Contemporânea Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC |
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"1. Buenaventura Durruti nasceu a 14 de julho de 1896, em León. 2. Teve oito irmãos, dos quais sete homens e uma mulher. Hoje (1969) ainda vivem dois irmãos e a irmã. 3. Profissão: mecânico. 4. Currículo: ingressou com cinco anos na escola pública de León. Sempre foi bom aluno. Inteligente, um pouco travesso, mas sempre de bom caráter. Freqüentava também a escola dominical dos capuchinhos, onde ganhou várias condecorações e diplomas que foram zelosamente guardados por minha mãe. Entre 1910 e 1911 trabalhou na oficina do sr. Melchor Martínez, recebendo uma diária de 25 cêntimos. Lembro-me de que isso o deixava descontente, pois o salário lhe parecia muito baixo. Minha mãe não tinha a mesma opinião. Achava o salário suficiente e dizia que ele estava aprendendo um ofício rendoso que lhe daria independência financeira. Nessa época Durruti estudava à noite. Ocupava a maior parte de seu tempo livre lendo e estudando. Depois começou a trabalhar na fundição do sr. Antonio Miaja. Ficou lá até 1916. Em seguida passou no concurso da Companhia Ferroviária do Norte da Espanha, onde ocupou um posto de mecânico em 1916. Foi despedido depois da greve de 1917. Deixou a Espanha e rumou para Paris, onde ficou até 1920. Voltou, trabalhou na montagem da carvoaria na mina de Matallana de Torío, na província de León. Na época do serviço militar, foi de novo para Paris. Assim entrou na lista dos desertores. Regressando à Espanha, acabou detido em San Sebastián. Como fosse alto e forte, designaram-no para a artilharia, onde logo o dispensaram por causa de uma hérnia. 5. Observações: sua juventude, assim como os anos posteriores, foi cheia de dificuldades e sofrimentos. Sua relação familiar era exemplar. Ele dizia aos irmãos que deviam procurar empregos honestos e não se meter em encrencas para que nossa mãe tivesse uma vida tranqüila. Sempre foi muito ligado à mãe, com grande respeito e profunda veneração. Em casa, nunca falou uma palavra sobre sua ideologia. Minha mãe e eu sempre tivemos o respeito e a simpatia dos moradores de León, de todas as classes sociais, inclusive depois da Guerra Civil. Meu pai era ferroviário. Trabalhava na oficina de reformas de trens em León. Morreu em 1931, e minha mãe em 1968, com 91 anos. Também meu pai era estimado na cidade. Sob a ditadura de Primo de Rivera, foi membro do Conselho Municipal, na gestão do prefeito Raimundo del Río. Rosa Durruti [Irmã de Buenaventura Durruti] (...) Por causa da greve de 1917, Durruti e alguns de seus companheiros foram expulsos do sindicato dos ferroviários, uma instituição dominada e manipulada pelos social-democratas. Durruti e seus amigos tinham tomado a greve ao pé da letra, sem perceber, em seu entusiasmo juvenil, que o movimento paredista era um ardil dos pelegos. Largo Caballero, Besteiro, Anguíano e Saborit, os liíeres da social-democracia, tramaram a greve apenas para recuperar o poder que por um tempo lhes tinha fugido ao controle, entregando assim os trabalhadores de mãos e pés atados à direção das companhias ferroviárias. Esta manobra sórdida e a comédia da punição dos culpados deram aos pelegos não só algumas cadeiras no parlamento como também a possibilidade concreta de 'limpar' os sindicatos ferroviários de seus filiados anarquistas. Em suas reuniões, os anarquistas se posicionavam contra a tática reformista e a influência dominante do partido social-democrata e lutavam por uma orientação realmente revolucionária no sindicato. Durruti era um dos mais rebeldes e um dos mais militantes entre os anarquistas. Com alguns companheiros , recusou-se a capitular diante dos patrões. Seu grupo, como muitos outros, passou à sabotagem em grande escala. Locomotivas eram queimadas, armazéns e lojas incendiados, trilhos arrancados. Esta tática deu resultado e muitos trabalhadores aderiram a ela. No entanto, quando estes atos de sabotagem tomaram proporções assustadoras, os socialistas ordenaram o fim da greve. Muitos organizadores do movimento, dentre os quais Durruti, perderam o emprego. Nessa época, o sindicato dos anarquistas, a Confederação