Não podemos negar que a base da economia dominante está
no individualismo, uma das qualidades fundamentais do homo oeconomicus.
A economia globalizada abre novas perspectivas de um lado, mas de outro
apresenta um modelo de desenvolvimento não-sustentável para
toda a humanidade e uma crescente distância entre os ricos e os pobres
em várias partes do mundo. Diante desse fenômeno, percebe-se
cada vez mais a exigência de uma profunda modificação
cultural, que possibilite um desenvolvimento distinto, também do
ponto de vista econômico.
Na EdC - Economia de Comunhão, pelo contrário, o modelo
do homem econômico é a pessoa em relação de
reciprocidade com os outros. A modificação profunda iniciada
pelo projeto de Economia de Comunhão é uma verdadeira reviravolta
antropológica de caráter não só econômico,
mas também cultural.
A EdC nasceu em maio de 1991, por iniciativa de Chiara Lubich, durante
uma viagem ao Brasil. O projeto começou em Vargem Grande Paulista
(SP). Alberto Ferrucci (1997), um dos principais articuladores dos empresários
da EdC, enfatiza que "o seu objetivo é oferecer, mesmo se em
forma embrionária, uma resposta ao drama de extrema pobreza das
populações que estão privadas dos direitos humanos
mais fundamentais. O projeto imediatamente encontrou uma resposta no Leste
europeu, suscitando esperança diante dos temores causados pelo ameaçador
capitalismo selvagem, após a falência do socialismo real.
Logo a EdC se espalhou em todos os continentes".
Segundo Motta (2001), com a nova proposta deveriam surgir empresas que
rendessem lucros e dividendos para colocá-los em comum. Estes lucros
seriam repartidos em três partes: uma para o incremento da empresa,
pois o reinvestimento é necessário para qualquer empreendimento,
seja para não se deteriorar, seja para se modernizar. O grande diferencial
no processo de gestão é que o empresário tem a explícita
intenção de criar novos postos de trabalho, para ajudar as
pessoas que estão desempregadas ou subempregadas; outra parte dos
lucros é para ajudar os que sofrem necessidades, pois na EdC os
pobres não são apenas destinatários da ajuda, mas
parte integrante do projeto. Em geral, tão logo ocorra melhora na
situação das pessoas beneficiadas pela EdC, são elas
mesmas que fazem questão de retribuir pela ajuda recebida, dando
a própria contribuição para o fundo de assistência
aos necessitados; e a última parte dos lucros são para desenvolver
estruturas de formação de homens e mulheres motivados pela
"cultura de partilha", pois só é possível
a realização da EdC se o modo de agir e de pensar dos indivíduos
estiver fundamentado em valores como a unidade, a partilha, a comunhão,
e no desejo de viver um mundo unido. Sem a nova mentalidade da cultura
da partilha não ocorre a comunhão de bens nem materiais nem
espirituais. Esses objetivos, animados por uma aspiração
de justiça, constituem um incentivo à produtividade dos trabalhadores
conscientes de trabalharem não só para o bem-estar próprio
ou da empresa, mas também por uma finalidade social de dimensões
mundiais.
O Brasil, berço da EdC, em sua experiência-piloto, tornou-se
conhecido em todos os outros países onde o movimento atua. De fato,
onde quer que seja apresentada a EdC, o Brasil torna-se conhecido, como
ponto de partida e atuação desse projeto reconhecidamente
atual e necessário. A EdC propõe uma expansão econômica
baseada no "empenho em crescer juntos" e não na luta para
prevalecer. Ela opera para estimular a passagem da economia e da sociedade
inteira de uma cultura consumista do "ter" à cultura evangélica
do "dar", que junto aos lucros, produz a liberdade do homem e
a sua plena realização.
Conforme Ferruci (1997), este novo modo de ação na economia
fez nascer um "sobressalto de consciência" psicológica
e moral. De uma práxis que reduz o agir econômico a mero relacionamento
material, apoiado sobre o egoísmo racional, passa-se a um crescimento
em humanidade justamente por intermédio do âmbito econômico,
liberando as energias mais profundas do homem. Os próprios destinatários
de uma parte dos lucros das empresas assumem um papel "dinâmico".
