Descartes, René (1596-1650) Matemático francês e pai da filosofia moderna. Descartes nasceu em La Haye, perto de Tours, e estudou no novo colégio jesuíta de La Flèche, antes de estudar direito em Poitiers. Em 1618, alistou-se, à sua própria custa, no exército holandês de Maurício de Nassau, para assim poder ter tempo para pensar. Diz-se que seu interesse pela metodologia de uma ciência unificada foi estimulado por um sonho que teria tido "num quarto aquecido" de Ulm, quando cumpria serviço no exército em 1619. Pouco se sabe de sua vida privada, a não ser que a morte em 1640 da sua filha ilegítima Francine, com cinco anos de idade, foi para ele um golpe devastador. Sua primeira obra, as Regulae ad directionem ingenii (1628/29), nunca foi concluída. Na Holanda, entre 1628 e 1649, Descartes escreveu Le Monde (1634), que depois prudentemente impediu a publicação e, em 1637, produziu o "Discurso do método", como prefácio ao tratado sobre matemática e física no qual introduziu a noção de coordenadas cartesianas. Sua obra filosófica mais conhecida, as Meditaiones de prima philosophia (Meditações sobre a filosofia primeira), juntamente com objeções de contemporâneos ilustres e as respectivas respostas de Descartes (as Objeções e Respostas), apareceram em 1641. Os autores das objeções são: do primeiro conjunto, o téologo holandês Johan de Kater; do segundo, Mersene; do terceiro, Hobbes; do quarto, Arnauld; do quinto, Gassendi; e do sexto conjunto, Mersene. A segunda edição (1642) das Meditações incluía um sétimo conjunto pelo jesuíta Pierre Bourdin. A penúltima obra de Descartes, Principia philosophiae (Princípios da filosofia) de 1644, foi concebida parcialmente para se utilizada como manual de teologia. Sua última obra foi Les Passions de l'âme (As paixões da alma), publicada em 1649. Nesse ano, Descarte visitou a corte de Cristina da Suécia, onde contraiu pneumonia supostamente por ter sido obrigado a quebrar seu velho hábito de se levantar tarde para dar lições às cinco da manhã. Parece que suas últimas palavras foram "Ça, mon âme, il faut partir" ("Eis, minha alma, que é tempo de partir").
A teoria do conhecimento de Descartes começa com a busca pela certeza, por um ponto de partida ou fundamento indubitável, sem cuja base o progresso não seria possível. Descartes acabou por encontrar este ponto de partida no célebre "Cogito ergo sum: Penso, logo existo". Ao localizar a certeza na minha própria consciência de mim, Descartes introduz um tom de primeira pessoa na teoria do conhecimento que dominou os séculos seguintes, apesar de vários contra-ataques a favor de pontos de partir sociais e públicos. O famoso dualismo cartesiano é a metafísica associada a esta prioridade, que consiste na separação da mente e da matéria em duas substâncias diferentes mas em interação. Descartes vê de forma rigorosa e correta que é preciso haver uma dispensação divina para assegurar a existência de quaisquer relações entre os dois domínios divididos, e, para provar que os sentidos são fidedignos, invoca uma "percepção clara e distinta" de demonstrações altamente duvidosas da existência de uma divindade benevolente. Mas isso não foi aceito por todos os filósofos: tal como Hume comenta friamente, "recorrer à veracidade do Ser supremo para provar a veracidade dos nossos sentidos é fazer, sem dúvida, um circuito bastante inesperado".
Já no tempo de Descartes se reconhecia que sua concepção de mente como uma substância inteiramente separada da matéria levantava problemas insolúveis acerca da natureza da relação causal entre as duas. Esta separação também suscita o problema, em seus róprios termos insolúvel, das outras mentes. A célebre recusa de Descartes em aceitar que os animais são conscientes ilustra muito bem a questão. Na sua concepção de matéria, Descartes também dá preferência à cogitação racional, em detrimento de qualquer dados dos sentidos. Uma vez que podemos conceber que a matéria de um pedaço de cera sobreviva às mudanças das suas qualidades sensíveis, a matéria não é um conceito empírico, acabando antes por seu um conceito inteiramente geométrico, sendo a extensão e o movimento a sua única natureza física. Esse aspecto do pensamento de Descartes reflete-se na idéia de Leibniz, mais tarde defendida por Russell, de que as qualidades da experiência sensível não têm qualquer semelhança com as qualidades das coisas, de maneira que o conhecimento do mundo exterior é essencialmente um conhecimento de estruturas, e não do que preenche essas estruturas. É sobre esta base que Descartes erige uma física notável. Uma vez que a matéria é, na verdade, o mesmo que a extensão, não pode existir espaço vazio; não havendo espaço vazio, o movimento não consiste na ocupação de um espaço previamente vazio, devendo antes ser concebido em termos de vórtices (como o movimento de um líquido).
Apesar de a estrutura da epistemologia, da teoria da mente e da matéria de Descartes ter sido várias vezes rejeitada, sua exposição implacável dos tópicos mais difíceis, juntamente com sua clareza exemplar e até sua plausibilidade inicial, contribuem para fazer dele o ponto de referência central da filosofia moderna.