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ALOCUÇÃO PROFERIDA POR SUA EXCELÊNCIA

KAY RALA XANANA GUSMÃO

REUNIÃO DE TIMOR-LESTE COM PARCEIROS DE DESENVOLVIMENTO

4 DE JUNHO DE 2003

Em primeiro lugar, saúdo a presença amiga dos parceiros do desenvolvimento de Timor-Leste nesta Conferência, que nos dá assim confiança para encararmos mais um novo ano de desafios e responsabilidades.

Em segundo lugar, saúdo o Governo de Timor-Leste pela realização desta Conferência em conjunto com o Banco Mundial o que permitirá nestes dias o debate profundo das necessidades do país.

A independência trouxe-nos um governo nacional, direitos e liberdades, maiores expectativas e a exigência para que sejam cumpridas, por todos do topo da administração até aos distritos, sub-distritos, sucos e aldeias. A independência não significa apenas direitos mas também obrigações, cada um contribuir com a sua quota parte para o bem estar da sociedade. Do topo até às bases, temos que transformar a nossa mentalidade de esperar pelas "dádivas" dos doadores e do Governo, e começar a tomar o controlo das nossas vidas, do nosso desenvolvimento e do nosso destino. Iremos necessitar, sem dúvida, da ajuda de outros ainda por algum tempo, mas nós também devemos exceder-nos e esforçarmo-nos para usar, da melhor forma, os modestos recursos que temos e o apoio que recebemos.

Estou ao corrente do progresso considerável conseguido na área do planeamento. Mas não é suficiente. Necessitamos de demonstrar progresso mais substancial na implementação dos planos que preparamos, na prestação de serviços de educação e saúde ao nosso povo, em disponibilizar sementes melhoradas e equipamento aos nossos agricultores e conseguir que a venda dos seus produtos seja feita a preços razoáveis. O barómetro do progresso não reside na quantidade de dinheiro canalizado pelos nossos parceiros de desenvolvimento ou na dimensão do orçamento do Governo, mas sim se a nossa juventude e veteranos têm trabalho remunerados, quanto é que o nosso povo produziu e se houve capacidade de venda da produção, se existe "comida à mesa" nas aldeias durante os meses de fraca produção, se as nossas crianças estão a ir às escolas e se o nosso povo está a receber cuidados de saúde de qualidade. Necessitamos de mobilizar e envolver o nosso povo enquanto "agentes de mudança" na transformação das suas vidas e na construção de um melhor futuro para eles próprios, para as suas crianças e para a nação, em vez de serem vitimas que recebem "esmolas" do governo e das agências doadoras.

Tendo tentado ler e interiorizar a documentação preparada para esta Conferência, permitam-me que aborde umas questões, cruciais a meu ver, que necessitam da vossa sábia consideração, tanto por parte dos parceiros com uma larga experiência de cooperação, como por parte dos governantes do país, que se extremaram, no ano fiscal que está a findar, no esforço de implementação do seu programa anual, com as dificuldades de que todos mais ou menos acompanhamos.

Tornou-se já como que um dever de cidadania, tanto nacional como mundial, nesta era de globalização, termos sempre debaixo da língua a ‘redução da pobreza’, tanto mais que os Objectivos do Milénio são orientadores deste pensamento.

Todavia, este 1º ano de processo político aconselhou-nos a pensar melhor na objectividade com que se deve encarar a nossa realidade, relativamente complexa na interacção dos vários factores que alimentam o clima socio-politico e económico.

Este primeiro ano de gestão do Estado independente, permitiu-nos olhar com maior atenção à dimensão temporal dos planos, dos programas e prioridades. Os Objectivos do Milénio não serão conquistados em 5 anos e muito menos em 1 ou 2 anos. O ano 2015 define o quadro temporal para as intenções de todos na implementação dos planos. Nós também possuímos uma Visão do nosso Povo, a longo prazo, com a meta fixada para o ano 2020.

