Cap. 8
Enciclopédia Simpozio      Micro História da Filosofia.

I I PARTE

FILOSOFIA MEDIEVAL. 2216y230.

 

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA MEDIEVAL. 2216y230.

 
230. Introdução à Idade Média Ocidental. Geopoliticamente, a Idade Média diferenciou-se do período helênico-romano, porque enquanto este estava politicamente dividido apenas em Oriente e Ocidente, na nova época, não só Oriente e Ocidente acentuaram suas diferenças, como ainda apareceu um terceiro mundo, o do Islã, preponderantemente árabe e turco. Em vista da crescente liderança do Ocidente, a história é tratada a partir deste.

Depois da queda de Roma (476), que marca o início da Idade Média, a estabilidade das novas nações do Ocidente se recompõe sob a liderança dos francos.

Estabelecidos na Alemanha Ocidental e no Norte da França, com capital em Aachen, ou Aquisgrana (Aix-la-Chapelle), na região do Reno, dali se expandiram, conquistando e influenciando. Mesmo depois de dividido o Império Franco em França e Alemanha, estas duas nações se mantiveram-se significativas até hoje na história da Europa, com reflexos sobre a filosofia do Ocidente e depois do mundo.

Iniciava a história dos francos com a unificação das tribos, sob o rei Clovis, em 481. Convertendo-se logo ao cristianismo, este fato facilitou a transposição da cultura vigente para o seu povo. Em 732 Carlos Martel retém o avanço árabe, que já alcançava Poitiers.

A expressão política dos francos assume nova fase, com a dinastia carolíngia, que tem começo em 741, com Pepino o Breve. Este domina os lombardos que, saídos da Germânia, já se encontravam instalado desde 568 no norte da Itália, e oferece proteção ao Papa, a quem dá como quinhão político toda a região de Roma, inclusive Ravena (754); evidentemente os francos converteram os Estados Pontifícios em instrumento de sua política na península itálica, a qual ficou impedida por mil anos de se unificar.

O auge do poderio franco é alcançado por Carlos Magno, rei desde 768 e imperador do Sacro Império Romano do Ocidente, desde 800, quando assim o coroou o Papa. Conquistou a Lombardia, a Saxônia e a Hungria. É sucedido em 814 por Ludovico o Pio (814-840). Mesmo com a divisão definitiva do reino em 843 (tratado de Verdun) e pulverização da autoridade pelo feudalismo, que então se firma.

Quanto ao feudalismo, que marcou profundamente o Médio Evo, resultou do enfraquecimento da autoridade do rei ou imperador, em especial depois de Ludovico o Pio (813-840). A entrega aos Senhores das terras conquistadas os tornou hereditários e fortes. Recebiam provento destas terras, em troca de defender seus vassalos. Desenvolveu-se um regime social injusto, que marcou a Idade Média Cristã, porque tinha na base os servos. Sem propriedade, eram limitadas suas liberdades, ao ponto de terem de solicitar licença para casar. Nasceu assim o controle civil e religioso sobre o casamento em escala nunca havida antes.

A economia de subsistência, sem o mercantilismo, resultou em uma Europa relativamente pobre, situação em que sairá somente depois da melhoria da produção artesanal provocada pela burguesia e o consequente mercantilismo e navegação, com o final feliz das descobertas de novos caminhos marítimos e de outros continentes no final do século 15. Com a pobreza alimentando os feudais, não puderam as nações medievais conseguir senão relativa prosperidade cultural e científica.

231. Escola e Universidade na Idade Média ocidental. A prosperidade política e econômica dos francos resultou em uma redenção do ensino. Carlos Magno atraiu grandes mestres, que mandou vir da Itália, mas sobretudo da Inglaterra. Os contatos diplomáticos com os bizantinos e mesmo com os árabes, apesar das lutas em certas fases, foram outras tantas oportunidades de enriquecimento científico e cultural. A este tempo também acontecia uma Renascença em Constantinopla, ao mesmo tempo que se contatava com o Ocidente carolíngio.

O grande marco de transformação do ensino resultou das Capitulares de 787, pelas quais foram instituídas escolas em todo o país. No auge da Idade Média, na entrada do século 13, as escolas ganharão a forma de universidades, destacando-se de imediato as de Paris, Oxford e Bolonha. Institucionalmente havia Escolas catedrais, monacais e palatinas. Foram sobretudo as catedrais que se desenvolveram, para finalmente gerarem a universidade em futuro próximo.

  

232. Subserviência. As instituições de ensino eram, no decurso da Idade Média, controladas pela autoridade eclesiástica. Geralmente por uma figura denominada Chanceler. Em 1215, na Universidade de Paris, é proibida, pelo Legado do Papa, a leitura da Metafísica e da Física de Aristóteles. Pouco depois o papa Gregório IX rompeu mesmo a integridade dos textos, mandando extrair edições expurgadas de afirmações contrárias aos dogmas. A Inquisição, ao mesmo tempo civil e religiosa, se tornou cada vez mais rija, levando os hereges à fogueira, com morte mais cruel que a infligida a Jesus crucificado.
O servilismo prejudicou a filosofia medieval. Supunha-se mais ou menos que a inteligência grega já houvera alcançado tudo o que fora possível pela luz da razão. Dali a tendência para o simples e meticuloso dos textos do passado, ainda que com úteis e valiosas especulações. Tratou quase apenas de desenvolver o dogma com o auxílio da luz da razão.

Estacionam na Idade Média ocidental os estudos linguísticos, antropológicos, biológicos e experimentais em geral. A medicina encontrou obstáculos por ser combatida a dissecação dos corpos, ao ponto de excomunhão. Assim aconteceu que, em última instância, nem o saber religioso conseguiu evolução adequada. Dali porque a Idade Média, apesar dos seus méritos, passou à história, com fama de obscura, como um hiato de mil anos entre a fecundidade do mundo antigo e a prosperidade do moderno. A soma dos velhos povos com os novos era um potencial que não pôde revelar-se, e que somente aconteceria mais séculos mais tarde. Não obstante, muito de bom aconteceu na Idade Média, dada a potencialidade das novas nações.
 

