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ALOCUÇÃO DE

S.E. PRESIDENTE DA REPÚBLICA

KAY RALA XANANA GUSMÃO

 

POR OCASIÃO DO DIÁLOGO NACIONAL II

TEMA: ‘PODER LOCAL’

 

Dili, 24 de Maio de 2003

 

Como é do conhecimento de todos quantos estão aqui nesta sala e neste Fórum, a Presidência inicou o processo de diálogo, em forma de consulta que desceu a todos os subdistritos e distritos do País. Hoje, fazemo-lo aqui, na Capital, num âmbito de Diálogo Nacional, onde estão aqui representantes de todos os Distritos e sobretudo, membros do Parlamento e do Governo, da Sociedade Civil e intelectuais e jovens finalistas das Universidades.

 

        Devo, antes de iniciar, dizer que sabemos que o Governo está a preparar a lei ou as leis que vão definir toda uma estrutura da administração. Todavia, devo realçar que a iniciativa que se tomou em fazer consultas à população, tem apenas a intenção de encorajar não só o Governo como o Parlamento para tomar em consideração a percepção do nosso povo, quanto a esta questão, fundamental, porque lhe garante os direitos políticos que a Constituição prevê.

 

        Qual é o significado da independência, na construção do Estado de direito democrático e no desenvolvimento do país? Reparem que eu digo ‘construção do Estado’ e ‘desenvolvimento do país’- duas coisas diferentes mas que se interligam e interagem.

 

        Quando se fala de independência e soberania, todos estamos comprometidos a defender a Constituição. E mais do que qualquer cidadão timorense, a grande maioria dos membros do Parlamento e outras individualidades que hoje estão no Governo, percebem melhor a Constituição, porque foram eles, como membros da Assembleia Constituinte, que redigiram a Constituição e a aprovaram.

 

        A independência é apenas um meio que permite ao nosso Povo exercer a soberania. E o artigo 2.º da Constituição diz que ‘a soberania existe no povo, que a exerce nos termos da Constituição’.

 

        Será que a soberania é apenas o ‘exercício do poder político através do sufrágio universal’ para o Parlamento e Presidente da República? Ou será que os ‘4 órgãos de soberania (Presidente, Parlamento, Governo e os Tribunais) definem o conceito de soberania.

 

        Quanto a nós, as eleições são apenas um acto em que o povo transfere os seus poderes para a tomada de decisões às pessoas que elegeu para tal fim. Não é um acto de soberania, é apenas um acto de exercício do poder político.

 

        A alínea c) do artigo 6º da Constituição define que ‘o Estado tem como objectivo fundamental... defender e garantir a democracia política e a participação popular na resolução dos problemas nacionais’. Aqui já vemos 2 aspectos importantes do processo: um, a democracia política e outro, a participação popular. O primeiro diz respeito à democracia representativa e o segundo, à democracia participativa.

 

        Como é que vamos conseguir uma participação popular na resolução dos problemas nacionais? Quando se fala de ‘problemas nacionais’, acredita-se que os legisladores tinham em mente o conceito de ‘problemas que existem ou surgem em toda a nação’ e que não se referem pura e simplesmente a ‘problemas de âmbito nacional’, porque aí já se coloca a questão da ‘participação popular’ sòmente em termos de ‘sufrágio universal ou referendo’.

       

        O povo foi soberano quando decidiu participar activamente na resistência, o povo percebeu bem que a soberania ‘existe nele’, quando, mesmo na situação difícil de 1999, fez face a todos os perigos e exerceu a sua escolha em 30 de Agosto daquele ano.

 

        Se a independência é um meio para a construção do Estado e desenvolvimento do país, esta fase de início do processo é crucial para definirmos a soberania do Povo. Para a construção do Estado, o povo já exerceu o ‘poder político’, que permitiu que se formassem os 4 órgãos de soberania, os quais não bastam porque a Constituição fala do poder local.

 

         Para o desenvolvimento do País, é extremamente necessário defender e garantir esta soberania do povo. Se não, ficaremos sempre com um dualismo de poder – o governo e a CEP, nem um nem outra com capacidade de devolver esta soberania ao povo.

 

        A democracia participativa não pode ser apenas entendida como o acto em que os órgãos de soberania vão ao povo ouvir os seus lamentos e tentar responder aos seus pedidos, desde a alimentação, quando a população passa fome, ao pedir a uma ‘ong’ para canalizar água potável ou em outras respostas imediatas.

