CARTA MAGNA
de Liberdades, Direitos, Deveres e Garantias
do Povo de Timor-Leste

A segunda grande guerra, com o seu cortejo de violações dos direitos mais elementares e naturais da humanidade traduzido em mortes de milhões de pessoas, com o seu sabor amargo de holocausto e de destruição, produziu uma consciência universal em prol da paz e harmonia internacionais. Como produto de toda esta tomada de consciência nasceu a Organização das Nações Unidas erigida sobre os alicerces do respeito pelos direitos dos Povos e das Nações a autodeterminação e independência, da necessidade de defesa de uma sólida harmonia internacional, condenando o recurso à agressão e à guerra, e promovendo a solução pacífica dos conflitos.

Contudo, a continuação de violações destes princípios e de outras normas universalmente aceites de direito natural e internacional, o desafio às regras da convivência pacífica entre os seres humanos e entre os povos, a negação do direito inalienável dos povos à autodeterminação e independência, a intolerância e a negação das liberdades fundamentais aos seres humanos têm sido as principais causas do flagelo da humanidade neste nosso século prestes a encerrar com o soar do novo milénio. O Povo de Timor-Leste tem sido o exemplo gritante de vítima de todas estas violações, negações e intolerâncias a ele impostas sucessivamente pelos sistemas de agressão e opressão.

Nós, o Povo de Timor-Leste, Conscientes do nosso direito à autodeterminação e independência e da obrigação de estabelecer a justiça, de manter a paz e a tranquilidade pública, de promover o bem-estar geral, de garantir a liberdade e a democracia plena. Conscientes da urgência de se pôr fim a tragédia que se abateu sobre o povo de Timor-Leste nos últimos vinte e três anos com a agressão, invasão e ocupação ilegal da sua Pátria pelo regime da Indonésia e da necessidade de promover a paz, a democracia e o progresso; Conscientes da herança histórica, cultural, espiritual, religiosa e pela identidade cultural de cariz maioritariamente judaico-cristã; Interpretando o nosso longo sofrimento e reafirmando a nossa intrépida vontade, coragem e persistência na Luta pela reposição da legalidade internacional, pela autodeterminação e independência, pela justiça social, pela igualdade de direitos e deveres entre os seres humanos, como forma de honrar a memória dos Heróis da Libertação da Pátria.

DECLARAMOS a nossa adesão:

  1. à Carta da Organização das Nações Unidas, considerando-a, desde já, como parte da Lei Fundamental de um futuro Timor-Leste independente.
  2. à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948 e a Convenção Internacional dos Direitos Humanos;
  3. ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966 e os seus subsequentes Protocolos;
  4. ao Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
  5. à Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime do Genocídio de 9 de Dezembro de 1948;
  6. à Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade de 26 de Novembro de 1968;
  7. à Declaração do Direito da Criança de 20 de Novembro de 1959;
  8. à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 21 de Dezembro de 1965;
  9. à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 17 de Dezembro de 1979;
  10. à Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação baseadas na Religião ou na Convicção, de 25 de Dezembro de 1981;
  11. à Convenção contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes de 17 de Dezembro de 1984;
  12. à Convenção sobre o Direito do Mar;
  13. às Convenções Internacionais do Trabalho;

Como consequência, a 1ª Convenção Nacional Timorense solenemente PROCLAMA, para um Timor-Leste independente:

  1. A defesa de um Estado de Direito, democrático e multipartidário, assente na filosofia do Povo de Timor-Leste.
  2. A defesa intransigente e o estrito respeito pelas liberdades fundamentais e pelos deveres de cada cidadão:
  1. pela igualdade de direitos e de deveres de todos os timorenses, repudiando energicamente todo e qualquer tipo de discriminação, entre outras, a discriminação com base na idade, na raça, na cor da pele, no género ou sexo, na origem, no credo religioso e na condição social;
  2. pela liberdade de movimento, de residência e de deslocação, garantida através de uma Ordem Jurídica democrática;
  3. pelo direito e liberdade de informação e de expressão, traduzidos através da criação de mecanismos legais e instrumentos de garantia capazes de prevenir e punir o arbítrio e a falta de transparência na gestão da vida pública;
  4. pela liberdade de consciência e de fé, assente sobre garantias constitucionais e desenvolvida através da promoção da educação cívica e política permanente;
  5. pela elevação do direito costumeiro como uma fonte do futuro direito timorense, de modo a dar-se o enquadramento devido aos valores tradicionais, no quadro da nova ordem jurídica contemporânea e da nova forma de organização do Estado de Timor-Leste, como um estado de direito.
  6. pelo dever de participar ou de contribuir para a Luta pela Autodeterminação e Independência Nacional de Timor-Leste.
  7. pelo dever de contribuição, no futuro, para a reconstrução de Timor-Leste.
  8. pelo dever de contribuição activa para a unidade nacional e harmonia social e política dos timorenses.
  1. A promoção e o respeito:
  1. pelo direito à autodeterminação e identidade culturais, garantido através de mecanismos constitucionais e de leis específicas;
  2. pelo direito à educação democrática, adoptando leis definidoras de um sistema nacional de educação com vista a eliminação do analfabetismo e que respeite as diferenças de opiniões e de posturas e promova a liberdade de investigação técnico-científica e o estudo e a análise crítica dos paradigmas socioculturais e científicas;
  3. pelo direito à saúde e à protecção materno-infantil, adoptando normas que priorizem a saúde pública e a medicina preventiva, que garantam a protecção da maternidade e que privilegie o desenvolvimento técnico e tecnológico na área da saúde;
  4. pelo direito à protecção na terceira idade, desenvolvendo um sistema social adequado para o acolhimento condigno dos idosos;
  5. pelo direito dos deficientes, órfãos e viúvas à protecção e a um tratamento condigno e humano;
  6. pelo direito à propriedade, definindo normas para regular de uma forma equilibrada a relação de complementaridade entre o interesse público e o privado, entre o fim social e o particular;
  7. pelos valores culturais, costumeiros e religiosos das maiorias e das minorias nacionais, riqueza genuína e inalienável da Nação, incentivando o seu estudo, divulgação e intercâmbio;
  8. pela solidariedade, cooperação e concórdia entre os crentes das diferentes religiões, bem como os agnósticos e os ateus, promovendo os valores do ecumenismo e do respeito mútuo e da separação do Estado das religiões;
  9. pelo tratamento digno, e em conformidade com as normas internacionais, de todos os cidadãos estrangeiros que escolherem Timor-Leste como seu país de residência, dentro do princípio de reciprocidade, no respeito pela lei nacional e internacional.
  10. pela construção de uma sociedade plural, onde as tradições e a modernidade se complementam e onde só impera a soberania da lei e do direito.
  11. pelo direito à justiça, criando mecanismos de prevenção e combate ao crime organizado e instituindo meios públicos ou oficiosos de patrocínio judiciário aos mais necessitados, defendendo o princípio sagrado da presunção de inocência a qualquer indiciado ou réu.
  12. pelo direito à resistência contra todas as formas de arbítrio e de intolerância dos Estados, regimes políticos ou grupos económicos e sociais;
  13. pelo direito ao trabalho e à justa remuneração assente sobre princípio de : trabalho igual, salário igual.