 
233. Divide-se a filosofia escolástica medieval em três períodos:

I - Período de formação, do século 8 ao 12, ou tempo das escolas;
II - Período de apogeu, do século 13, ou do início das universidades;
III - Período de declínio, do século 14 ao 15, até a Renascença.
 
 

 


PRIMEIRO PERÍODO DA FILOSOFIA MEDIEVAL.


CAP. 7-o. ESCOLÁSTICA LATINA
DO PERÍODO DE FORMAÇÃO. 2216y234.


234. São poucos os nomes representativos dos primeiros quatro séculos da escolástica medieval. Este longo período de obscuridade é contudo de uma extraordinária gestação das novas nacionalidades que sucederam ao Império de Roma, depois da deposição de seu último titular Rômulo Augústulo em 476. As novas nacionalidades acabaram dando certo, e assim também progressivamente a sua filosofia. É possível reconhecer duas fases no período de formação da escolástica: fase da fundação, em que ocorrem os assim chamados primeiros escolásticos - Alduíno de York, João Escoto Erígena. Ainda que Boécio (vd) e Cassiodoro (vd) constem como primeiríssimos pensadores medievais, caracterizam-se ainda como patrísticos, junto com os quais são estudados. A Idade Média propriamente dita principia a desenvolver-se com os francos, sobretudo com Carlos Magno, o qual deu desenvolvimento às escolas.
A segunda fase é a em que ganhou campo a questão dos universais, a qual divide os filósofos em torno de um grave problema epistemológico, sem cuja solução é impossível filosofar com consistência.

É a segunda fase uma eflorescência direta da primeira, e por isso não deve acentuá-la como um tempo novo. Em vez disto, melhor é acentuar as diferenças doutrinárias em que se desdobra. Assim fazendo, a primeira fase é tratada globalmente, a segunda imediatamente subdividida em filósofos realistas, anti-realistas, e filósofos de outras e outras tendências, inclusive ecléticas.

  


ART. 1-o. PRIMEIROS FILÓSOFOS ESCOLÁSTICOS. 2216y235.


235. A importância de serem os primeiros escolásticos está com Alcuino, Rabano Mauro, Scoto Erigena, o maior, Pascasius Radberto, Fridegísio e outros menos destacados.

Alcuino de York (c. 735-804). Filósofo e teólogo inglês, considerado fundador da escolástica medieval, em função ao trabalho desenvolvido nas escolas do reino dos francos, ao tempo da Renascença Carolíngia. Um religioso atípico, não se sabendo se foi da ordem dos beneditinos, em cujo mosteiro estudou, foi apenas, diácono, não sacerdote. Diretor da escola episcopal de York. Foi em 780 à corte pontifícia, a serviço do novo bispo de York, quando cerca do ano 781, encontrou o então jovem rei Carlos Magno em Parma. Este acerta sua vinda para a corte em Aquisgrana (Aix-la-Chapelle, ou Aachen). De 785 a 790 dirigirá a escola da corte, com influência sobre as demais escolas do reino. Retornando à Inglaterra, vem 3 anos depois de novo à corte. Em 801 se transfere à França central, como abade do mosteiro de São Martinho de Tours, falecendo poucos anos depois. Mais um didata e um administrador do ensino, que um pensador profundo, foi simplesmente um transmissor do pensamento platônico-agostiniano dos seus antecessores patrísticos. Introduziu nas escolas o Trivium e o Quadrivium de Cassiodoro. Incluindo neste programa a dialética, foi esta influenciar a disputa escolástica medieval e a racionalização da teologia. 

Obras: Sobre a alma (De ratione animae), especificamente filosófico: Questões e respostas para as crianças, que é o primeiro catecismo conhecido e que caracteriza o ensino dogmático; comentários aos livros bíblicos; tratados morais sobre o vício e a virtude; sobre teologia; 4 vidas de santos; poesias; mais de 300 cartas, importantes para a história do tempo; textos sobre as artes liberais: gramática, ortografia, retórica (dialética).
 

  

236. Rabano Mauro (776-856). Teólogo e filósofo escolástico alemão, nascido em Mainá (Mogúncia). Ingressou na Abadia de Fulda, Hesse. A partir de 801 estudou artes em Tours, onde Alcuino lhe deu o sobrenome de Mauro. Lecionou em Fulda, de 822 a 842. Bispo de Mainá a partir de 847. Influenciou fortemente a organização das escolas e o ensino na Alemanha; neste particular foi o principal discípulo de Alcuino no trabalho de fundação da escolástica no Império de Carlos Magno.

Diretriz do seu pensamento é platônico-agostiniana, com muita dependência do pensamento fideista. Ainda que não chegasse a ser profundo, exerceu importante função didática, num tempo em o principal era reacender o fogo.

Obras: Sobre o universo, ou sobre a natureza das coisas e propriedades das palavras e do significado místico das coisas (De universo, seu de rerum natura et verborum proprietatibus et de mystica rerum significatione), como se vê pelo título, espécie de enciclopédia; Sobre a alma (De anima), especificamente filosófico; Da instituição do clero.

  

237. João Scoto Erígena (c. 800-870). Teólogo e filósofo mais notável do período da Renascença carolíngea, de origem escocesa, nascido, ao que presume, na Irlanda. Entretanto, pouco se sabe de sua vida, senão a de que foi um dos mais penetrantes inteligências do seu tempo. Em Paris foi mestre da escola palatina de Carlos o Calvo, rei a partir de 843. Sua influência acontecerá sobretudo no século 13 quando nele se apoiam as doutrinas de tendência panteísta, sendo então condenadas estas suas doutrinas em Paris, 1210 e em Roma, 1225, pelo papa Honório III.