O facto de estarmos globalizados neste pensamento, não deveria significar que tenhamos que seguir um mesmo padrão de acções, para podermos afirmar que estamos a caminhar na mesma avenida.

A realidade em ou de Timor-Leste sugere que devamos ter uma outra capacidade de ‘aproach’, dentro das linhas mestras orientadoras dos Objectivos do Milénio e da Visão Estratégica do nosso Povo. Isto porque, embora esta luta global contra a pobreza tenha alguns dos indicadores, como comuns a todos os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, existe a exigência difícil de cada país saber e poder lidar com os problemas próprios da sociedade.

Timor-Leste saíu de um curto mas devastador período de violência. Antes disso, de 1990 até Agosto de 1999, o crescimento económico anual era em média 5% a 6%. Com o mês de Setembro de 1999, estima-se que o crescimento tenha sido negativo e situado nos – (menos) 38%. No período de vigência da Missão da UNTAET o crescimento económico volta a valores positivos:

    • 1999 – 2000 – 15,4%
    • 2001 – 2002 – 18,3%

No entanto, após o fim da Missão, estes números caiem novamente para valores negativos:

    • 2002 – 2003 – (menos) – 5%
    • 2003 – 2004 – (menos) – 2% (projecção)

Esta abordagem é para dizer que, embora a educação e a saúde sejam dois sectores fundamentais para o desenvolvimento do país, em termos humanos de capacitação não só mental como também física, existe um desequilíbrio de prioridades nos actuais planos de desenvolvimento.

Os focos da redução da pobreza não podem ser dirigidos, presentemente, com certa abundância de análise, para esses dois vectores de desenvolvimento nacional, fundamental numa temporalidade a longo prazo.

A redução da pobreza deve ser encarada na formulação corajosa de acções concretas e múltiplas para que se possa espalhar a confiança no crescimento económico, a base ‘sine qua non’ para acompanhar e suportar todo o esforço de estabilização do processo social e político.

Sem um índice motivador de confiança, no crescimento económico, o que significa que se as pessoas não sentem que podem obter rendimentos ou pagamento do seu trabalho no campo ou noutras áreas, a questão da estabilidade permanecerá como um obstáculo permanente e com um potencial danificador de que todos nos lembramos ainda. Para isso, eu acho que é necessário conceder-se uma maior atenção à agricultura e à pequena e média indústria.

Fala-se do grau da pobreza em Timor-Leste e do grau de desemprego no país, criando para nós mesmos, os timorenses, a ideia de que a agricultura não é um emprego, talvez porque a agricultura ainda não é considerada, na sua totalidade, uma fonte normal e das mais sustentáveis de rendimentos.

Timor-Leste é um país agrícola e com óptimas potencialidades de ser auto-suficiente. Reparei com satisfação a exposição suscinta e muito objectiva no plano de desenvolvimento do sector agrícola, todavia o que é necessário e urgente agora, é de um programa faseado e com capacidade de orientar para um prazo entre 5 a 7 anos, a autosuficiência em produtos agrícolas básicos, evitando a actual e incomportável situação de importação dos artigos alimentares de primeira necessidade. Com a importação dos produtos alimentares, que poderíamos produzir, o povo lamenta que os seus produtos ou não são comprados ou são-no a preços irrisórios, tornando assim difícil à maioria da população um poder de compra acessível a outras necessidades, inclusivé para pagar 50 centimos por mês, por cada filho na primária.

Reparei que existe intenção para promover a segurança alimentar, o que sugere que poderá haver dinheiro para a compra de comida para as populações afectadas pelo regime de chuvas. A intenção é óptima mas que não responderá cabalmente às necessidades do povo inteiro. Nós percebemos, da experiência de outros países, que a política de subsídio é nociva à gestão das finanças do Estado. Contudo, espero que se encontrem as vias mais apropriadas para a solução deste problema que afecta o dia-a-dia do povo, que fica à mercê de possibilidades de criação de emprego nas áreas rurais, mesmo que temporário mas que possibilite as pessoas a obter rendimento em dinheiro.