Nacional do Trabalho, começou a crescer. Uma parte significativa do proletariado espanhol simpatizava com ela e era grande o número de filiações. Durruti rumou para o distrito mineiro das Astúrias, verdadeiro foco dos social-democrtatas, para fazer propaganda da linha anarquista pregada pela CNT, contra o sindicalismo neutro e reformista. Com isso, caiu na lista negra, perdeu de novo o emprego e teve de emigrar para França. V. de Rol (...) Em Paris ele [Durruti] trabalhou três anos como mecânico. Seus amigos espanhóis escreviam contando sobre a situação política e social em nosso país e prestavam-lhe informações tais como a de que o movimento anarquista adquiria amplitude cada vez maior; que mais de um milhão de trabalhadores haviam-se filiado à CNT; que um levante republicano estava sendo preparado; que muitos previam a iminente queda da Monarquia; que o governo e a burguesia organizavam bandos armados, os Pistoleiros, para liquidar os líderes dos anarquistas, da CNT e dos republicanos de esquerda. Estas notícias não deixavam o revolucionário Durruti em paz. Ele voltou à Espanha atravessando clandestinamente a fronteira francesa. Em San Sebastián juntou-se aos grupos anarquistas que conspiravam e preparavam ações contra a Monarquia. Foi ali também que encontrou Francisco Ascaso, Gregorio Jover e García Oliver. Alejandro Gilabert (...) Nunca esquecerei quando Durruti chegou a Matallan del Torío, no norte da província de León. Foi em 1920. Ele era mecânico na Compañia Minera Anglo-Hispana. Nessa aldeia mineira, que ficava nas montanhas, já havia um movimento organizado de trabalhadores dominado pelos socialistas. Quando Durruti chegou, um conflito acabara de estourar, e ele foi eleito para a comissão de greve. Eu ia para a aldeia conduzido por meu pai, um anarquista que agitava os meios operários em prol de sua causa. Nesse exato momento vi Durruti subir num muro e discursar para a multidão que se encontrava ali. Ficou decidido que todos iriam até a direção da fábrica. Quando a passeata chegou aos escritórios da Companhia Mineira, o diretor, um engenheiro inglês de nome Davis, se não me engano, recusou-se a receber uma delegação de grevistas. Mr. Davis era um homem requintado, muito bem-vestido, sempre com um cravo branco na lapela. Mas era um pouco fraco dos pulmões: parece que sofria de tuberculose. Provavelmente já ouvira falar de Durruti e talvez estivesse com medo. O certo é que mandou dizer, pelo contínuo, que não podia falar com ninguém. Durruti foi ao encontro do contínuo, que estava armado, e lhe disse: - Mande minhas saudações ao sr. Davis. E, se ele não estiver com vontade de sair pela porta, eu entrarei e o farei sair voando pela janela para se encontrar conosco na rua. Minutos depois, Davis aparece à porta e convidou gentilmente a delegação para entrar em seu escritório. Lá, houve uma longa discussão. As reivindicações dos trabalhadores foram aceitas, e a greve terminou vitoriosa. Alguns dias depois a polícia expediu uma ordem de prisão contra Durruti. Mas ele já tinha sumido. Julio Patán (...) A morte de Durruti foi um golpe terrível. Ele estava voltando da frente de defesa para a cidade [de Madri], desceu do carro e caiu mortalmente ferido. Na primeira versão oficial transmitida pela CNT dizia-se que um policial da Guardia Civil, um franco-atirador inimigo, o havia atingido com uma Mauser de cima de uma sacada. Isso pressupunha uma precisão incrível, pois o tiro quase atingira o coração. Era difícil acreditar. Além disso, ele não estava sozinho, mas cercado por seu corpo de guardas, por seus amigos. Como o projétil poderia ter acertado o alvo? Tínhamos nossas dúvidas. Jaume Miratvilles (...) No mesmo dia de minha chegada a Madri, fui inspecionar o quartel Granada, onde os soldados sobreviventes da Coluna [Durruti] descansavam. Todos eles se reuniram no espaçoso saguão. Comigo viera também a ministra Federica Monteseny, a primeira a falar. Ela informou à tropa que eu fora designado para substituir Durruti. - Não, Sanz. isso é impossível. - Qual o problema? - perguntei. Um dos soldados respondeu-me: Todos eram mais ou menos da mesma opinião. Ricardo Sanz (...) Durruti tem a seu favor o