A 1ª Convenção Nacional Timorense na Diáspora, conscientes de que:

A protecção do meio ambiente é imprescindível para garantir a sobrevivência das gerações vindouras. REAFIRMAM que:

  1. O Estado de Timor assume como uma das suas tarefas essenciais a preservação dos recursos naturais do seu território, através da adopção de uma política de defesa do Ambiente e de um correcto ordenamento do território, valores estes transversais a todas as políticas sectorialmente prosseguidas pelo Estado.
  2. Por outro lado, a conjuntura internacional e regional reclama, mais do que nunca:
  1. que se reitere a defesa do Direito dos Povos à Autodeterminação e Independência à luz da Carta da ONU e das Resoluções 1514 (XV) e 1541 (XV) da Assembleia Geral das Nações Unidas;
  2. que se reafirme de uma forma inequívoca a defesa dos princípios universais do Direito Internacional assentes sobre a necessidade da solução pacífica dos conflitos, da não agressão, do dever da promoção e defesa da Paz e Estabilidade internacionais, e da Liberdade e Independência dos Povos;
  3. que se adoptem e se defendam todas as normas internacionais de prevenção e condenação da Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, da proibição da Escravatura, da Servidão, do Trabalho Forçado e do Trabalho Infantil em conformidade com o espírito e a letras das Convenções Internacionais sobre cada matéria;
  4. que se adoptem e se defendam todas as normas internacionais de defesa dos direitos da Mulher a igualdade de tratamento;
  5. que se defenda a desnuclearização do Indico e do Pacífico e pelo desarmamento geral do mundo;
  6. que se apoie a criação do Tribunal Internacional de Combate aos Crimes de Guerra e contra a humanidade.
  1. Como país de língua oficial portuguesa, Timor-Leste privilegiará as relações com todos os países em África, América Latina e Europa que partilham a mesma língua e contribuirá para o reforço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP - e para a construção do relacionamento desta Comunidade com as Comunidades dos países da Ásia e do Pacífico.
  2. Especificamente em relação a região Ásia-Pacífico, e no contexto de um futuro Timor-Leste independente, a 1ª Convenção Nacional Timorense na Diáspora, consciente da necessidade de se sararem as marcas da guerra e de se proceder a uma inserção política e económica de Timor-Leste na região, em prol de democracia, do progresso e da harmonia nacional e regional, proclama:
  1. um Timor-Leste independente promoverá a Paz e defenderá o reforço da integração económica regional, na ASEAN, no Fórum do Pacífico Sul e na APEC;
  2. um Timor-Leste independente desenvolverá uma diplomacia a favor da cooperação mutuamente vantajosa e da neutralidade activa na busca de soluções para quaisquer diferendos entre os Estados e subscreverá a Declaração da Concórdia e o Tratado de Amizade e Cooperação entre os estados da ASEAN de Fevereiro de 1976, onde se reafirma a defesa da Zona de Paz, Liberdade e Neutralidade constante da Declaração de 1971;
  3. um Timor-Leste independente defenderá com intransigência as normas universais de defesa dos direitos dos povos à autodeterminação e independência;
  4. um Timor-Leste independente afirma-se como um elemento activo, no contexto geo-político em que está inserido na rejeição da corrida armamentista e na promoção do desarmamento na região Ásia-Pacífico e no mundo, promovendo a via do diálogo como forma de solução dos conflitos;
  5. um Timor-Leste independente promoverá os Direitos Humanos na região e no mundo, defendendo a inviolabilidade da vida, da integridade física, do lar, da correspondência, da cultura, da religião, da harmonia social, política e ambiental do ser humano;
  6. um Timor-Leste independente promoverá e defenderá a igualdade de direitos entre a mulher e homem;
  7. um Timor-Leste independente pugnará pela defesa de uma política de gestão racional, pelo desenvolvimento e criação de recursos nacionais, a fim de garantir a sobrevivência das futuras gerações;
  8. num Timor-Leste independente as crianças e os jovens representarão a esperança de um futuro de progresso, e os seus direitos serão prioritariamente defendidos e permanentemente promovidos; a sua educação será assente na cultura do amor pela vida, pela paz, pela justiça e pela igualdade, para a construção de um mundo novo onde, sobre os escombros dos conflitos, sobreviverá a raça humana com novos valores;

Honra e Glória aos Mártires da Libertação da Pátria e ao Povo Heróico de Timor-Leste.

Aos 25 de Abril de 1998.

 

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