O PLANO REAL E A TEORIA ECONÔMICA
Ao ser implantado o plano Real se serviu de duas âncoras principais: as políticas monetária e cambial. A primeira foi usada pelo governo como instrumento de controle dos meios de pagamentos; a segunda trata do controle das relações comerciais entre o Brasil e o resto do mundo.
A política monetária influencia a economia graças ao estoque de moeda e à taxa de juros. A política cambial conta com duas importantes variáveis: a taxa de câmbio e o saldo da balança de pagamentos, que se compõe de três elementos: saldo da balança comercial, de serviços e de capital.
As altas taxas de juros impostas pelo governo estimulam a entrada de capital estrangeiro e mantêm o equilíbrio no volume de moeda em circulação, graças, basicamente, ao saldo deficitário da balança comercial. Num primeiro momento, a entrada de capital produz um excedente de moedas em circulação, que, por sua vez, aumenta a demanda em virtude do volume de oferta constante. Para que essa situação não chegue a desequilibrar a economia, majorando preços e alimentando a inflação, o governo estimula a poupança em detrimento do consumo, mediante elevação da taxa de juros.
A valorização do real em relação ao dólar, por sua vez, também estimula as importações e os investimentos de capital externo. As importações trazem tecnologia, redução de custos e participação de produtos internacionais de qualidade no mercado nacional. Para os consumidores, a competitividade favorece a multiplicidade de escolha, mais qualidade de produtos e mais estabilidade de preços. Para os investidores externos, a decisão de aplicar no mercado financeiro brasileiro deve levar em conta o diferencial entre as taxas de juros local e exterior bem como a expectativa de desvalorização do real em relação ao dólar. Daí a necessidade de manter estável a taxa de juros.
Diante disso, é até possível compreender a decisão do Brasil de se endividar para acumular reservas internacionais, que funcionam como fundo de garantia contra a instabilidade monetária e cambial, se bem que essas reservas tenham sido mantidas graças à sobrevalorização do dólar.
Ainda que os altos níveis de reservas internacionais da economia brasileira garantam um colchão de segurança para o plano de estabilização, é necessário implementar medidas de ajuste fiscal, que forcem o desempenho cada vez menos significativo da âncora cambial sobre o processo inflacionário.
São medidas imprescindíveis que, em situação de reservas abundantes, evitarão o sinistro e ressarcirão os brasileiros, caso a depreciação do câmbio se torne aguda. Reservas internacionais elevadas servem para o governo efetuar uma correção significativa na taxa de câmbio; jamais para substituir uma desvalorização cambial em caso de taxa muito sobrevalorizada. Segundo o Banco Mundial, a sobrevalorização do real frente ao dólar está em torno de 35 %. Mediante redução de carga tributária incidente sobre as exportações, espera-se que haja uma redução média de 6,9 % de seus custos, benefício que deverá atingir 39 % do total exportado, notadamente de produtos como soja, carnes, suco de laranja e alumínio.
Uma medida como essa corresponderia a uma desvalorização cambial não-declarada. Há economistas que acreditam ser este o momento ideal (1º trimestre de 97) para o governo reduzir a valorização cambial e incentivar, a curto prazo, o setor exportador e reequilibrar a balança comercial e acelerar a atividade econômica e a taxa de emprego. Contudo, há de se tomar muito cuidado com a desvalorização do câmbio a longo prazo; ela provocaria um impacto desastroso e proporcional à alta da inflação.
A desvalorização cambial não é, ao contrário do que muitos afirmam, a melhor solução para incentivar as exportações nacionais. Por dois motivos. O primeiro é que uma operação desse tipo pode ter consequências imprevisíveis, a exemplo do que ocorreu com o México em 1994. O segundo é que muitas emissões do governo são de títulos com cláusula cambial, onde uma queda do real frente ao dólar agiria como uma bomba sobre as contas públicas. Os exportadores afirmam que uma reforma tributária eficiente (a velha questão dos tributos em cascata), aliada às reformas fiscal e previdenciária, poderia funcionar tão bem ou até melhor que uma desvalorização. Seria uma segunda etapa da abertura econômica: depois de promover o incremento da tecnologia e dos custos com a concorrência externa aqui, seria a hora de promover condições ( leia-se diminuir os custos) para o produto nacional concorrer lá fora. Trata-se de uma função direta do governo, que muito tem feito no papel mas pouco na prática.