Ainda que desenvolvido com originalidade, o sistema ideológico de Scoto Erígena obedece às linhas gerais do neoplatonismo. Estabelece a revelação como fato. Deus é transcendente ao máximo, de sorte a restar a seu respeito uma certa falta de conhecimento, por causa da inacessibilidade. De outra parte ocorre todavia uma certa identidade de tudo, resultando dali a aproximação ao panteísmo.

Obras: Divisão da natureza (De divisione naturae), em cujos cinco livros está representada a sequência de sua doutrina; Sobre a predestinação (De predestinatione), contra as doutrinas predestinacionistas então veiculadas por Gottschalk; e outros escritos, inclusive traduções do grego ao latim, de obras do Pseudo Dionísio Areopagita e de Gregório de Nissa.

  

238. Radberto Pascasius (século 9-o). Monge francês, n. em Corbie, dos fundadores da Renascença Carolíngia.

Foi o primeiro a escrever um tratado filosófico-teológico sobre a Eucaristia, - Do corpo e do sangue do Senhor (De corpore et sanguine Domini, ano 844)- ou seja, sobre a ceia sagrada dos cristãos. O tema envolve implicações filosóficas, que deram depois oportunidade à condenação de Descartes pela Igreja Católica. Declarou Radbert que a presença do Cristo no pão eucarístico é espiritual, isto é, o que aparece exteriormente aos sentidos é apenas uma figura do efetivo corpo real do referido Cristo, o qual seria percebido somente pela inteligência, que diretamente o intelige e nele crê. Este realismo moderado, que confere mais ou menos com o modo futuro de conceber a questão por Tomás de Aquino, já recebeu reparos ao tempo de Radbert, feitos por um outro monge, de nome Ratrame, que, cerca do ano 859, apresentou um tratado de igual nome ao de Radbert, advogando uma explicação mais simbolista para a presença real do corpo de Cristo, como depois também insistiria João Calvino.

  


ART. 2-o. ESCOLÁSTICOS REALISTAS EXAGERADOS. 2216y239.


239. Já adentrando a segunda fase da escolástica do primeiro período medieval, em consequência de um crescente florescimento do ensino, passam também a se multiplicar as escolas. Já não se trata apenas da filosofia agostiniana, mas de um outro problema, vindo de Platão, - o da objetividade das idéias universais, que os platônicas consideram expressar realidades, os outros apenas abstrações tomadas aos indivíduos singulares (apenas estes seriam reais), outros ainda dispensam das abstrações, tudo reduzindo a meros nomes mentais (nominalismo).

Com vistas a salvar a perfeita identidade entre o objeto expresso na mente e o objeto exterior, os realistas exagerados levaram esta identidade não só aos objetos singulares conhecidos, mas aos próprios universais, os quais seriam efetivamente coisas reais universais; portanto, o que a mente conhece como universal corresponde a algo também universal dentro dos objetos. Como já o afirmava Platão, o fizeram no primeiro período da filosofia medieval sobretudo Guilherme de Champeaux e os representantes da escola de Chartres. Depois de superada esta tendência, passou a denominar-se doctrina antiqua.

  

240. Gerbert de Aurillac (papa Silvestre II) (935-1003). Filósofo escolástico francês, nascido em Aurillac. Estudou na Espanha, ali obtendo o conhecimento da ciência árabe, a qual combinou com o trívio e o quadrívio. Dirigiu a escola episcopal de Reims, imprimindo-lhe direção científica. Em filosofia destacou sobretudo a lógica. Eleito também bispo de Reims, em 991, não foi ratificado pelo papa. Depois, sob a proteção do imperador Otão III, se tornou bispo de Ravena, Itália, e, em 999, papa. Foi um platônico-agostiniano, conforme aos de sua época. A importância histórica de Gerbert está em haver sido o elo de transição da ciência árabe para a Europa cristã, tendo tido na sequência principalmente seu aluno Fulbert de Chartres (+ 1092), fundador da Escola de Chartres. Na questão dos universais defendeu o realismo, como também Rémy d'Auxerre. Seus escritos estão reunidos em Padres latinos, de Migne (vol. 89), em que a lógica se encontra no opúsculo Do racional ...... (De rationali et rationi uti).

  

241. Odon de Tournay, ou de Cambray (_1113), defensor do realismo dos universais, ainda estendeu a doutrina para dizer que Deus não criou almas individuais, mas apenas os acidentes. Através destes almas se diferenciam em indivíduos. Assim sendo, encontrava também uma explicação para a transmissão do pecado original desde o primeiro homem, até aos indivíduos atuais, porquanto em todo o tempo uma só é a alma universal.

  

242. Guilherme de Champeaux (1070-1120), do qual restam fragmentos, mas principalmente notícias dos que combateram seu realismo exagerado. Cedeu depois ao realismo moderado. Teve, pois, assim dois sistemas: o primeiro foi uma teoria da identidade, em que os indivíduos diferenciam apenas pelos acidentes que assumem; o segundo foi a teoria da indiferença, que, embora admita a individualidade da substância dos indivíduos, ela se conserva indiferente a ser deste ou daquele.

243. Escola de Chartres. Pouco ao sul de Paris fundava em Chartres uma escola, 990, São Fulbert, que no século 12 passou a brilhar como centro de platonismo, com vistas especialmente ao realismo dos universais.
 

244. Cita-se primeiramente Bernardo de Chartres ( - c.1124). Teólogo e filósofo escolástico francês. Irmão de Teodorico de Chartres, ambos da então atuante Escola de Chartres. Ali instruiu, e de 1119 a 1124 exerceu a função de Chanceler da Escola, e morreu não muito depois. Insistindo sobre a leitura dos clássicos, é um dos introdutores dos estudos humanísticos na Idade Média.