 

        A democracia participativa deve ser um acto em que a população, a partir das aldeias, discutam os seus problemas, tentem a solução a alguns dos seus problemas, antes de passá-los aos sucos. A democracia participativa é o sistema de participação, onde cada cidadão conhece os seus deveres, tanto como os seus direitos. Os direitos não podem ser apenas o direito de votar e ser votado. Os direitos são na amplitude dos elementares direitos humanos: ter comer, ter água potável, ter casa, ter escola, ter assistência médica, etc., etc.

 

 A democracia participativa é o sistema que permite a organização, das populações, a partir das aldeias para a sua mobilização, na aquisição desses direitos, pelo dever de contribuir por si mesmo. Se não se compreende assim, aqueles direitos são percebidos como são direitos de receber tudo e qualquer coisa, por parte do Estado ou de uma ‘ong’, e a sociedade timorense irá descambar para uma total falta de personalidade, como actor do desenvolvimento do país, ficando apenas à espera de ser assistida.

 

        O artigo 6º da Constituição define como objectivo do Estado, na sua alínea g), ‘afirmar e valorizar a personalidade.... do povo timorense’, e acrescentamos, uma personalidade de luta, de suor e de determinação de vencer os obstáculos.

 

        Qual é o nosso sistema de governo? Como todos sabem, é semi-presidencial, o que me permite, de tempos em tempos, pronunciar-me sobre o ‘regular funcionamento das instituições democráticas’.

 

        Qual é o sistema de governação?

 

        O número 1 do artigo 5.º da Constituição diz que o ‘Estado respeita, na sua organização territorial, o princípio de descentralização de administração pública’ e o número 2 do artigo 137.º, que ‘a administração pública é estruturada de modo a evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva’.

 

        Como eu disse, na minha mensagem de 20 de Maio, estamos a assistir ao método de ‘governação aberta’ que, embora louvável, não responde às questões básicas que a própria Constituição define. Isso não significa que, no futuro, não seja viável a sua aplicação. Terá toda a vantagem de fiscalização, de orientação e, sobretudo, de melhor contacto com as realidades.

 

        O que se percebe da Constituição é o princípio de descentralização. E próprio artigo 71º da Constituição, no seu número um, diz que ‘o governo central deve estar representado a nível dos diversos escalões administrativos do território’. Nas presentes circunstâncias, pode-se perceber que os ‘escalões administrativos’ vão até os sub-distritos, mas se até os chefes de suco e chefes de aldeia são apontados, pode-se pensar que os escalões administrativos vão até os sucos ou mesmo até as aldeias.

 

       

        O número 1 do artigo 72.º da Constituição diz que ‘o poder local é constituído por pessoas colectivas de território dotadas de órgãos representativos, com objectivo de organizar a participação do cidadão na solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local, sem prejuízo da participação do Estado’.

 

        O número 3 do artigo 2.º define que ‘as lei e os demais actos do Estado e do poder local só são válidos se forem conformes com a Constituição’. Claro, vamos todos ainda ficar à espera das leis, para percebermos o alcance constitucional destes conceitos.

 

        Todavia, nas presentes circunstâncias, o que é que nós podemos perceber disto tudo? Eu penso que 2 ideias podem aparecer: uma, a de que os escalões administrativos só chegam até aos subdistritos e outra, a de que o poder local diz respeito apenas aos sucos e aldeias.

 

        E é, aqui,que se coloca o cerne da questão do ‘poder local’!

 

        Vamos revêr o artigo 137.º da Constituição, no seu número 2: ‘A Administração pública é estruturada de modo a evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva’. Esta frase é eloquente quando pensamos nos distritos e sub-distritos.

 

E quando o artigo 72.º define que ‘o poder local é constituído por pessoas colectivas de território’, pensamos que os legisladores não estavam a pensar que um suco é percebido como ‘território’ e muito menos uma aldeia.

 

        O artigo 95º da Constituição diz que ‘compete exclusivamente ao Parlamento legislar sobre’, entre outras coisas, ‘a divisão territorial’, e assim, partindo todavia, como bases, das aldeias e sucos, não serão os sucos que definirão a divisão territorial do país e, portanto, ou serão os distritos, ou serão regiões ou serão províncias.

       

        Sendo assim, ‘as pessoas colectivas de território’, mencionadas no artigo 72.º, compreendem pessoas colectivas, que na actual divisão territorial e administrativa, deveriam estar nos distritos.