O preço da estabilização tem sido excessivamente alto; basta acompanhar as sérias dificuldades por que vêm passando as empresas para saldar seus empréstimos, financiar a produção e modernizar seus parques às custas das altas taxas de juros; a inadimplência aterroriza os bancos e a entrada facilitada de dólares à caça de remuneração sem igual tem provocado tamanha emissão de títulos públicos que o Banco Central já tem acumulada uma dívida de 249 milhões de reais (dez/96), potencializada pela alta taxa de juros.
Como será equacionado o déficit público ?
A resposta passa por correções nas políticas cambial e monetária, uma vez que os juros dessa política monetária, somados à inconsistência da política fiscal, são ingredientes virtualmente explosivos contra o Plano Real.
O REAL SEM A MÁSCARA
A partir de 13 de janeiro de 1999 o Brasil começa a viver uma nova fase. É a fase do Plano Real 2. Tudo porque o país centrou todo o sucesso do plano em cima da âncora cambial, aproveitando a situação de que a moeda nacional estava forte perante o dólar, o que mantinha a euforia de vários setores devido à estabilidade de preços, com uma inflação beirando a zero. Esse era um cenário artificial. Manter uma âncora cambial num momento de estabilidade da moeda significava que o país mantinha déficits na balança de pagamentos e principalmente na balança comercial.
Para dar sustentação a esse cenário, o país criou uma forte dependência dos fluxos de capitais. Uma abertura externa para as importações permitiu a invasão de preços bem competitivos, o que fez segurar os preços internos e acabou favorecendo a uma inflação baixa. Porém o cenário não foi corrigido, pois para mantê-lo seria necessário sustentar os fluxos de capitais do exterior para cobrir esses déficits de balanças.
Além disso, o Brasil continua tendo um cenário de déficits em todos os níveis de governo, que precisa ser combatido com seriedade. " O mundo vê uma economia pela sua credibilidade, pelo se u cenário de perspectivas favoráveis para investimentos. Se esse cenário se torna negativo por esses desequilíbrios, o fluxo de capital começa a reduzir ou a se anular perante a perspectiva de uma crise" (Odilomar Barcellos-UFES).
De outro lado, se a crise fiscal não for resolvida, o Brasil provalvemente ficará vulnerável porque o mercado externo não dará muita credibilidade às mudanças econômicas a que se propõe. "Os impactos dessa credibilidade vão depender muito da capacidade da economia de reagir a essas posições fiscais" (Roberto Penedo-UFES).
Quando a sustentação do câmbio não se tornou mais possível a partir de 13/01/99, com a redução no fluxo de capital se intensificaram os ataques especulativos em cima da moeda nacional, exatamente pela crise da credibilidade. O Plano Real deixou de ser centrado na âncora cambial, permitindo que o dólar ultrapassasse à barreira de R$ 2,00, partindo para a âncora monetária, centrada principalmente na alta dos juros. A repercussão com pressão em alguns preços foi da ordem de 40%. A taxa de juros elevada é uma medida que é até aceitano mundo todo, desde que seja transitória. Se perdurar por muito tempo, compromete as empresas, o setor público e também a poupança, porque ninguém terá mais dinheiro para poupar.
As possíveis saídas são até previsíveis, mas as atitudes são difíceis de serem tomadas.É preciso melhorar a balança de transações correntes, melhorar o desempenho exportador, diminuir as importações e mehlorar o desempenho fiscal dos estados. Trabalhando nesse esquema, é possível ter expectativas melhores.