A sugestão seria de que uma possível verba para a segurança alimentar estaria dirigida para a compra, armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas, nomeadamente arroz, milho e feijão, com ambos os objectivos de garantir uma certa estabilidade de preços e de assistir as áreas afectadas. Este mecanismo, tão premente nas actuais circunstâncias, motivará os agricultores a produzir mais e melhor, não se limitando ao seu próprio consumo, mais porque não prevê nenhuma possibilidade de venda. Ao mesmo tempo, sendo isto possível, ou apenas quando este mecanismo estiver a ser bem implementado, se começaria gradualmente a entregar ao sector privado esta capacidade, libertando-se parcial ou totalmente o Estado nesta tarefa de atendimento à população.

Para além de criar esta motivação na agricultura, é necessário que se incremente o sector industrial de pequena e média dimensão, num esforço de criação de emprego permanente e sustentável, evitando-se também a importação de quase tudo. É louvável a iniciativa que se tomou na concessão de microcréditos, mas que não responde em absoluto às necessidades de crescimento económico, por que se atém ao estabelecimento de pequenos restaurantes, vazios todo o tempo, quiosques cheios de produtos indonésios, com algumas bananas penduradas, e os mercados tradicionais que cada vez se enchem mais de pessoas vindas do interior, na difícil procura dos 50 cêntimos para pagar a escola dos filhos.

Fala-se muito da necessidade de investimento estrangeiro com a preocupação acentuada para a criação de postos de trabalho, em resposta à falta de emprego dos jovens. O problema crucial de momento assenta-se em 2 pólos distintos e contraditórios. Um, é a falta de capacidade profissional dos jovens e que todavia será de menos difícil solução, desde que o investimento venha com o programa de capacitação profissional, específica ao trabalho para que forem admitidos os jovens. Este é também um assunto a ter em consideração, em planos multi-anuais do sector de educação, quanto a escolas técnicas profissionais, segundo a previsão da necessidade de mão-de-obra do país. O outro polo conflituoso em relação ao investimento estrangeiro, aparentemente de mais difícil solução, é o do índice salarial, demasiado elevado comparativamente à região a que Timor-Leste está inserido.

Necessita-se de uma grande dose de coragem para se inverter a situação, se se pretende criar incentivos aos investimentos, já que em princípio, o país só se beneficiará da entrada de capital e da tecnologia e da possibilidade de criação de emprego e não a oferta de um poder de compra capaz no mercado interno. O mercado será, òbviamente, externo mas o elevado salário e as grandes taxas desincentivarão qualquer investidor, quando pensa em termos de competitividade dos serviços ou dos produtos.


Senhoras e Senhores

Peço a vossa compreensão se me alongo um bocado mais, todavia acho que é mesmo necessário e oportuno, após este primeiro ano de independência, abordar questões relacionadas com a construção do Estado.

Reparei em vários documentos a menção da descentralização, do poder local e autoridades locais. A Presidência da República iniciou também uma consulta, por um mecanismo de diálogo com a população dos subdistritos aos distritos, tendo terminado com um Diálogo Nacional, em Dili, aberto sobretudo aos detentores do poder, no Governo e no Parlamento, à Sociedade Civil e intelectuais.

A primeira reacção pode-se situar no constrangimento financeiro, para além da preocupação quanto aos recursos humanos disponíveis. E isto é de todo compreensível e, portanto, aceitável.

Todavia, pensamos que o arrastar desta indefinição estrutural de governação não vai permitir que o próprio Estado se desenvolva com dinamismo e aptidão. O dinamismo e aptidão assentam-se na participação democrática do nosso povo na solução dos seus problemas, pela compreensão exacta dos seus deveres de cidadão como dos seus direitos.