De acordo com a orientação geral da Escola de Chartres, Bernardo era um platônico. Neste sentido nega a substancialidade dos indivíduos, atribuindo-a ao universal em si mesmo. Segundo observação de seu contemporâneo João de Salsbury, foi "o mais perfeito platônico do nosso século" (Perfectissimus inter platonicos nostri). Todavia apreciou também a Aristóteles. De sua obra Sobre a exposição de Porfírio (De expositione Porphirii) resta uma citação feita pelo seu admirador João de Salisbury.

  

245. Thiery (ou Teodorico) de Chartres (_ 1155). Filósofo e teólogo escolástico francês. Irmão mais jovem de Bernardo de Chartres. Participou do Concílio de Soissons, 1121, como conselheiro do bispo de Chartres, quando foi condenado Abelardo. Lecionou na Escola de Chartres. Também lecionou um ano em Paris, 840-841, retornando para assumir como Chanceler da Escola de Chartres.

Como os demais de sua escola, seu horizonte foi platônico e agostiniano. Um realista em relação aos universais. Asseverou que Deus criou o mundo por bondade, e para que outros participassem de sua felicidade. Deus é a unidade, as outras criaturas são os números, - eis assertivas de caráter pitagórico e platônico.

Obras: Sobre os sete dias e a distinção das seis obras (De septem diebus et sex operum distinctionibus), comentário ao Gênesis; Sobre as sete artes liberais, também um comentário.

246. Gilbert de la Porrée, ou Gilberto Porretano, ou ainda Gilbertus Pictaviensis (c. 1076-1154). Teólogo e filósofo escolástico francês, da escola de Chartres, nascido em Poitiers. Estudou em Paris, onde teve como colega Pedro Abelardo, ao qual contrariará mais tarde. Mas, com ele e mais Anselmo, formam as principais figuras do pensamento filosófico do século 12. Estudou ainda em Alon e lecionou em Chartres. Aqui também foi chanceler. Lecionou um ano em Paris, para em 1142 ser designado bispo de Poitiers. Orientou-se pelo platonismo peculiar a escola de Chartres; o realismo dos universais já foi abrandado por ele. Mas a aplicação de tais doutrinas à Trindade divina lhe custou a condenação de algumas proposições pelo Concílio de Reims.

Obras: Livro dos seis princípios (Liber sex principiorum), escrito que o notabilizou e no qual comentou as últimas seis categorias de Aristóteles (ação, paixão, quando, onde, situação, hábito); e ainda comentários a diversos opúsculos de Boécio.

247. Outras e outras formas de realismo dos universais continuam a ocorrer cada vez mais brandas, configurando, portanto a transição para o realismo moderado. Na Inglaterra se destacou João de Salsbury (n. entre 1115 e 1120 e _ 1180), por último bispo de Chartres, citado melhor como realista moderado (vd...).

  

248. Guilherme de Conches (c.1080-1154). Teólogo e filósofo escolástico, francês, nascido em Conches. Estudou na escola catedral de Chartres, onde depois também passou a lecionar.

Seguindo a linha platônica agostiniana que sempre caracterizou a escola de Chartres, defendeu o realismo dos universais. Identificou o Espírito Santo cristão com a Alma do Mundo, esta um conceito da filosofia neoplatônica. Foi também um erudito em ciências naturais, havendo professado o atomismo.

Obras: Filosofia do mundo (Philosophia mundi), com características de enciclopédia; Dragmaticon philosophiae, diálogo sobre a natureza das substâncias; Doutrina sobre a moral dos filósofos (Moralium dogma philosophorum). Comentou Timeu de Platão, Consolação de Filosofia de Boécio, bem como obras de Macróbio, Marciano Capella, Prisciano.

  


ART. 3-o. ESCOLÁSTICOS PANTEÍSTAS. 2216y250.


250. Fora fácil passar do realismo dos universais ao panteísmo e monismo em geral. Uns o fizeram a partir de Platão, filósofo bem presente na primeira fase da filosofia escolástica, outros a partir de Aristóteles.

  

251. Amaury de Benes ( -1207). Filósofo escolástico francês. Originário da região de Chartres, ensinou em Paris, lógica e teologia. Depois de falecido, foram seus escritos condenados pelo Concílio reunido em Paris, em 1510, ao mesmo tempo que os escritos de David de Dinand. Ainda que o fato fizesse desaparecer sua obra, ficou na memória dos que a discutiram.

Num contexto que lhe vinha da escola realista platônica e agostiniana, defendeu um panteísmo substancialista, no qual Deus é concebido como imanente ao mundo. A matéria prima universal, completada pela forma, identifica-se com Deus; eis um panteísmo panenteista.

Em torno de sua doutrina se organizou a seita dos amauricianos, que se relaciona com a espiritualidade do reino do Espírito Santo, de Joaquim de Flora. No contexto da escatologia do Espírito Santo, então vigente, seu reino substituiria o de Jesus Cristo, como este houvera substituído o de Deus Pai.

  

252. David de Dinant (entre século 12 e 13). Filósofo belga. Pouco se sabe de sua biografia. Teve um benefício em Dinant, onde se supõe haver nascido. Esteve algum tempo na corte do prestigioso papa Inocêncio III, pelos anos de 1205. Não se sabe se teve ordens clericais. Seus escritos, juntamente com os de Almarico de Bène, foram condenados à fogueira, em 1510, porque considerados heréticos, por concílio reunido em Paris, e constituído, entre outros pelos bispos Pierre de Corbeil e Pierre Nemours. Seus livros foram proibidos em 1215, juntamente com os de João Escoto Erígena.

Defendeu, a partir de Aristóteles, um panteísmo materialista. A realidade é uma e imutável, sendo pura aparência a multiplicidade e mutabilidade dos indivíduos. A inteligência é o fundo comum dos pensamentos, e não há porque distingui-la de Deus e da matéria. David de Dinant, como tantos outros de tendência monista, continuou a ter simpatizantes através dos tempos, até hoje.

Obra: De tomis sive de divisionibus.

  


ART. 4-o. O NOMINALISMO. 2216y253.


