para a ditadura Yuan, pois desviou a atenção de França, Inglaterra, Alemanha e Rússia de seus negócios na China. Mas, infelizmente para Yuan, os japoneses não perderam tempo em se aproveitar da situação. Com laços formais de aliança com a Grã-Bretanha que datavam de 1902, o Japão declarou guerra à Alemanha em agosto de 1914 e atacou imediatamente as áreas de concessão germânica na província de Shandong. A China argumentou que suas tropas deviam ser usadas contra os alemães e tentou obter a concordância dos ingleses. Mas os britânicos estavam satisfeitos em deixar os japoneses irem adiante com usa planejada expansão em solo chinês.

Em janeiro de 1915, o Japão acertou um golpe ainda mais violento na China, ao apresentar ao governo de Yuan as Vinte e Uma Exigências. Nelas, requeria direitos econômicos mais amplos para seus súditos na Manchúria e na Mongólia Interior; administração conjunta sino-japonesa do enorme complexo de ferro e carvão de Han-Ye-Ping, na China central; não-alienação de nenhum porto ou ilha chinesa para outras potências estrangeiras; o alocamento de assessores econômicos e policiais no Norte da China; e amplos direitos comerciais na região da província de Fujian. A hostilidade dos chineses a essas exigências expressou-se em manifestações anti-japonesas em todo o país e em um boicote de produtos japoneses bem mais amplo e eficaz do que o boicote antiamericano de 1905. Ainda assim, Yuan achou que devia ceder, embora modificasse levemente algumas das condições do Japão.

(...) Em março [de 1917], o premiê Duan [Qirui] persuadiu o Parlamento restaurado [chinês] a romper laços diplomáticos com a Alemanha, mas enfrentou uma batalha mais dura para lançar uma declaração formal de guerra, uma vez que o presidente Li Yuanhong e o Parlamento achavam que cabia a eles, e não ao primeiro-ministro, tomar essa decisão. (...)

O poderio militar da China era insignificante, se comparado às nações européias beligerantes ou aos Estados Unidos, que entrara na guerra em abril de 1917, ao lado da França e da Inglaterra. Mas a China tinha um recurso crucial que faltava aos Aliados: homens. A carnificina nos campos de batalha da Europa fora terrível: apenas na batalha do Somme, em 1916, tinham morrido 600 mil soldados britânicos e franceses, e no ano seguinte a Inglaterra perdeu outros 250 mil na batalha de Ypres. Necessitando constantemente de novos homens para o front, os Aliados descobriram que se pudessem usar trabalhadores chineses nas docas e em projetos de construção na Europa ocidental, mais europeus ficariam liberados para os combates.

Seguindo essa linha de raciocínio cruel, porém correta, britânicos e franceses tinham começado a negociar com os chineses já no verão de 1916. Bem antes da declaração de guerra da China [em agosto de 1917], o resultado foi o estabelecimento de uma usina de processamento para trabalhadores chineses na província de Shandong, perto da base naval inglesa de Weihaiwei, de pois de outra, no porto de Qingdao. (...)

Embora membros de sindicatos ingleses e franceses protestassem contra a presença deles, em breve os chineses estavam trabalhando, a maioria deles no Norte da França. Receberam tarefas como esvaziar cargueiros militares nas docas, construir casernas e hospitais, cavar trincheiras e cuidar da munição em pátios de reunião de tropas das estradas de ferro. Trabalhavam dez horas por dia, sete dias por semana, com folgas nas festas tradicionais chinesas. E mesmo depois da declaração de guerra da China, continuaram fora da luta, pois não havia como o regime de Duan financiar um exército na Europa. (...)

