René Descartes, nascido em 1596 em La Haye -
não a cidade dos Países-Baixos, mas um povoado da Touraine, numa família
nobre - terá o título de
senhor de Perron, pequeno domínio do Poitou, daí o aposto "fidalgo
poitevino".
De 1604 a 1614, estuda no colégio jesuíta de La Flèche.
Aí gozará de um regime de privilégio, pois levanta-se quando quer, o que o
leva a adquirir um hábito que o acompanhará por toda sua vida: meditar no próprio
leito. Apesar de apreciado por seus professores, ele se declara, no
"Discurso sobre o Método", decepcionado com o ensino que lhe foi
ministrado: a filosofia escolástica não conduz a nenhuma verdade indiscutível,
"Não encontramos aí nenhuma coisa sobre a qual não se dispute". Só
as matemáticas demonstram o que afirmam: "As matemáticas agradavam-me
sobretudo por causa da certeza e da evidência de seus raciocínios". Mas
as matemáticas são uma exceção, uma vez que ainda não se tentou aplicar seu
rigoroso método a outros domínios. Eis por que o jovem Descartes, decepcionado
com a escola, parte à procura de novas fontes de conhecimento, a saber, longe
dos livros e dos regentes de colégio, a experiência da vida e a reflexão
pessoal: "Assim que a idade me
permitiu sair da sujeição a meus preceptores, abandonei inteiramente o estudo
das letras; e resolvendo não procurar outra ciência que aquela que poderia ser
encontrada em mim mesmo ou no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha
juventude em viajar, em ver cortes e exércitos, conviver com pessoas de
diversos temperamentos e condições".
Após alguns meses de elegante lazer com sua família
em Rennes, onde se ocupa com equitação e esgrima (chega mesmo a redigir um
tratado de esgrima, hoje perdido), vamos encontrá-lo na Holanda engajado no exército
do príncipe Maurício de Nassau. Mas é um estranho oficial que recusa qualquer
soldo, que mantém seus equipamentos e suas despesas e que se declara menos um "ator"
do que um "espectador": antes ouvinte numa escola de guerra do
que verdadeiro militar. Na Holanda, ocupa-se sobretudo com matemática, ao lado
de Isaac Beeckman. É dessa época (tem cerca de 23 anos) que data sua
misteriosa divisa "Larvatus prodeo". Eu caminho mascarado.
Segundo Pierre Frederix, Descartes quer apenas significar que é um jovem sábio
disfarçado de soldado.
Em 1619, ei-lo a serviço do Duque de Baviera. Em
virtude do inverno, aquartela-se às margens do Danúbio. Podemos facilmente
imaginá-lo alojado "numa estufa", isto é, num quarto bem aquecido
por um desses fogareiros de porcelana cujo uso começa a se difundir, servido
por um criado e inteiramente entregue à meditação. A 10 de novembro de 1619,
sonhos maravilhosos advertem que está destinado a unificar todos os
conhecimentos humanos por meio de uma "ciência admirável" da qual
será o inventor. Mas ele aguardará até 1628 para escrever um pequeno livro em
latim, as "Regras para a direção
do espírito" (Regulae ad directionem
ingenii). A idéia fundamental que aí se encontra é a de que a unidade do
espírito humano (qualquer que seja a diversidade dos objetos da pesquisa) deve
permitir a invenção de um método universal. Em seguida, Descartes prepara uma
obra de física, o Tratado do Mundo,
a cuja publicação ele renuncia visto que em 1633 toma conhecimento da condenação
de Galileu.
É certo que ele nada tem a temer da Inquisição. Entre 1629 e 1649, ele vive
na Holanda, país protestante. Mas Descartes, de um lado é católico sincero
(embora pouco devoto), de outro, ele antes de tudo quer fugir às querelas e
preservar a própria paz.
Finalmente, em 1637, ele se decide a publicar três
pequenos resumos de sua obra científica: A
Dióptrica, Os
Meteoros e A
Geometria. Esses resumos, que quase não são
lidos atualmente, são acompanhados por um prefácio e esse prefácio foi que se
tornou famoso: é o Discurso sobre
o Método. Ele faz ver que o seu método,
inspirado nas matemáticas, é capaz de provar rigorosamente a existência de
Deus e o primado da alma sobre o corpo. Desse modo, ele quer preparar os espíritos
para, um dia, aceitarem todas as conseqüências do método -
inclusive o movimento da Terra em torno do Sol! Isto não quer dizer que a metafísica
seja, para Descartes, um simples acessório. Muito pelo contrário! Em 1641,
aparecem as Meditações Metafísicas,
sua obra-prima, acompanhadas de respostas às objeções. Em 1644, ele publica
uma espécie de manual cartesiano. Os
Princípios de Filosofia, dedicado à princesa
palatina Elisabeth, de quem ele é, em certo sentido, o diretor de consciência
e com quem troca importante correspondência. Em 1644, por ocasião da rápida
viagem a Paris, Descartes encontra o embaixador da frança junto à corte sueca,
Chanut, que o põe em contato com a rainha Cristina.
Esta última chama Descartes para junto de si. Após
muitas tergiversações, o filósofo, não antes de encarregar seu editor de
imprimir, para antes do outono, seu Tratado
das Paixões -
embarca para Amsterdã e chega a Estocolmo em outubro de 1649. É ao surgir da
aurora (5 da manhã!) que ele dá lições de filosofia cartesiana à sua real
discípula. Descartes, que sofre atrozmente com o frio, logo se arrepende, ele
que "nasceu nos jardins da Touraine", de ter vindo "viver no país
dos ursos, entre rochedos e geleiras". Mas é demasiado tarde. Contrai uma
pneumonia e se recusa a ingerir as drogas dos charlatões e a sofrer sangrias
sistemáticas ("Poupai o sangue francês, senhores"), morrendo
a 9 de fevereiro de 1650. Seu ataúde, alguns anos mais tarde, será
transportado para a França. Luís XIV proibirá os funerais solenes e o elogio
público do defunto: desde 1662 a Igreja Católica Romana, à qual ele parece
Ter-se submetido sempre e com humildade, colocará todas as suas obras no Index.