VENDAVAL
Ó vento do norte,
tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando
por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval
mais vazio
Que o meu coração!
Indômita praia, que
a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna
sem fim,
Não são tão
deixados do alegre e do humano
Como a alma que há
em mim!
Mas dura planície,
praia atra em fereza,
Só têm a tristeza
que a gente lhes vê
E nisto que em mim é
vácuo e tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter
consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso,
iracundo,
Que rasgas os robles - teu
pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas
e a areia,
A alma que tenho pudesses
levar -
Fosse pr'onde fosse, pra
longe da idéia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva,
do vento,
Mar torvo do caos que parece
volver -
Porque é que não
entras no meu pensamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com
vida a consciência!
Horror de sentir a alma
sempre a pensar!
Arranca-me, é vento;
do chão da existência,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes
mais'scura,
Pelo caos furioso que crias
no mundo,
Dissolve em areia esta minha
amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidraças
dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm
razão,
Atira, já pária
desfeito dos ares,
O meu coração!
Meu coração
triste, meu coração ermo,
Tornado a substância
dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite
sem termo,
Do abismo e do nada!
Fernando Pessoa, 16-2-1920.
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