fato de ter-se prontificado a ir para Madri tentar acertar um acordo com o Partido Comunista e com o governo central. acompanhados pelo retinir de suas armas, ele e seu corpo de guarda freqüentavam as tabernas da Gran Vía, enquanto granadas das tropas de Franco explodiam lá fora, nas ruas. Os moradores de Madri nunca tinham visto antes combatentes como estes: o pensamento de que este homens tão bem armados vinham para ajudá-los enchia-os de entusiasmo. A certa altura, Durruti deixou sua guarda pessoal e foi sozinho para um encontro com os comunistas. Quinze minutos depois foi fuzilado em plena rua por agentes de um grupo de anarquistas que se chamava justamente Os Amigos de Durruti. Os historiadores da Guerra Civil apresentam este episódio de maneira inteiramente falsa quando se contentam com a versão segundo a qual Durruti teria ido para a linha de frente, sendo morto ali por um desconhecido. Por razões fáceis de entender, esta versão foi divulgada na época pelo governo republicano e pelo Partido Comunista, ambos interessados em minimizar o conflito entre anarquistas e comunistas. Chegou-se até a afirmar que Durruti teria sido vítima de uma bala perdida vinda das trincheiras de Franco. Nenhuma dessas versões corresponde à verdade. Ele foi morto em plena rua, pelas costas. Muitas pessoas puderam presenciar seu fim. Sua morte pode ser entendida como uma das demonstrações mais extremas do modo de pensar dos anarquistas. Em último caso, ela nos fornece um testemunho de que o conflito entre anarquistas e comunistas é insolúvel. Os Amigos de Durruti haviam-se organizado muito tempo antes do assassinato. O grupo deveria representar o espírito do 'verdadeiro' anarquismo e a oposição contra as tendências autoritárias do comunismo. Deste ponto de vista, o assassinato de Durruti pelos próprios 'amigos' é um fato muito lógico. Sua morte foi o último ato na disputa entre Bakunin e Karl Marx." Anônimo (...) Hoje já se passaram trinta e cinco anos, e apesar disso ainda lembro exatamente não só o dia e a hora [da morte de Durruti] mas também todos os detalhes. Atravessamos a cidade e chegamos à Praça Moncloa pelo passeio Rosales, bem em frente à esquina da Rua Andrés Beyano. Ouvimos o assobio das balas. Paramos o carro, pois não dava para continuar. O automóvel oferecia um alvo demasiado fácil para os atiradores inimigos. Por isso, Julio parou e desceu para se informar sobre a situação. Durruti tenta segui-lo: pega seu fuzil-metralhadora, um Naranjero, abre a porta do carro e bate com a arma no estribo. O gatilho dispara e a bala o acerta, atravessando o peito. Eu também já estava descendo do carro; só um de nós havia ficado dentro dele. Levantamos Durruti, todo ensangüentado, mas consciente. O sangue escorria-lhe do peito. Tentamos limpá-lo, em vão. Conseguimos colocá-lo no automóvel, entramos e voltamos o mais rápido possível para o Hotel Ritz, onde ficava o hospital das Milícias. Deixamos Durruti com os médicos, que fizeram de tudo para salvá-lo. Até as duas horas ele ainda estava consciente. Não sei se ainda disse alguma coisa, pois não fiquei mais ali. Leembro-me, porém, de que faleceu por volta das quatro da manhã, onze ou doze horas depois do acidente. A morte de Durruti causou-nos uma tal impressão que não podíamos acreditar nela, nós que tínhamos sido testemunhas. Ninguém ousou divulgar a notícia, ninguém queria dizer a verdade. Por isso, no comunicado oficial foi dito que a causa tinha sido uma bala inimiga. Isso era perfeitamente plausível, só que na realidade não ocorrera assim. Depois, naturalmente, surgiram os boatos, alguns dizendo que os comunistas seriam os culpados, e alguns outros que nós, a sua guarda pessoal, o teríamos matado, e alguns outros ainda imputavam a culpa na Quinta Coluna. Ninguém descobriu a verdade, de que havia sido um acidente no qual Durruti atirara em si mesmo." Ramón García López Fonte: ENZENSBERGER, Hans Magnus. O curto verão da anarquia: Buenaventura Durruti e a Guerra Civil Espanhola. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.p.20-21, 24-28, 285-286, 294-295, 297-298. |
Página atualizada em 15 de abril de 2004.
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