 

        Voltando para a questão da soberania, a Constituição define, no seu artigo 6.º, que ‘os objectivos do Estado’, entre outros, é,

na alínea b), ‘garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático’,

na sua alínea e), ‘promover a edificação de uma sociedade com base na justiça social, criando o bem-estar material e espiritual dos cidadãos’

e na alínea i) ‘promover o desenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões e a justa repartição do produto nacional’.

 

E, como já dissemos atrás , a sua alínea c) diz: ‘defender e garantir a democracia política e participação popular na resolução dos problemas nacionais’.

 

        O número 2 do Artigo 7.º da Constituição menciona a ‘expressão organizada da vontade popular e para a participação democrática na governação do país’. A governação do país é apenas em Dili, no Governo e no Parlamento? E também e apenas nos sucos e aldeias, se pensarmos que o poder local é apenas para os sucos e aldeias?

 

         Estamos conscientes do número 4 do artigo 71.º que diz que ‘a organização político-admnistrativa do territorio da RDTL é definida por lei’. Estamos também conscientes do  artigo 5º da Constituição, sobre a descentralização. O numero 1 diz que ‘o Estado respeita, na sua organização territorial, o princípio de descentralização da administração pública’ e o número 2, que ‘a lei define e fixa as características dos diferentes escalões territoriais, bem como as competências administrativas dos respectivos órgãos’. Assim como continuamos orientados pelo artigo 72.º, cujo número 2, estabele que ‘a organização, a competência, o funcionamento e a composição dos órgãos de poder local são definidas por lei.’

 

        Este Forum, como disse no início, é para ajudar o Governo e o Parlamento a ter em conta a percepção do Povo na questão do poder local.

 

        Há opiniões de que estaríamos a ofender, a violar, o ‘solo sagrado’ da RDTL, quando abordamos com o povo a divisão territorial. Devo dizer que a nossa compreensão é de que este solo sagrado pertence ao nosso povo e a mais ninguém. Ninguém é mais soberano que o nosso povo e o nosso povo é sagrado. Isto não significa que, todo e qualquer pedido ou opinião da população é lei.

 

        O que nós queremos é, precisamente, que o povo tome as rédeas em seus respectivos ‘territórios’, numa assumpção clara dos deveres, pela participação democrática na construção do Estado de direito democrático e no desenvolvimento do país.

 

        Vem, neste sentido, o conceito de descentralização. Existe esta necessidade, agora? Se existe, em que áreas?, para lembrarmos o número 2 do artigo 5.º   sobre ‘as competências administrativas dos respectivos órgãos’. 

 

        Qual deveria ser o verdadeiro conceito de poder local? Só para sucos e aldeias? Também nos Sub-distritos e Distritos? Como se processa a cooperação com o representante do Governo?

 

        Eu, por mim, diria que a descentralização da administração e a constituição de órgãos de poder local, a partir dos Distritos, exigiria, para cima de tudo, a transferência de quadros válidos para os Distritos e Sub-distritos contra a situação actual de concentração dos recursos humanos na capital.

 

        Se nos orientarmos para a ‘promoção e desenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões e na justa repartição do produto nacional’, o estabelecimento de órgãos de poder local, a partir dos distritos, será a resposta mais correcta às exigências do processo, mesmo a partir deste início difícil, de construção do Estado de direito democrático e de desenvolvimento do país.

 

        A democracia participativa será uma garantia da participação consciente de todos os cidadãos, virado para um desenvolvimento integral, desde, em primeiro lugar, o aspecto economico como base para os aspectos social, cultural e político.

 

         Claro que todos conhecemos as nossas dificuldades financeiras! Só por causa disso, vamo-nos sentir impotentes de pensar? Só por causa disso, vamos ter que, talvez, produzir leis que não contemplem os ideiais da Constituição?

 

        Será que não há mesmo alternativas a explorar? Será que o nosso povo terá que esperar por muitos anos mais para poder sentir a independência é a garantia dos seus direitos e liberdades fundamentais?

 

        Será que, por sermos um pequeno país, basta termos a estrutura que já existe de administração pública?

 

        São todas estas questões que se levantam neste Forum e eu tenho a certeza de que haverá muitas mais e isso será imensamente positivo para que alcancemos uma ideia comum das nossas necessidades e nosssas realidades.

 

        Como viram na apresentação de hoje, existem muitas ideias no seio do povo. Hoje, intelectuais e políticos estamos aqui para tirar ilações das ideias do povo. Convido a todos para uma contribuição generosa e sem preconceitos, para que honremos o nosso povo.

       

Obrigado.

 


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