253. O nominalismo é a contestação ao mesmo tempo do realismo dos universais reais dos platônicos e dos universais como idéias abstratas fundadas nas coisas concretas individuais, nos termos aristotélicos. As idéias são nada mais que nomes mentais para as coisas. Esta doutrina surge em todos os tempos e foi sempre uma advertência contra os exageros racionalistas. Na Idade Média foi Roscelino seu primeiro representante, ao se erguer contra os realistas platônicos como primeira voz contra os realistas platônicos. Mas terão predomínio os realistas moderados, tanto contra os realistas exagerados como contra os nominalistas que exageravam pelo outro lado. De qualquer maneira o nominalismo medieval é um episódio digno de nota, e que crescerá de importância a partir de Guilherme de Ockham, situado já no século catorze.

  

254. Roscelino de Compiégne (c. 1050-1120). Filósofo e escolástico francês, nascido na Bretagne. Cônego da catedral de Compiégne, norte em relação a Paris, onde havia então palácio carolíngio e uma escola, na qual lecionou. Condenado no concílio de Soisson, por causa de suas doutrinas sobre a Trindade, e proibido de lecionar, passou para a Normandia, então sob domínio inglês. Prosseguindo lá suas doutrinações, foi contestado por Anselmo, neste tempo abade de Bec, depois arcebispo de Canterbury, quando, em 1084, escreveu opúsculo sobre a questão controvertida. Interpretava Roscelino os textos sobre a Trindade das pessoas divinas como se fossem três deuses, o que comprometia a unidade da divindade.

Contestava também Roscelino, como já se adiantou, a objetividade dos conceitos universais. Não haveria, nem realidades universais, conforme o realismo exagerado platônico, defendido então por Guilherme de Champeaux, discípulo do mesmo Roscelino; nem haveria uma outra realidade qualquer, obtida por abstração ou mesmo por indução, então defendida pelo realismo inspirado em Aristóteles e generalizadamente defendido pelos escolásticos e por todos quantos defendem a lei natural. Os universais não passariam de nomes, isto é, de mero sopro de voz, havendo dito taxativamente "o universal é uma palavra, um sopro de boz" (universalis est vox, flatus vocis).

A doutrina de Roscelino terá continuidade em Guilherme de Ockham, conforme má se adiantou, e em outros empiristas modernos. Não restam escritos de Roscelino, senão as informações. No que se refere à Trindade a fonte principal é Anselmo. Sobre os universais a principal é Abelardo.


ART. 5-o. A FILOSOFIA DOS REALISTAS MODERADOS. 2216y255.


255. Depois do prestígio dos realistas platônicos e da reação nominalista de Roscelino, passa a crescer a moderação de centro, comandada principalmente por Pedro Abelardo, um dos mais significativos filósofos deste primeiro período da escolástica, completando um trabalho a que já haviam dado andamento Anselmo e outros mais. Esta nova posição não impedia que ditos escolásticos também fossem platônicos e agostinianos, como realistas.

A linha média que a solução do problema dos universais tomou é a mesma de Aristóteles, ainda que não bem conhecido neste tempo predominantemente agostiniano, isto é, platônico. Por isso, a linha média realista se consolidaria sobretudo no século 13, quando Tomás de Aquino equacionou toda a questão dos universais, ao mesmo tempo que se situando num aristotelismo pleno.

De outra parte, a filosofia escolástica em formação e desenvolvimento não se reduzia apenas a este problema, ainda que decisivo para os seus rumos. A importância dos problemas de base orientou a própria teologia para um racionalismo dialético, o que encontraria a reação dos antidialéticos, entre eles Pedro Damião (vd).

  

256. Santo Anselmo, Santo... , dito também Doctor Magnificus (1033-1109). Filósofo e teólogo escolástico, nascido em Aosta, Turim (Itália), todavia com ação na França e Inglaterra. Cedo se deslocou para a Normandia (França), onde, em 1060, resolveu ingressar no mosteiro de Bec. Dirige a escola do mosteiro. Em 1078 torna-se o Abade. Por último, em 1093, é nomeado arcebispo de Canterbury (ou Cantuária), Inglaterra. Por causa da luta das investiduras nos cargos eclesiásticos, que geraram desinteligências com o poder real, duas vezes teve de exilar-se passando alguns anos no Continente, ora na França, ora em Roma.

Quer como monge, quer como arcebispo, sempre cuidou dos estudos teológicos, ao mesmo tempo que buscava um caminho mais racional para os dogmas cristãos. Com ele cresceu a racionalização da teologia. A respeito do problema dos universais, contestou a solução nominalista de Roscelino, que reduzia tais conceitos a meras palavras. Também não acordava com os realistas, que faziam dos universais verdadeiras coisas, ao modo dos arquétipos de Platão, doutrina que se consolidaria na Escola de Chartres. Posicionou-se numa teoria da abstração similar a de Aristóteles, e que no contexto da escolástica se desenvolveria com Pedro Abelardo e Tomás de Aquino.

Tratou preferencialmente o tema de Deus. Introduziu a prova a priori de sua existência e que mais tarde Kant denominaria prova ontológica; mas, como Anselmo a apresentasse por primeiro, é denominada também pelo seu nome prova anselmiana. Consiste numa dialética em torno da perfeição. Deus, por definição, é um ser perfeito, acima do qual não pode haver outro ser mais perfeito. O ser, acima do qual não se pode conceber outro mais perfeito, não existe apenas na minha concepção; um ser realmente existente seria mais perfeito; portanto, o mais perfeito real, seria mais perfeito que o mais perfeito de minha concepção. Resulta que Deus existe necessariamente como um mais perfeito real. Tomás de Aquino rejeitou este argumento, alegando constituir-se em uma passagem indevida do lógico para o real. De novo aceito por Descartes, voltou a ser rejeitado por Kant.

