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TEORIA DA HISTÓRIA |
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Excertos de uma
das seis conferências proferidas por Arnaldo Momigliano
em Berkeley, entre 1961 e 1962: Sobre a historiografia persa “[...] O fato de termos a maior parte de
nossa informação sobre os antigos persas a partir de fontes gregas, não
significa que os persas confiassem aos estrangeiros o registro de suas
próprias atividades. Eles tinham sua própria historiografia, seja em persa,
seja As crônicas
persas, no entanto, desapareceram muito cedo. Tanto quanto sabemos, as
Crônicas dos reis sassânidas, mencionadas pelo
bizantino Agatias no século 6º. d.C., não estavam de
modo algum ligadas às Crônicas dos reis aquemênidas.
Como já foi observado há algum tempo por Th. Nöldeke, um dos traços marcantes da renascença persa ao
tempo dos sassânidas é que eles não sabiam quase nada a respeito dos aquemênidas. A tradição histórica e
política dos aquemênidas tinha naufragado
muito antes da revolução do século 3º. d.C. que pretendia restaurar os
valores nacionais persas. O Avesta não menciona nem
Dario e nem Xerxes. Quando Firdausi
escreveu o Shanameh no século 10º.,
a ruptura com o passado aquemênida já estava
completa por mais de mil anos.” Fonte: MOMIGLIANO, Arnaldo. As
raízes clássicas da historiografia moderna. Trad.
Maria Beatriz Borba Florenzano. Bauru (SP): EDUSC, 2004. p.22-24. |
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Sobre a historiografia dos hebreus “Em uma época
anterior, os historiadores hebreus selecionavam períodos especiais para
relatar em seus livros: conhecemos, por exemplo, a crônica do reino de
Salomão (I Reis II, 41). Mas o que temos na Bíblia é uma história contínua
das origens do mundo. Se aderirmos à teoria que o assim chamado Jeovista compilou o primeiro rascunho desta história
contínua, chegaremos até o século 10º. ou 9º. a.C.
Isto não significa que os homens que reuniram os livros históricos da Bíblia
– assim como os temos – não tivessem um critério de seleção. A seleção
fundamentava-se em uma linha privilegiada de eventos que mostrava a relação
especial que Jeová mantinha com Israel. Assim, para o historiador hebreu, a
historiografia logo se tornou uma narração de eventos a partir do início do
mundo, de uma forma que nenhum historiador grego jamais concebeu. Os
critérios de confiabilidade eram também completamente diferentes. Os judeus
estiveram sempre demasiadamente preocupados com a verdade. O deus hebreu é um
deus da verdade. Nenhum deus grego, até onde sei, é chamado de alethinós, verdadeiro. Se deus é verdade, seus seguidores
têm a obrigação de preservar um registro verdadeiro dos acontecimentos em que
deus manifestou sua presença. Cada geração é obrigada a transmitir um relato
verdadeiro do que aconteceu para a geração seguinte. A lembrança do passado é
uma obrigação religiosa do judeu que era desconhecida para o gregos.
Conseqüentemente, a confiabilidade em termos judeus coincide com a veracidade
dos transmissores e com a verdade última do deus em que se acreditam os
transmissores. Supunha-se que tal confiabilidade era também sustentada por
registros escritos de uma foram desconhecida das cidades gregas. Flávio Josefo orgulhava-se – não sem razão – que os judeus
tinham organizado melhor os registros públicos do que os gregos (Contra Apionte
I, 1 ss.) O que Josefo não percebeu é que os gregos tinham critérios
pelos quais julgavam os méritos relativos das várias versões, coisa que os
judeus não tinham. A própria existência de várias versões de um mesmo evento
era algo, tanto quanto eu me lembre, não percebido pelo historiador bíblico.
A diferença entre várias versões da Bíblia é uma aplicação moderna dos
métodos gregos aos estudos bíblicos. Na historiografia hebréia a memória
coletiva sobre os acontecimentos passados não poderia jamais ser verificada
por meio de critérios objetivos. Se sacerdotes forjassem registros –
lembremos que os sacerdotes foram sempre inclinados a falsificações piedosas
em todas as épocas - , o historiador hebreu não
possuía instrumentos críticos para descobrir essa falsificação. Como a historiografia moderna é uma historiografia crítica, ela é
naturalmente um produto grego e não judeu.” Fonte: MOMIGLIANO, Arnaldo. As
raízes clássicas da historiografia moderna. Trad.
Maria Beatriz Borba Florenzano. Bauru (SP): EDUSC, 2004. p.39-40. |
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Sobre o declínio do interesse pela
historiografia, entre os hebreus “[...] Por que perderam os judeus o interesse pela pesquisa histórica? A
realidade desta mudança não pode ser colocada O
desaparecimento do estado judeu não é uma explicação suficiente para o fim da
historiografia judia, ainda que tivesse contribuído para este acontecimento.
A historiografia judia já estava em uma situação crítica mesmo antes do final
do estado judeu, e não há qualquer lei da natureza que determine que a
historiografia deva terminar quando acabe a independência política. Os gregos
não perderam interesse pela História quando se tornaram súditos de Roma. A
historiografia armênia
sobreviveu à independência da Armênia; e a historiografia maronita
desenvolveu-se em condições de submissão política. A resposta que
podemos dar à pergunta que colocamos talvez tenha dois aspectos. Por um lado,
os judeus que vieram depois da Bíblia pensavam que este livro continha toda a
história que realmente importava: a supervalorização de um
certo tipo de história implicava em uma subvalorização
de todos os demais eventos. Por outro lado, todo o desenvolvimento do
judaísmo conduziu a algo que não era histórico, que era eterno, a Lei, a
Tora. [...] A familiarização cotidiana com o Eterno não
requer nem admite a explicação histórica.” Fonte: MOMIGLIANO, Arnaldo. As
raízes clássicas da historiografia moderna. Trad.
Maria Beatriz Borba Florenzano. Bauru (SP): EDUSC, 2004. p.43-44. |