A CDU, preocupada com a situação social do concelho, defende activação das cláusulas de salvaguarda

 


Por proposta da CDU, discutiu-se na passada reunião de 4 de Março da Assembleia Municipal a situação social do Concelho de Ovar. Junto enviamos conteúdo da intervenção do representante da CDU naquele órgão autárquico, José Costa.


No seu programa eleitoral apresentado em 2001, a CDU alertou para o excessivo predomínio de empresas multinacionais no nosso concelho, num contexto económico de globalização capitalista, no qual o capital não olha a meios para garantir melhores lucros e maior exploração da mão de obra.

A situação hoje é extremamente grave. Os trabalhadores do nosso concelho são confrontados todos os dias com ameaças de toda a ordem, despedimentos, deslocalizações e encerramentos. O desemprego não pára de crescer, atingindo já quase três mil desempregados. A precariedade é hoje regra, quando devia ser a excepção. São já centenas os trabalhadores de grandes empresas deste concelho que trabalham à semana e ao mês através de empresas de trabalho temporário. São décadas de regressão social que nos transporta ao tempo das praças de jorna, onde os patrões se abasteciam de mão de obra como quem vai à feira comprar gado.

Na TOVARTEX, de Setembro a Dezembro do ano passado, saíram cerca de 100 trabalhadores. Este ano, foram já 25. Foram chamadas à secção de pessoal onde foram "convidadas" a rescindir amigavelmente, sob ameaça do despedimento colectivo. Agora fala-se em mais 30 novos despedimentos.

Na Universal Motors, situação já conhecida de todos, existem, neste momento, 96 trabalhadores. Destes, 58 estão suspensos e 38 estão na produção, que se encontra praticamente parada por falta de matérias-primas. Estão por pagar os meses de Janeiro e Fevereiro, bem como os subsídios de férias e de Natal. Esta é a realidade de 96 famílias.

Na YAZAKI, que continua a ser o maior empregador do concelho com mais de 1700 trabalhadores, a administração, depois de ter recebido cerca de 145 milhões de euros de apoios comunitários, já deixou bem claro que pretende despedir 500 trabalhadores por mútuo acordo ou por despedimento colectivo.

O panorama é desolador. É a tão apregoada globalização capitalista no seu melhor. O capital migra à procura de mais e melhor exploração e quem paga são os trabalhadores, tanto aqueles que trabalham em condições desumanas para as grandes multinacionais a troco de migalhas, como aqueles que ficam sem o seu emprego e o seu futuro ameaçado. Não admira por isso que os ricos sejam cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. A ainda dizem que a luta de classes acabou.

Não meus senhores! A luta de classes continua e continuará a ser o motor da história enquanto os 10% mais ricos do planeta continuarem a deter 80% da riqueza e a explorar de forma desenfreada a maioria da humanidade.

Entretanto, no início deste ano entraram em vigor as novas disposições da OMC que prevêem a liberalização total do mercado têxtil. Sem querer fazer o papel de arauto da desgraça, temo que a situação posso piorar ainda mais a curto e médio prazo. Não é só a concorrência dos produtos chineses, indianos ou paquistaneses. São as próprias empresas portuguesas (as maiores, obviamente, como foi o caso da MACONDE) a admitir deslocalizar as suas empresas em Ovar, para além da já referida TOVARTEX, são muitas as empresas do sector que poderão ser afectadas: LUSOTUFO, SICOR, CALIFA, FANAFEL, etc.

Senhores deputados, importa hoje, mais do que nunca, tomar medidas efectivas contra esta situação, sob pena de entrarmos numa recessão sem precedentes. Não basta só ir às empresas falar com as administrações e vir de lá com as mãos cheias de nada. Já agora, àqueles que se apressaram a ir à YAZAKI SALTANO, quando souberam que tínhamos agendado este ponto para discussão, eu pergunto: porque não faláram com os trabalhadores? Porque não falaram com as suas estruturas representativas? Pelo menos ficariam a conhecer o drama de viver de forma permanente sob a ameaça do desemprego. Porque existe a crise, ou porque a fábrica vai deslocalizar para Marrocos, ou porque a produção passou a ser feita num qualquer país do leste europeu.  Aí sim então poderiam perceber porque é que nós, comunistas, continuamos a lutar e não fazemos da palavra socialismo uma mera figura da retórica para dar uns retoques de esquerda.

Temos hoje uma nova maioria da Assembleia da República. Temos um ex-presidente da câmara de malas aviadas para Lisboa, que tem obrigação de conhecer toda esta realidade aqui anunciada. Não é mais possível ficarmos de braços cruzados a ver esta desgraça na esperança que seja o mercado a resolver esta situação. O futuro governo, com a pressão dos autarcas, que são aqueles que conhecem melhor os problemas, têm aqui uma oportunidade soberana para tomar medidas que salvem a nossa indústria. Em primeiro lugar, accionando a cláusula de salvaguarda, prevista no quadro da OMC, à semelhança do que já fez a Turquia. E em segundo lugar, como defende o PCP há décadas, que sejam postas em prática políticas de apoio efectivas à reconversão tecnológica das nossas empresas, para que as mesmas possam apostar em novos produtos de elevado valor acrescentado. Políticas de apoio dirigidas em especial às pequenas e médias empresas, que são aquelas que dominam a nossa região.

A deputada comunista Ilda Figueiredo apresentou por diversas vezes no parlamento Europeu relatórios alertando para o impacto socioeconómico de uma abertura total ao exterior do mercado têxtil e reclamando a definição urgente de um programa comunitário de apoio ao sector têxtil e vestuário em zonas desfavorecidas.

Bem sabemos que as autarquias têm um papel reduzido nestas matérias. Contudo, não podemos ficar indiferentes aos acontecimentos que ocorrem é nossa porta. O cenário não é animador. Importa por isso fazermos tudo o que estiver ao nosso alcance para alertar os nosso governantes para que esta situação tremenda que estamos a viver e reclamar outras políticas, políticas de esquerda destinadas a apoiar quem precisa de ser apoiado neste momento, e a evitar que situações destas se repitam de cada vez que o mercado se constipa. As eleições abriram um campo de esperança a milhões de portugueses. Cabe agora ao governo não defraudar estas elevadas expectativas.



Ovar, 4 de Março de 2005

JOSÉ COSTA,

representante da CDU na Assembleia Municipal de Ovar