Jean Pierre Vernant: Aspectos míticos da memória

 

TEORIA DA HISTÓRIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pontos para discussão e reflexão

[A partir de: VERNANT, Jean-Pierre. Aspectos míticos da memória. In: Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 107-131 ]

 

MNEMÓSINA: em grego, Mnemosýne, prende-se ao verbo mimnéskein, “lembra-se de”, donde Mnemósina é a personificação da Memória. Amada por Zeus, foi mãe de nove Musas (p.202). Filha de Urano e Gáia; faz parte da primeira geração divina (p.196). (BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol.1. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.)

 

Segundo Meyerson, “a memória, enquanto se distingue do hábito, representa a invenção difícil, a conquista progressiva pelo homem do seu passado individual, como a história constitui para o grupo social a conquista do seu passado coletivo” (p.107)

 

Em diversas sociedades, nas mais diversas épocas, o homem utilizou-se de técnicas de rememoração para conservar a memória. (p.107)

 

Deuses gregos: sentimentos, paixões, atitudes mentais, qualidades intelectuais, erros ou desvios de espírito. Forças sagradas que ultrapassam os homens (p.108)

 

Memória, rememoração, traço das civilizações de tradições puramente orais; mãe das Musas, as quais inspiram/revelam (trazer a luz/tirar da escuridão) “a verdade” aos Aedos (cegos, poetas, intérpretes) e as realidades que escapam ao olhar humano; estes, por sua vez, cantam e rememoram os grandes feitos dos grandes homens, heróis. Expressa os mitos, as condutas humanas a serem seguidas por determinada sociedade (identidade coletiva). “Ele [o poeta] conhece o passado porque tem o poder de estar presente no passado” (p. 109). Não é um homem comum.

 

Tradição grega passada e repassada de geração para geração através dos Aedos pela oralidade (e não pela escrita); recitação.

 

É a transmissão dessa tradição que permite aos grupos sociais decifrar o seu “passado”. Os catálogos que aparecem nos poemas épicos, com longas enumerações de pessoas, povos e localidades, constituem “os arquivos de uma sociedade sem escrita, arquivos puramente lendários, que não correspondem nem às exigências administrativas, nem a um desejo de glorificação real, nem a uma preocupação histórica” (p.111).

 

O que é relatado no mito concerne diretamente à sociedade que o narra; fundamental para a compreensão da sociedade onde ele existe, é criado.

 

A estrutura narrativa dos mitos é cíclica. Mas dentro da história, seu significado é frequentemente transformado. (Hall, Stuart. Pensando na diáspora: reflexões sobre a terra no exterior. In: Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representações da UNESCO no Brasil, 2003, p. 30.) O mito (re)atualiza constantemente a vida, a conduta humana.

 

O mito conta uma história sagrada, história “verdadeira” (mito de origem); ele relata acontecimentos ocorridos no tempo primordial (aparecimento do mundo, a gênese dos deuses, o nascimento da humanidade), o tempo fabuloso do princípio – ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2004.

 

O mito não procura situar os acontecimentos em um tempo; atemporal. Não há uma cronologia (“escravização” do tempo; ordenamento rigoroso), mas genealogias (p.112). Cada geração tem o seu próprio tempo (idéia de Raças, Eras, que serão notadas fortemente em Hesíodo – Teogonia).

 

“A rememoração do passado tem como contrapartida necessária o ‘esquecimento’ do tempo presente (tempo humano)”, em Hesíodo (p.114). Tempo humano simboliza o sofrimento, o envelhecimento, a degradação humana; tempo rejeitado.

 

Para Platão: Memória como fonte de saber, de conhecimento. “Mundo das Idéias”: abstração, lógico; outra dimensão. Fala de um equilíbrio entre alma, tempo e memória.

 

Para Aristóteles: Memória imperfeita, perigosa, passível de modificações e sujeita ao esquecimento.

 

“O tempo torna-se objeto de preocupações doutrinais e assume a forma de um problema quando um domínio da experiência temporal revela-se incompatível com a concepção antiga de um devir cíclico aplicando-se ao conjunto da realidade e regulando ao mesmo tempo os fatos temporários, a periodicidade das festas, a sucessão das gerações: o tempo cósmico, o tempo religioso, o tempo dos homens. Essa crise se produz no mundo grego, por volta do século VII, no momento em que se exprime, com o nascimento da poesia lírica (Hesíodo), uma nova imagem do homem. O abandono do ideal heróico, o advento de valores diretamente ligados à vida afetiva do indivíduo e submetidos a todas as vicissitudes da existência humana: prazeres, emoções, amor, beleza, juventude, têm por corolário (resultado, algo já comprovado) uma experiência do tempo que não se enquadra mais no modelo de um devir circular”. (p.124).

 

Período Homérico e de Hesíodo – Grécia Arcaica – aproximadamente entre os séculos VIII e VI a.C.

 

Os tempos homéricos vão de, aproximadamente, 1200 a 800 a.C. (Séculos XIII a IX).

Homero: imprecisão quanto ao local e à data de nascimento; literatura homérica organizada, provavelmente, entre os séculos VIII e VI a.C.; provável autor de A Ilíada e A Odisséia, que são epopéias que narram os grandes feitos dos grandes homens com base na realidade histórica; transcrição dos mitos para a narrativa histórica.

Hesíodo: contemporâneo de Homero. Século VIII a.C. – Beócia. Agricultor. Faz poesia lírica. Autor de Os trabalhos e os dias – reflexão sobre a posse de terra entre os Helenos, mais especificamente entre ele e seu irmão Perses - e Teogonia: a origem dos deuses, onde descreve as genealogias e separa o tempo em Raças, Eras, Idades: Idade do Ouro (deuses); da Prata (homem não tão puro; vai perdendo a sua pureza); do Bronze (guerreiros; desequilíbrio); dos Heróis (semi-deuses/grandes homens – Ilíada e Odisséia); do Ferro (vingança da fome, da miséria, da traição).

Aedos: poetas, cantores; lembrar do que se passou em outros tempos/eras; contar a epopéia do seu povo; inspirados pelas Musas (filhas da Memória); exercícios de rememoração; confraria dos Aedos.

Magos: práticas mágico-religiosas; exercícios mnemônicos (treinar o lembrar); migrar para fora do corpo e conhecer outras vidas; transmigração da alma; nível supremo de concentração; migrar para outros tempos e retornar com novos conhecimentos, melhor.

Adeptos da reencarnação das almas: pessoas poderiam purificar a alma, ao longo do tempo, e reencarnar em forma superior, melhor, semelhante aos deuses, ao divino; a cada reencarnação tentava-se olhar para os erros cometidos, superar as culpas para renascer, reencarnar de forma superior; Reis, Heróis; a morte não significa o fim, mas outra etapa, outra forma; depende do trabalho de rememoração; pode-se renascer de forma inferior.


Texto elaborado em março de 2007 por Larissa Cerezer, monitora da disciplina de Teoria da História I (Curso de História, Centro de Ciências da Educação, UDESC).