Obras: Do grammatico (De grammatico), incluindo lógica e dialética; Da verdade (De veritate); Do livre arbítrio (De libero arbitrio); Monológio (Monologion); Proslógio (Proslogion), contendo o argumento apriorístico da existência de Deus; Da concórdia (De concordia), sobre a graça divina e a liberdade humana; Da fé da Trindade (De fide Trinitatis); Sobre a processão do Espírito Santo (De processione Spiritus Sancti). Ainda escreveu opúsculos morais e de espiritualidade, além de sermões, cartas, respostas polêmicas e comentários as Escrituras Sagradas.

  

257. Pedro Abelardo, ou Petrus Abelardus, em francês Pierre Abélard, ou Abaillard) (1079-1142). Filósofo e teólogo escolástico francês, nascido em Pallet (Pallatium), perto de Nantes, Bretagne. Estudou em Loches, 1091-1094, com o nominalista Roscelino, do qual discordou. Depois em Paris, com o realista platônico Guilherme de Champeaux, ao qual também contestou. Aos 23 anos Abelardo criou uma escola em Melun, onde então se encontrava a residência do rei. Transferiu a escola para Corbeil. Finalmente tornou-se professor em Paris. Eis um caso raro na Idade Média, pois era um leigo a se destacar na filosofia e teologia, geralmente dominada por eclesiásticos, sobretudo por religiosos professos. Passou a ser a figura mais brilhante do primeiro período da escolástica. Teve Abelardo grande aceitação por dos alunos, mas também o combate dos mestres de posição contrária. A esta contrariedade se juntou à do seu amor contrariado. Teve amores e casamento secreto com Heloísa, que fora sua aluna, e de quem tem um filho. Mas Heloísa era também a sobrinha do cônego Fulbert; seus comandados castram ao grande mestre, que, naquele ano de 1118, se retirou humilhado e se acolheu ao convento de Saint Denis. Mas os alunos o fazem retornar aos seus cursos, ainda que em outro local, em Nogent-sur-Seine. Induzida Heloísa a que fizesse votos de religiosa num convento, ela contudo manteve correspondência afetuosa com o festejado preceptor.

Abelardo, em vista de sua doutrinas racionalistas e contrárias a Trindade, foi em 1221 condenado pelo Concílio de Soissons. Desamparado, passou a uma vida perambulante, de que resulta finalmente seu livro História de minhas calamidades (c. 1136).

Tratou Abelardo particularmente da lógica e de questões morais. Contribuiu para o estudo em separado da filosofia e teologia, bem como para a racionalização desta. Na doutrina de Abelardo, à razão tudo cabe demonstrar. A teologia não seria mais que um prolongamento natural da filosofia.

Desenvolveu o método e advertiu para o pensamento crítico, pela insistência sobre o sim o não, ou seja, sobre o conhecimento das opiniões opostas. Neste particular foi um grande dialético. Melhorou os métodos didáticos, insistindo na apresentação das opiniões pró e contra. Seu livro Sic et Non coloca de uma parte e outra, as opiniões de autores, sobretudo dos Santos Padres. Influenciou os pensadores medievais seguintes, como é notório o procedimento adotado por Tomás de Aquino na Summa Theologica, que em todas as questões considera duas opiniões.

Na questão dos universais situou-se entre o nominalismo e o realismo exagerado; com concessões à ambas as partes, desenvolveu uma conceituação ;similar à da abstração, como a fizer; somente as coisas singulares são reais, ainda que estas obedeçam a uma necessidade universal. Se uma categoria superior, como substância, fosse real, deveríamos admitir nela a realidade de qualidades contraditórias, que se encontram em substâncias distintas.

Obras: Glosas menores (Introductiones parvulorum), texto de lógica anterior a 1120; Dialetica (Dialectica), uma lógica em três redações, contendo a primeira glosas e comentários a Porfírio, às Categorias, e ao Perihermeneias, de Aristóteles, a segunda redação apenas glosas a Porfírio, a terceira redação um tratado independente embora incompleto de lógica; Da unidade e trindade divina (De unitate et trinitate divina), com refutações a Roscelino; Teologia cristã (Theologia christiana), reelaboração da obra precedente, com revisão da parte condenada; Teologia (Theologia), também uma reelaboração dos livros anteriores: Sim e não (Sic et non), coletânea de opiniões opostas tomadas a autoridades; Etica, ou livro dito Conhece-te a ti mesmo (Ethica, seu liber dictum scito te ipsum); finalmente o mais conhecido História das minhas vicissitudes (Historia calamitatum mearum, cerca de 1136). Restam também cartas, reunidas em Cartas completas de Abelardo e Heloísa (Lettres complètes d'Abélard et d'Héloise, 1870, tradução ao francês).

  


ART. 6-o.ESCOLÁSTICOS MODERADOS,
DIALÉTICOS, INTRANSIGENTES. 2216y258.


258. No trânsito do período de formação para o do apogeu (século XIII) aconteceu o clima de separação entre filosofia e teologia, em que os mais racionais são denominados dialéticos, - como Abelardo, enquanto outros se mostram intransigentes, - como Pedro Damião e São Bernardo. Destaca também uma linha moderada eclética muito expressiva e que herdou de certo modo o espírito de Anselmo e Abelardo; é representada por João de Salsbury Allain de Lille, Pedro Lombardo, bem como pelos mestres da escola mística de São Victor

  

259. Allain de Lille (Alain de L'isle, no latim Alanus ab Insulis) (c.1120-1202). Filósofo e teólogo escolástico, francês, nascido em Lille. Discípulo de Bernardo Silvestre na Escola de Chartres. Professor em Paris, depois em Monpellier. Mais tarde se fez monge agostinho cisterciense, morrendo em Cister.

Por se haver dedicado também às ciências naturais, foi dado como alquimista: efetivamente em alguns dos seus livros se revelou um místico da natureza. Não obstante haver dado mais um passo na direção da filosofia da natureza e sido poeta, foi antes de tudo teólogo e metafísico. Presente ao terceiro Concílio de Latrão, em Roma, 1179, atacou aos hereges de seu tempo (cátaros, valdenses, judeus, maometanos). Opinou que a maior parte dos problemas da teologia e da ciência se resolvem pelo raciocínio dedutivo. As verdades da fé se apoiam não somente em razões divinas, mas também sobre razões humanas. A inspiração de seu pensamento é platônico-agostiniana. Foi um grande sistematizador.

