Temas de interesse:

Compreender os mitos

 

TEORIA DA HISTÓRIA

 

 

 

Como as narrativas míticas costumam ser compreendidas?

1. Narrativas falsas ou fantasiosas (o que as aproximaria de “lendas” e “contos de fadas”, a merecer pouco crédito e consideração);

2. Narrativas que contém arquétipos presentes no inconsciente coletivo, reunindo símbolos próprios da condição humana (Jung);

3. Narrativas ligadas à tradição oral que contêm verdades fundamentais a respeito de um grupo social (relativas, sobretudo, às origens do grupo e aos seus heróis, em um tempo inicial);

4. Narrativas que servem como uma espécie de guia de comportamento em sociedade para as pessoas de um determinado grupo (Malinowski);

5. Narrativas sagradas (Dumézil), em que os animais, plantas e demais seres nelas presentes freqüentemente são cultuados - função de totem - ou proibidos de serem comidos, mortos ou destruídos - tabu (Durkheim, Mauss);

6. Narrativas que traduzem um nível específico de linguagem, uma maneira especial de pensar e de expressar categorias, conceitos, imagens e noções (Lévi-Strauss).

Fonte: SILVA, Aracy Lopes da. Mito, razão, história e sociedade: inter-relações nos universos sócio-culturais indígenas. In: SILVA, Aracy L. da, GRUPIONI, Luís Donisete B. (orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1o. e 2o. graus. Brasília: MEC/MARI/ UNESCO, 1995. p.317-335.

 

 

O antropólogo Edmund Leach concorda com o teólogo alemão H.W.Bartsch, quando este afirma que os mitos são "a expressão de realidades inobserváveis em termos de fenômenos observáveis".

Para Leach:

1. A essência dos mitos é a sua não-racionalidade (a crença no mito exigiria a suspensão da dúvida);

2. Os mitos (sobretudo os mais significativos) costumam ter várias versões, característica que ele designa por redundância. A redundância serviria para assegurar veracidade: "(...) mesmo quando os pormenores variam, cada versão alternativa de um mito confirma a sua compreensão e reforça o significado essencial de todas as outras versões."

3. Outra característica importante dos mitos seria seu aspecto binário: "o mito está constantemente estabelecendo categorias opostas."

4. A análise de um mito deve relacioná-lo ao complexo mítico do qual faz parte:

“Ao invés de tomar cada mito como algo em si mesmo com um significado singular para si, assumimos, desde o início, que todo mito faz parte de um complexo, e que qualquer padrão que apareça em um deles irá reaparecer, na mesma ou em outras variações, em outras partes do complexo. A estrutura que é comum a todas as variações torna-se evidente quando as versões diferentes são superpostas umas às outras.”

Fonte: LEACH, Edmund R. "O Gênesis enquanto um mito". In: E. R. Leach: antropologia, S.Paulo: Ática, 1983 (Grandes Cientistas Sociais, 38). p.57-69.

 

 

A compreensão do mito, entre os gregos antigos:

- Na literatura grega mais antiga, mito (mythos) significa essencialmente “fala ou expressão oral”;

- Hecateu de Mileto, antecessor de Heródoto, entendia que, em sua obra, o que iria narrar (mytheitai) era mais verdadeiro que as narrativas de outros autores (logoi).

Como os mitos gregos foram transmitidos, na própria Antigüidade?

- Seguindo a opinião de Heródoto, considera-se que Homero e Hesíodo tiveram papel fundamental na fixação de mitos gregos, oriundos de uma tradição oral forjada em séculos anteriores. Tal “fixação”, entretanto, não impediu que os mitos ganhassem, ao longo do tempo, versões diferentes e acréscimos.

- De acordo com Pembroke, a transmissão dos mitos na Antigüidade (tendo ou não versões variadas e acréscimos) foi feita, basicamente:
a) através dos próprios textos clássicos;
b) através de manuais de mitologia (ex.: os manuais de Ferecides de Atenas e Helânico de Lesbos e a Biblioteca de Apolodoro);
c) através das genealogias (como o Catálogo das Mulheres);
d) através da reunião de documentos onde tais mitos estavam registrados (a biblioteca da Alexandria ptolomaica).

A isso poderíamos acrescentar:
- as pinturas murais e obras escultóricas (estátuas, frisos) que compunham sobretudo os templos;
- os variados artefatos do cotidiano que incorporavam referências míticas (como as ânforas);
- os rituais em honra de deuses e deusas;
- as representações teatrais e os eventos em que se apresentavam poetas e cantores.

Quando os mitos passarão a ser associados à falsidade?

A associação dos mitos à falsidade já aparece em Píndaro (o logos seria verdadeiro), estando também presente em Heródoto, Tucídides e Platão. Nas palavras de Pembroke: “com Platão, a polaridade entre mythos e logos está virtualmente completa: as histórias que contamos às crianças são falsas, no sentido de que não são literalmente exatas” (p.337).

A época clássica, portanto, passará a distinguir entre mito e logos, ficando associadas ao mito a irracionalidade, a fantasia, a imaginação, a inexatidão, e associadas ao logos, a razão, a sensatez, a exatidão, a verdade.

Mito, epopéia e História, entre os gregos

- Homero e a História:

“Homero não pretende, entretanto, fazer um relato da Guerra de Tróia como tal: a ira de Aquiles é um incidente isolado no décimo ano de guerra, e a volta de Odisseu ao lar, em Ítaca, não oferece senão relances do mundo grego como um todo nas décadas que se seguiram.” (PEMBROKE, p.338)

- Heródoto e a História:

“Com Heródoto, um passo decisivo foi dado, quando, depois de ensaiar resumidamente um chamado relato ‘persa’ das origens do conflito entre gregos e bárbaros - relato esse que fazia as Guerras persas do século V remontarem diretamente ao rapto de Ío, Europa e Helena - ele rejeita isso em favor de um espaço histórico onde não há predecessores anteriores ao rei da Lídia, que deu início à agressão contra os gregos, na primeira metade do século VI a.C. Foi essa confirmação de descontinuidade entre mito e história que tornou possível a investigação histórica no sentido atual.” (PEMBROKE, p.338)

Fonte: PEMBROKE, S.G. Mito. In: FINLEY, M (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação. Brasília: UnB, 1998. p.335-358.