A contribuição chinesa para a guerra teve o seu custo. Além dos 543 homens perdidos no mar, quase 2 mil operários chineses morreram na França e em Flandres e foram enterrados em cemitérios especiais. Ali, as longas fileiras de lápides com os nomes inscritos em chinês e os números que lhes forma atribuídos pelos ocidentais ainda dão testemunho mudo do primeiro envolvimento da China em conflitos globais. Mais complexo foi o legado dos milhares de trabalhadores ao voltar para a China, alfabetizados e conhecedores do mundo, amiúde com um saldo decente de dinheiro armazenado em segurança por suas famílias. Eles estariam em posição de desempenhar um papel novo e ativo na política chinesa, como alguns socialistas chineses observaram .

Depois que o armistício de 11 de novembro de 1918 pôs fim à guerra, com a derrota da Alemanha, as expectativas cresceram na China. Houve desfiles triunfantes em Pequim e uma multidão demoliu o monumento que os Qing tinham sido obrigados a erguer em homenagem aos alemães mortos pelos boxers. O governo de Pequim era chefiado agora por outro presidente e premiê da facção de Beiyang; Duan Qirui renunciara em outubro de 1918, mas antes de fazê-lo usara os enormes empréstimos do Japão [cerca de 145 milhões de ienes, em 1917] para aumentar seu poderio militar pessoal e continuara a estabelecer uma série de acordos secretos com os japoneses. A delegação chinesa nas negociações de paz de Versalhes, composta por 62 membros, era chefiada por cinco diplomatas capazes que não tinham sido completamente informados sobre o que deveriam esperar. Ficaram abalados na sede da conferência pelo anúncio do chefe da delegação japonesa de que no início de 1917, em troca da ajuda naval do Japão contra os alemães, Grã-Bretanha, França e Itália tinham assinado um tratado secreto que garantia 'apoio às reivindicações do Japão em relação ao destino dos direitos da Alemanha em Shandong' após a guerra.

Como se isso não fosse suficiente, os japoneses anunciaram também que tinham assinado acordos secretos com Duan Qirui em setembro de 1918, quando ele ainda era primeiro-ministro. Esses acordos asseguravam ao Japão o direito de estacionar polícia e estabelecer guarnições militares em Jinan e Qingdao, e hipotecavam ao Japão, como pagamento parcial de seus empréstimos à China, a renda total de duas ferrovias de Shandong que os japoneses planejavam construir. Parece que os delegados chineses realmente não sabiam desses acordos secretos humilhantes. O presidente Woodrow Wilson, que anteriormente se mostrara simpático ao desejo chinês de recuperar seus direitos sobre Shandong, agora achava que a pretensão do Japão tinha uma base firme no direito internacional. Em 30 de abril de 1919, ele concordou com David Lloyd George, da Inglaterra, e Georges Clemenceau, da França, em transferir todos os direitos da Alemanha sobre Shandong para o Japão.

Quando a natureza dessa nova traição ficou clara, telegramas urgentes coaram de Paris para Pequim e a população chinesa levantou-se como raramente o fizera. Os delegados chineses em Versalhes foram bombardeados por petições e protestos de grupos políticos e comerciais, de comunidades chinesas no exterior e dos estudantes chineses em universidades estrangeiras. Em 1o. de maio, chegou a Pequim a notícia de que os delegados chineses reconheciam não haver esperanças no caso, devido aos acordos anteriores. Essa informação deflagrou protestos de massa na capital chinesa no dia 4, seguidas de manifestações em cidades de toda a China. Enquanto o governo tremia, não cessava a pressão para que os delegados de Versalhes não assinassem o tratado. Com indecisão típica, o presidente chinês finalmente telegrafou uma ordem para que não o assinassem, mas o telegrama foi mandado tarde demais para chegar a Versalhes antes da data final de 28 de junho. Porém, em Paris, manifestantes e estudantes chineses tinham cercado a delegação de seu país no hotel, impedindo-a de comparecer à cerimônia de assinatura. O Tratado de Versalhes acabou sem a aceitação da China."

Fonte: SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna: quatro séculos de história. Trad. Tomás Rosa Beuno e Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.282, 284, 288-291.

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