Contemporânea

Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC
Criada em maio de 2001
Responsável pela criação e manutenção:
Profa: Janice Gonçalves


OBRAS LITERÁRIAS:
"Um dia na vida de Ivan Deníssovitch"

 

 

"A única coisa boa da sopa é que é quente. A de Chukhov tinha esfriado completamente. Mesmo assim, ele tomou tudo com o mesmo apetite. Mesmo que o barracão estivesse pegando fogo, a gente não deve nunca se apressar. Fora o sono, o homem dos campos de concentração só vive por sua conta dez minutos de manhã, no café, cinco no almoço e cinco no jantar.

A sopa não varia de um dia para o outro: tudo depende do legume armazenado para o inverno. O ano passado, era cenoura salgada, e de setembro a junho, a turma tinha tomado sopa de cenoura. Desta vez, a gente tem couve preta. A boa época para a barriga é junho: quando acabam os legumes, você tem cereais no lugar. O pior mês é julho: servem urtigas cozidas.

Apesar de que o peixe fosse só espinha com carne esmigalhada só na cabeça e no rabo por cozinharem demais, Chukhov raspava aquelas carcaças raquíticas, até não sobrar um pedacinho nem escama; depois, ele mastigava com todos os dentes, chupava até não sobrar nada e tornava a cuspir na mesa. Do peixe, qualquer um que fosse, ele não deixava nada: nem nadadeiras, nem rabo, nem sequer os olhos, pelo menos quando eles ainda estavam no lugar, já que, soltos no caldo, eles nadavam pelo prato e Chukhov não podia engolir aquelas bolotas. Até caçoavam dele por causa disso.

Ele tinha feito economia naquela manhã: como não tinha voltado para o barracão, não tinha pegado seu pão, e então estava almoçando sem ele. O pão dá para comer sozinho, depois, e isto te faz sentir ainda mais satisfeito.

O segundo prato era a kacha. Kacha de sorgo, endurecida numa pasta espessa que a colher separava por pedaços. Mas o pior não era só estar fria: o sorgo, mesmo quente, não tem gosto de nada e não mata a fome; parece um mato amarelo imitando o milho. Aquilo vem dos chineses, pelo que dizem. Mas é malandragem servir isso como kacha. Depois de cozido, ele fica por volta lá dos trezentos gramas, e vai comer! É pesado! Nada parecido com cereais de verdade, só finge que é...

Chukhov lambeu a colher, enfiou-a de novo na bota, pôs o boné e foi para a enfermaria.

O céu, de onde os faróis do campo tinham expulsado as estrelas, continuava preto do mesmo jeito, enquanto que os dois projetores continuavam a recortar o muro com seus jatos de luz. No começo, como era um campo considerado especial, precisava ver a quantidade de foguetes luminosos que a guarda tinha recebido. De tanto que eles atiravam, uns brancos, outros verdes e vermelhos, toda vez que uma lâmpada queimava, parecia até que a gente ainda estava no front. Depois, eles pararam. Talvez saísse muito caro."

(SOLJENITSIN, Alexander. Um dia na vida de Ivan Deníssovitch. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Siciliano, 1995. p.19-21).