Deve-se encaminhar a população a compreender que o cumprimento dos seus deveres traz como consequência natural a aquisição da capacidade de si própria, como cidadão e como comunidade, na obtenção dos seus direitos mais elementares. Isto também dirigirá o povo a uma mudança necessária de mentalidade, a que estava acostumado, que era de esperar que o Estado resolva todos os seus problemas e necessidades.

É fundamental que, logo no início do estabelecimento do novo Estado, se criem as condições básicas de capacitação do povo a sentir-se o principal actor deste processo de desenvolvimento. É aí que se coloca a necessidade de descentralização real. É aqui que se coloca também a necessidade de se evitar compreender que a descentralização é apenas uma extensão da burocracia do governo central.

Alguns papéis falam de legitimar as autoridades locais, enquanto outros falam de legitimar o papel dos chefes de suco. É percepção do nosso povo, e das mais legítimas, que salvaguardando os órgãos de representação do governo central, as outras autoridades do poder local devam ser legitimadas por via de eleições. Só assim pode existir uma real sinergia entre responsabilidades dos chefes ou representantes e deveres das respectivas comunidades.

Só assim também, se pode criar um ambiente profícuo de responsabilidade colectiva na solução de muitos problemas, evitando-se assim que de pequenos ou leves se tornem demasiado grandes ou sérios, necessitando já da intervenção de outras instâncias superiores, incluindo o contínuo encher das nossas prisões.

Mas as eleições implicarão dinheiro e quando se fala de dinheiro, isto implica a receptividade dos nossos parceiros de construção deste Estado, dentro dos valores democráticos de participação e de harmonia social.

Sabemos que o Governo também está a iniciar o estudo desta matéria e o Secretariado do Diálogo Nacional está agora preparando o documento final para ser remetido para a consideração do Parlamento e do Governo, a todas as Organizações e Agências interessadas e também para ser distribuido a todas as aldeias e sucos, para uma melhor compreensão dos conceitos e mecanismos, à luz da Constituição da República.

Dentro do processo de construção do Estado de Direito, para além do Sistema Judicial que, lamentavelmente, ainda não está totalmente instalado e que vai merecer toda a nossa atenção e acompanhamento, temos ainda duas outras instituições que poderão ajudar a imprimir um ambiente de rigor nas Instituições do Estado.

Quero referir-me à Inspecção-Geral e à Provedoria de Justiça e Direitos Humanos. Segundo o que temos vindo a acompanhar, a Inspecção é ainda precariamente equipada em recursos humanos e sua capacitação, já que não consegue responder às exigências de investigação.

A Provedoria ainda nem está instalada e é óbvio que necessitará também de recursos humanos adequados à sua missão. A Provedoria deve ser percebida pelo público como um Órgão genuinamente independente, acessível e através do qual o cidadão tem a possibilidade de apresentar as suas queixas sobre a má governação e actos de abuso do poder.

A Provedoria deve tornar-se, assim, o veículo do povo para buscar correcções apropriadas na matéria de governação transparente, sendo assim o motor de construção de confiança entre os governantes e governados.

Para finalizar, gostaria de lembrar que, quanto à assistência técnica providenciada pelos nossos parceiros de desencolvimento, deveria haver uma maior rigidez no recrutamento dos técnicos, para não acontecer que não se tem para dar para se poder receber. Todavia, devo louvar a dedicação e esforço de muitos tecnicos, que consideramos profissionalmente capazes e úteis no processo de capacitação dos recursos humanos.

Todas estas considerações alertam para uma simples relalidade, a de que não é altura para os nossos parceiros de desenvolvimento relaxarem no aopio às necessidades mais prementes do país. É, sim, uma ocasião propícia para consolidar esta nova relação de parceria de desenvolvimento.

Desejo-vos a todos uma optima e produtiva estadia em Timor-Leste, neste dia e meio de trabalho. Tenho a certeza de que hão-de obter consenso para continuarem a dar-nos apoio na construção da nossa nação e capacitor o nosso povo adequadamente para os enormes desafios de desenvolvimento sustentável.

Muito Obrigado    


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