Obras: Da fé católica contra os hereges (De fide catholica contra chaereticos), obra principal, similar a uma Suma teológica, visando principalmente aos cátaros, valdenses, judeus, maometanos: Máximas teológicas (Maximae theologicae), sem princípios da teologia, em que também cria o método axiomático em teologia; Dicionário de vocábulos teológicos (Distintiones dictionum theologicarum), com que contribui para a sistematização da teologia; Anticlaudiano (Anticlaudianus), sobre os limites da razão e semelhança do homem com a natureza, constituindo-se elementos que também ocorrem nos animais e plantas; Livro sobre o pranto (?) da natureza (Liber de planctu naturae), poético?; Arte de pregar (Ars praedicandi), que situa a pregação segundo 5 perguntas: o que? quem? a quem? porque? onde? (quid? quis? quibus? cur? ubi?).

  

260. João de Salisbury (c. 1120-1180). Teólogo e filósofo escolástico inglês, nascido em Old Sarum, ou Salisbury. Veio em 1136 para a França, onde estudou e permaneceu quase todo o tempo, como um dos representantes mais significativos da Escola de Chartres. Teve um posto de chancelaria do Papa entre 1147 e 1154, numa época em que também o para era uma chefe político, como soberano dos Estados Pontifícios. Algum tempo foi secretário do arcebispo de Cantebury, na Inglaterra. Nos últimos 4 anos foi bispo de Chartres.

Espírito aberto à inovação, examinou a filosofia e a teologia do seu tempo. Foi o primeiro historiador da filosofia na Idade Média. Aproximou-se do aristotelismo em penetração e deu ao problema dos universais uma solução moderada, como seu mestre Abelardo. Advogou a melhoria dos estudos. Envolvido nas questões políticas do seu tempo, advertiu que o príncipe deve respeitar as leis, sendo não só permitido resistir-lhe, como ainda é ação louvável matá-lo.

Escreveu: O inspirado, ou sobre a doutrina dos filósofos (Entheticus sive de dogmate philosophorum), poema sobre os principais sistemas; Metalógico (Metalogicus), defesa dos estudos ameaçados, especialmente da lógica; Policrático, ou sobre as bagatelas da corte e vestígios dos filósofos (Polycraticus, sive de nugis currialium et vestigiis philosophorum), uma crítica ao poder vigente e sobre a importância da filosofia no governo do Estado.

  

261. Pedro Lombardo (c.1100-1160). Escolástico italiano, n. em Lumello, Novarra, Lombardia, de onde o seu último nome. Estudou em Bolonha, com complementos na França, em Reims e em Paris, onde esteve sob a proteção de São Bernardo, que o havia recomendado aos victorinos. Obtendo em Paris uma cátedra de teologia, destacou-se na mesma pelos seus recursos didáticos. Participou do Concílio de Reims, que condenou doutrinas de Gilbert de la Porrée. Bispo de Paris em 1159, faleceu já no ano seguinte.

Tradicional e ortodoxo, eclético e moderado frente às opiniões de seu tempo, Pedro Lombardo teve o conjunto de suas teses aprovadas pelo Concílio de Latrão em 1215. Tornou a teologia notoriamente especulativa, facultando à escolástica um desenvolvimento racional. Por isso encontrou resistências por parte de alguns místicos, como de Gauthier de Saint Victor. Não obstante haver valorizado a teologia especulativa, fundada na razão, deu contudo mais importância ao argumento de autoridade, sobretudo de Santo Agostinho.

Doutrinariamente, Pedro Lombardo situou-se dentro de posições já estabelecidas, e que são de fundo neoplatônico e agostiniano. Seu mérito esteve na capacidade de compilador didático, havendo conseguido uma seleção adequada de textos, sobretudo patrísticos, combinada com uma boa definição das várias opiniões. As vezes simplesmente copia textos mais antigos, por exemplo de De fide ortodoxa, da autoria de João Damasceno, de Decretum Gratiani, cujos textos patrísticos foram reunidos por Graciano, de Summa sententiarum, atribuída a Hugo de São Victor.
 

Obras: Reduzem-se a 4 títulos gerais: Comentário aos Salmos davídicos (Commentarius en psalmos davidicos), longos, verso por verso; Coletânea sobre todas as Epístolas do apóstolo Paulo (Collectanea in omnes Pauli apostoli epistolas, escrito entre 1442 e 1443); Sermões (Sermones), também de inspiração bíblica; Quatro livros das sentenças (IV Libri Sententiarum), obra principal, concluído pela volta do ano 1150, que lhe conquistou o título de Magister Setentiarum (= Mestre das Sentenças).

Importante anotar que o Livro das sentenças, o escreveu Pedro Lombardo depois de conhecer a obra de João Damasceno, do qual tomou o modelo quadripartido, de caráter teológico e neoplatônico: Deus, criação, encarnação, sacramentos e fins (tudo começando em Deus e a ele retornando). Neste modelo passou a servir de texto e comentário nas escolas medievais, até o século 16, quando a Suma Teológica de Tomás de Aquino lhe foi tirando o lugar. O modelo também o poderia ter encontrado no neoplatônico Santo Agostinho (De doctrina christiana, L. I,c. 2). Também se modela metodologicamente sobre o Sic et non de Pedro Abelardo. O livro I divide o tema da unidade e trindade de Deus em 48 distinções. O livro II, em 44 distinções, sobre a criação, a graça e o pecado. O livro III, em 40 distinções, sobre a encarnação e redenção, virtudes e mandamentos. O livro IV, em 50 distinções, sobre os sacramentos e os novíssimos. O Livro das sentenças de Pedro Lombardo tem a forma de suma teológica, isto é, de um resumo sistemático.

