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L. Leite
O nu e o cru (elegia a 11 de setembro)
9/9/02
Tenho os olhos rasos d'água
e o coração partido
Pelos duzentos mil mortos calcinados
em Hiroshima e Nagazaki
E eles riram de satisfação
Tenho o coração partido e os olhos rasos d'água
Pelos seiscentos mil comunistas trucidados
Pelo carniceiro Suharto
E eles riram de satisfação
Tenho o coração partido e os olhos rasos d'água
Pelos vinte milhões de soviéticos mortos insepultos
Pelas feras de Hitler
E eles riram de satisfação
Tenho o coração a sangrar
pelos camaradas chilenos torturados
até o último suspiro
E eles riram de satisfação...
Tenho o corpo e a memória edemaciados
pelas torturas sofridas à época dos generais
Vislumbrando de uma masmorra escura o derradeiro suspiro
De camaradas aflitos, mortos sem sepultura
Não houve o último olhar, nem as últimas mensagens
dos iugoslavos vítimas de
bombas de grafite
lançadas de milhares de quilômetros de distância
E eles riram de satisfação
Tenho os olhos turvos de torpor
pelos combatentes das FARC que têm seus
membros amputados à motoserra
e atirados aos crocodilos nas florestas colombianas
E eles riem de satisfação
E riram mais ainda
ante a sombra dos mutilados de Angola e dos meninos
palestinos enfrentando com estilingue os tanques e
mísseis modernos de Israel
Os chinesinhos contaminados pelas
bombas bacteriológicas atiradas
na Manchúria
E eles riram de satisfação
Não me saem da memória
as crianças em chamas vítimas do
agente laranja e das bombas napalm
No Vietnam
Muitas das quais inda hoje vomitam fogo
E eles riram de satisfação
Por isso, senhores imperialistas
Minhas lágrimas não regarão as cinzas de seus mortos
De 11 de setembro
Porque minhas lágrimas secaram