O ato de receber adquire um colorido que tem os tons do "dar".
Assim, é dedicada uma contribuição, em plena dignidade
e fraternidade, ao estímulo e ao funcionamento de um programa que
une dois mundos que há muito se ignoravam: economia e solidariedade.
Desse modo, surge a tentativa de descobrir a economia na sua sociabilidade
radical, como caminho privilegiado para reacender o social que se apagou
e, juntos, construir uma sociedade mais humana e solidária.
Hoje são, aproximadamente, 760 as empresas, de várias
dimensões que, no mundo, aderiram ao projeto. Na América
Latina, aproximadamente 200, das quais 80 no Brasil; na Europa, 300. Um
número discreto na América do Norte e na Ásia, especialmente
nas Filipinas, e algumas outras na África e na Austrália.
Muitas dessas empresas alcançaram uma elevação da
eficiência que lhes garantiu o sucesso num mercado altamente competitivo.
São 50 entre teses e monografias já concluídas
sobre a Economia de Comunhão, em diferentes universidades dos cinco
continentes. Outras 100 estão sendo preparadas. Faculdades na Europa,
Austrália, América Latina estão organizando seminários
e congressos para estudar o desenvolvimento deste novo paradigma para as
Ciências Sociais, o paradigma da unidade.
Em vários congressos internacionais de economia, o projeto foi
apresentado e ilustrado com experiências concretas da EdC, em especial
sobre a realidade brasileira. Em Lion, Lublin e Budapeste, o projeto foi
apresentado pela socióloga brasileira, Vera Araújo, que atualmente
integra o Centro de Estudos do Movimento, com sede em Roma.
Na EdC os empresários formulam estratégias, objetivos
e planos empresariais, levando em conta os critérios característicos
de uma gestão correta, envolvendo nesta atividade os diferentes
membros da empresa. No centro da empresa está a pessoa humana e
não o capital. Portanto, utiliza-se o máximo dos talentos
de todos os funcionários. A eles é favorecida a criatividade
e a possibilidade de assumir responsabilidades e de participar.
A empresa está empenhada em oferecer bens e serviços úteis,
de qualidade, a preços justos. Os membros da empresa se relacionam
de modo leal com os seus concorrentes. Desta forma, a empresa se enriquece
de um capital "imaterial" constituído de relacionamentos
de estima e de confiança com as empresas fornecedoras, com os clientes
e com a administração pública. São relacionamentos
que produzem um andamento econômico menos sujeito às variações
da situação de mercado.
Na EdC há uma grande preocupação com a ética
empresarial, pois a empresa paga os impostos e não as propinas,
presta atenção máxima para não poluir e mantém
relacionamentos eticamente corretos também nas relações
com os órgãos de controle, sindicatos e outras instituições.
A qualidade de vida e da produção também é
uma preocupação. Transformar a empresa numa verdadeira comunidade
é um dos principais objetivos dos empresários da EdC. É
dada uma atenção especial ao respeito pelas normas de segurança,
pelas condições ambientais e pela guarda da saúde
dos trabalhadores, considerada como medida base para o tipo de tarefa confiada
a eles, e pelo horário de trabalho.
As empresas que aderem à EdC, no intento de desenvolver também
relacionamentos econômicos reciprocamente úteis e produtivos,
utilizam os mais modernos meios de comunicação para interligarem-se
entre si em nível local e internacional. Sempre mais vai se concretizando
a participação internacional do capital, concessão
de créditos, transferência de tecnologias entre as empresas
de nações diferentes e até mesmo de diferentes continentes.
Mas a maior contribuição da EdC está na sua capacidade
de propor uma nova cultura econômica que vai muito além das
dimensões materiais; ela se liberta das distorções
da cultura dominante, que enfatiza o ter, e coloca no centro da sua atenção
o "florescimento humano" que o neoliberalismo parece já
ter esquecido. A EdC, portanto, restitui à economia o seu real objetivo,
que não é apenas o crescimento da atividade produtiva mas
a realização do ser humano em sua totalidade.
Paulo Cézar Ribeiro da Silva
Mestre em Gestão Pública e Empresarial pela Fundação
Getúlio Vargas
Professor da FABAVI e FACEV
Economista do BANDES