Contemporânea

Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC
Criada em maio de 2001
Responsável pela criação e manutenção:
Profa: Janice Gonçalves

Sobre a Primeira Guerra Mundial
e o Império Otomano


 

 

"Foi a rivalidade da Áustria com a Rússia nos Bálcãs a causa imediata da eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, e quando o Império Otomano entrou na guerra em novembro, do lado da Alemanha e da Áustria, e contra a Inglaterra, França e Rússia, suas terras tornaram-se um campo de batalha. O exército otomano, reforçado por seus aliados, teve de lutar contra a Rússia em sua fronteira nordeste, e contra uma força basicamente britânica em suas províncias árabes. A princípio o exército otomano ameaçou a posição britânica no Egito, mas depois um exército britânico e aliado avançou na Palestina, e no fim da guerra ocupava toda a Síria. Nesse meio tempo, outra força britânica e indiana desembarcara no Iraque, no alto do golfo Pérsico, e quando a guerra acabou tinha todo o Iraque.

Em 1918, o controle militar da Grã-Bretanha e França no Oriente Médio e no Magreb era mais forte que jamais, e, o que era mais importante, o grande governo imperial sob o qual a maioria dos países árabes tinha vivido durante séculos, e que servira como uma espécie de proteção contra o domínio europeu, fora eclipsado e logo desapareceria. O Império Otomano perdera suas províncias árabes e estava reduzido à Anatólia e a uma pequena parte da Europa; o sultão estava sob o controle de marinhas e representantes dos Aliados em sua capital, e foi obrigado a assinar uma virtual tutela estrangeira ao seu governo; mas um movimento de rejeição da população turca na Anatólia, chefiado por oficiais do exército e fortalecido pelo estímulo dos Aliados a que os gregos ocupassem parte da Anatólia Ocidental, resultou na criação de uma república turca e na abolição do Sultanato. Essas mudanças foram aceitas pelos Aliados no Tratado de Lausanne (1923), que pode ser visto como o instrumento que encerrou formalmente o Império Otomano.

(...) Um acordo anglo-francês, embora aceitando o princípio da independência árabe estabelecido na correspondência árabe com o xarife Husayn, dividiu a área em zonas de influência permanente (o Acordo Sykes-Picot, de maio de 1916); e um documento britânico de 1917, a Declaração Balfour, estabeleceu que o governo via com bons olhos o estabelecimento de um lar nacional judeu na Palestina, contanto que isso não prejudicasse os direitos civis e religiosos dos outros habitantes do país. Depois que a guerra acabou, o Tratado de Versalhes estabeleceu que os países árabes antes sob o domínio otomano podiam ser provisoriamente reconhecidos como independentes, sujeitos a prestação de assistência e aconselhamento por um Estado encarregado do 'mandato' para eles. Foram esses documentos, e os interesses nele refletidos, que determinaram o destino político dos países. De acordo com os termos dos mandatos, formalmente concedidos pela Liga das Nações em 1922, a Grã-Bretanha seria responsável pelo Iraque e a Palestina, e a França pela Síria e o Líbano. Na Síria, uma tentativa de seguidores da revolta de Husayn - com um certo apoio temporário dos britânicos - para criar um Estado independente sob o filho de Husayn, Faysal, foi suprimida pelos franceses, e estabeleceram-se duas entidades políticas: o Estado da Síria e o do Líbano, uma ampliação da região privilegiada em 1861. Em 1925, uma combinação de queixas específicas contra a administração francesa na região drusa da Síria com oposição nacionalista à presença francesa levou a uma revolta, que só foi suprimida com dificuldade. Ao sul da área do mandato francês, na Palestina e na terra a leste dela, a Grã-Bretanha manteve o mandato. Devido à obrigação assumida na Declaração de Balfour e repetida no mandato, de facilitar a criação de um lar nacional judeu, os britânicos governavam a Palestina diretamente; mas a leste dela, estabeleceu-se um Principado da Transjordânia, governado por outro filho de Husayn, 'Abdullah (1921-1951), sob o mandato britânico mas sem obrigação em relação à criação do lar nacional judeu. Na terceira área, Iraque, uma revolta tribal em 1920 contra a ocupação militar britânica, com matizes de nacionalismo, foi seguida por uma tentativa de estabelecer instituições de autogoverno sob controle britânico. Faysal, que tinha sido expulso da Síria pelos franceses, tornou-se rei do Iraque (1921-33), sob supervisão britânica e dentro do esquema do mandato; as cláusulas do mandato fora corporificadas num tratado anglo-iraquiano.

De todos os países árabes, só partes da península Arábica permaneceram livres de domínio europeu. O Iêmen, assim que acabou a ocupação otomana, tornou-se um Estado independente sob o imã dos zayditas, Yahya. No Hedjaz, o xarife Husayn proclamou-se rei e governou por alguns anos, mas na década de 20 seu governo, ineficaz e privado de apoio britânico, foi neutralizado por uma expansão de poder do governante saudita, Abd al-'Aziz (1902-53), da Arábia Central; tornou-se parte do novo Reino da Arábia Saudita, que se estendia do golfo Pérsico ao mar Vermelho. também aqui, no entanto, foi confrontado no sul e leste pelo poder britânico. O protetorado sobre os pequenos estados do golfo Pérsico continuou a existir; uma área de proteção britânica foi ampliada para leste, a partir de Áden; e no canto sudoeste da península, com apoio britânico, o poder do sultão de Omã em Maskat foi estendido ao interior, à custa do imã abadita.

Sem recursos conhecidos, tendo poucos laços com o mundo externo, e cercados de todos os lados pelo poder britânico, o Iêmen e a Arábia Saudita só podiam ser independentes dentro de certos limites. Nos antigos territórios otomanos, o único Estado realmente independente que emergiu da guerra foi a Turquia. Construída em torno da estrutura da adminsitração e exército otomanos, e dominada até a morte dele por um líder notável, Mustafá Kemal (Atatürk, 1881-1938), a Turquia embarcou num caminho que a afastou de seu passado, e dos países árabes com os quais seu passado fora tão intimamente ligado: o de recriar uma sociedade na base da solidariedade nacional, uma rígida separação de Estado e religião, e uma tentativa deliberada de dar as costas ao Oriente Médio e tornar-se parte da Europa. O antigo laço entre turcos e árabes foi dissolvido, em circunstâncias que deixaram ressentimentos de ambos os lados, exacerbados durante algum tempo por disputas sobre fronteiras com o Iraque e a Síria. Apesar disso, o exemplo do Atatürk, que desafiara a Europa com sucesso e estabelecera seu país num novo caminho, iria ter um profundo efeito sobre movimentos nacionais em todo o mundo árabe."

Fonte: HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Trad. Marcos Santarrita. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.318-322.

 

 

Retorna à página-índice de História Contemporânea