Contemporânea Página da disciplina de História Contemporânea da UDESC |
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"Quase dez anos mais moço do que Lenin, Lev Davidovitch Bronstein nasceu em 8 de novembro de 1879, na cidadezinha de Ianovka, perto de Elisavetgrad. A aldeia era de propriedade de um coronel que a ganhara de presente do czar, mas não havia conseguido cultivar aquela estepe imensa e desabitada. O governo czarista, na tentativa de povoar a região, dera terras também a judeus; os Bronstein vieram a [província de] Kherson de uma cidade judaica em Poltava para fugir do confinamento e das perseguições a que estavam sujeitos como judeus. O pai de Lev Davidovitch foi mais empreendedor do que costumavam ser esses judeus, os quais normalmente viravam pequenos comerciantes e formavam pequenas colônias rurais: comprou ou arrendou cerca de duzentos e sessenta hectares da propriedade do coronel Ianovski, foi morar na casa de barro e palha que o coronel construíra para seu próprio uso, plantou cereais e criou vacas, porcos e cavalos. Ao contrário do coronel, teve persistência, e com muito trabalho e economia conseguiu tornar-se um kulak - ou seja, um camponês rico. Tinha uma máquina a vapor de dez cavalos com a qual operava uma debulhadora e o único moinho de cereais da região. Vinham camponeses de longe que esperavam semanas para moer seus grãos, pagando ao dono do moinho dez por cento. Bronstein parou de vender para os comerciantes locais quando descobriu que poderia receber um preço melhor trabalhando com um agente intermediário em Nikolaiev e esperando que melhorasse a cotação de seu produto no mercado.(...) Como parte de sua política de combater as influências estrangeiras, Alexandre III tornou mais difícil a vida dos judeus, impondo-lhes novas restrições, de modo que, após sua coroação, o pai de Lev Davidovitch não pôde comprar mais terra, e o próprio Lev perdeu um ano de escola porque a quota de meninos judeus foi limitada a dez por cento. Não obstante, Bronstein sênior continuou aumentando sua propriedade através de subterfúgios, e Bronstein júnior sempre foi o primeiro de sua turma.(...) A escola que ele [Trotsky] freqüentava em Odessa não oferecia a última série; assim, foi concluir os estudos numa cidade chamada Nikolaiev, para ficar mais perto da família. Foi lá que, pela primeira vez - tinha ele dezesseis anos - , Lev Davidovitch fez amizade com populistas e marxistas conhecidos de um jardineiro cuja casinha, com um único cômodo, era um centro para estudantes radicais e ex-exilados que fazia circular publicações clandestinas.(...) O desenvolvimento industrial da Rússia estava se deslocando do norte para a Ucrânia. Em Nikolaiev havia agora duas grandes fábricas, com oito mil empregados. A grande greve dos operários da indústria têxtil em São Petersburgo, liderada por Lenin e pela Liga de Luta, ocorreu em 1896. Na primavera seguinte, Lev Davidovitch, agora com dezoito anos, acompanhado de um dos irmãos mais moços de Aleksandra Lvovna, resolveu organizar os trabalhadores locais. Entraram em contao com um eletricista que - como muitos operários russos daquela época que haviam adquirido uma especialização em mecânica - era de inteligência superior à média da população; batizaram sua organização de Sindicato dos Trabalhadores do Sul da Rússia, e começaram a distribuir panfletos ilegais que vinham do estrangeiro, via Odessa, e folhetos escritos em letra de imprensa pelo próprio Lev Davidovitch e copiados num hectógrafo, ao ritmo de meia página por hora. Essas atividades de agitação duraram um ano; a polícia pegou-os em janeiro de 1898. (...) Duzentas pessoas foram presas e a polícia tentou subjugá-las com espancamentos: um homem pulou do segundo andar da prisão e outro enlouqueceu. Lev Davidovitch passou três meses na solitária numa miserável prisão de província, sem roupas limpas, sem sabão, sem livros nem materiais para escrever, sem nenhuma oportunidade de exercitar-se e sem nenhuma companhia senão a de uma infinidade de piolhos.(...) Depois foi transferido para uma prisão moderna em Odessa, onde podia receber roupas e comida da família e comunicar-se com os outros prisioneiros. Sua irmã lhe trouxe a Bíblia em quatro línguas, e ele pôde estudar francês, alemão e italiano. Enquanto isso, os documentos dos agitadores haviam caído nas mãos da polícia: o velho zelador da casa do jardineiro, que recebera ordem de escondê-los, limitara-se a enterrá-los na neve; quando a neve derreteu, o pacote foi encontrado por um trabalhador que cortava a grama, o qual o entregou para o proprietário do terreno. Após dois anos de prisão, Lev Davidovitch recebeu a pena de quatro anos de exílio, passou mais seis meses em diversas prisões e depois foi transportado, juntamente com Aleksandra Lvovna, com quem se casara na prisão, para o rio Lena, na Sibéria, onde moraram em várias aldeias um pouco acima do Círculo Polar Ártico, a mais de 1.500 quilômetros a leste do rio Ienissei, onde Lenin e Martov haviam cumprido suas penas. (...) Lev Davidovitch fugiu em agosto de 1902 (...). Quando chegou na ferrovia siberiana, os amigos lhe entregaram uma mala cheia de roupas e um passaporte falso, que ele preencheu com o primeiro nome que lhe veio à cabeça - o nome do carceireiro-chefe da prisão de Odessa, Trotski. Saltou do trem em Samara, onde ficava a sede russa da organização fundada pela Iskra [nome do jornal dos social-democratas, cujo primeiro número circulou em dezembro de 1900], e tornou-se membro do grupo." Fonte: WILSON, Edmund. Rumo à estação Finlândia: escritores e atores da História. 12 reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.378-379, 381, 383-384, 386. |
Página atualizada em 14 de abril de 2003.
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