Tradicional e ortodoxo, eclético e moderado frente às opiniões de seu tempo, Pedro Lombardo teve o conjunto de suas teses aprovadas pelo Concílio de Latrão, em 1215. Tornou a teologia notoriamente especulativa, facultando à escolástica um desenvolvimento racional. Por isso encontrou resistências por parte de alguns místico, como de Gauthier de Saint-Victor.

262. Intransigentes. A intransigência teológica dominou a Idade Média, havendo-se destacado neste campo, pelo seu saber, alguns nomes, já no período de formação da escolástica. Para alguns a filosofia é a "arte do diabo" (expressão de Gauthier de São Victor).

  

263. Pedro Damião (1007-1072), cardeal e depois declarado Doutor da Igreja, assumiu posição fideísta, bastante hostil aos procedimentos racionais da filosofia. Contesta o aproveitamento da filosofia na teologia. A não ser a filosofia da fé, toda a outra é "terrestre, animal, diabólica", diz em seu De sancta simplicitate. Ainda em Dominus vobiscum:

"Platão percruta os segredos da misteriosa natureza, fixa as órbitas dos planetas e calcula o curso dos astros; rejeito-o com desdém. Pitágoras divide em latitudes a esfera terrestre; faço pouco caso disto... Euclides se inclina sobre os problemas embrulhados de suas figuras geométricas; deixo-o igualmente. Quanto a todos os retóricos com seus silogismos e cavilações sofísticas, eu os desqualifico como indignos de tratar esta questão". 

 
264. Bernardo de Clairvaux (Bernardo de Claraval ou simplesmente São Bernardo) (c. 1190-1153). Teólogo escolástico, místico, francês, nascido em Fontaines-l s-Dijon. Ingressou no mosteiro de Citeaux (ou Cister), dos beneditinos da observância estrita (chamados também cistercienses). Mais tarde fundou a abadia de Cleryaux, por cujo nome é hoje chamado. Importante citar por causa de sua influência direta e indireta. Em 1953 foi declarado Doutor da Igreja.

Fez parte dos teólogos intransigentes, como antes dele foi Pedro Damião, contrários ao uso da dialética e da filosofia no estudo da teologia, conforme vinham então fazendo Santo Anselmo e sobretudo Pedro Abelardo. De outra parte, desenvolveu a mística da espiritualidade cristã. Destacou o homem como imagem e semelhança de Deus. Em função a este aspecto inicial do plano da criação, tratou da perda desta imagem, que deverá ser recuperada, reencaminhando-se o homem para o amor a Deus.

Obras: Tratado dos graus de humildade e soberba (Tractatus de gradibus humilitatis et superbiae); Livro do amor a Deus (Liber de deligendo Deo), bastante citado, como também o seguinte: Tratado da graça e do livre arbítrio (Tractatus de gratia et libero arbitrio).


 
265. O misticismo passa a crescer, como tudo o mais no florescimento generalizado que se dava nas novas gentes que passaram a dominar a Europa depois da queda do Império Romano, ao mesmo tempo que se passava a controlar a ameaça da conquista árabe.

A Escola de São Victor, nas imediações da então Paris, desenvolveu o misticismo com base no platonismo e augustinianismo. O movimento terá sucessores ao longo de toda a Idade Média, entrando pelos tempos modernos.

  

266 Hugo, ou Hughes de Saint Victor (c. 1096-1141). Místico, teólogo e filósofo escolástico, nascido em Saxe, vindo da nobreza alemã; mas não é impossível que fosse da Lorena ou mesmo de Flandres. Estudou primeiramente com os cônegos de Hamersleben, de Saxe; seguiu para o convento de São Vitor de Marselha e logo para o de São Vitor de Paris, onde Guilherme de Champeaux, agostiniano, houvera fundado uma escola. Mestre em 1125, diretor em 1133.

Ainda que morresse precocemente, deixou uma obra considerável, na qual buscou a sistematização orgânica dos diferentes setores do conhecimento. Classificou as ciências em 4 classes: teóricas, práticas, mecânicas, lógicas. A certeza de nossa existência forma a base da evidência racional, eis onde se mostrou agostiniano e prenunciou Descartes. Foi também um místico, havendo influenciado aos demais místicos medievais, especialmente Boaventura.

Obras: Sobre os sacramentos da fé cristã (De sacramentis christianae fidei), espécie de suma teológica, cuja primeira parte se ocupa da criação e Deus, do homem e de sua queda; Instrução escolar (Eruditio didascalica), introdução geral as ciências e as sagradas escrituras; além de opúsculos sobre espiritualidade, virtudes e vícios. Descoberta a imprensa, foram seus livros logo editados e reeditados.


267. Depois atuará Ricardo de Saint Victor até 1173. Escreveu Da graçada contemplação (De gratia contemplationis) e Da Trindade (De Trinitate). Ocupa-se da contemplação divina, com base no sobrenatural, todavia não sem um longo embasamento filosófico. "Suspeita é para mim toda a verdade que a autoridade da Escritura não confirma", declarou. Encontram-se contudo os místicos de Saint Victor na mesma linha de Abelardo, a cujo realismo moderado aderiram. Escreveu Sobre os Sacramentos (De Sacramentis), uma espécie de suma teológica.

Gautier ou Gualter de Saint Victor, já citado, é o místico que acreditou ser a filosofia a "arte do Diabo" (vd n 199).

268. Encerra-se o período de formação da Escolástica, com um florescimento súbito maior, porque novas causas passaram a atuar: Aristóteles, já conhecido em parte através de Boécio, é agora complementado pelos contatos com os eruditos árabes; fundam-se as universidades, com base nas escolas preexistentes; criam-se novas ordens religiosas, - dominicanos e franciscanos, também com a experiência das preexistentes. Tudo foi mudando, desaparecendo o passado em troca de um novo tempo mental.


Cap. 6