Alocução
de Sua Excelência o Presidente da República, Kay Rala Xanana Gusmão Por ocasião da Cerimónia de Adesão da República Democrática de Timor-Leste à Organização das Nações Unidas 57ª Sessão da Assembleia Geral, Nova
Iorque,
Sua Excelência Secretário Geral da ONU, Dr. Kofi Annan, Sua Excelência Presidente da Assembleia Geral, Dr. Jan Kavan, Sua Excelência o Primeiro Ministro de Portugal, Dr. Durão Barroso, Distintos Representantes Permanentes dos Países Membros da ONU, Senhoras e Senhores, Desde os anos 60 que Timor-Leste também fazia parte da lista dos territórios sem governo próprio e com direito ao exercício da autodeterminação e independência, como interpretação fiel das aspirações à liberdade do nosso povo. E desde os anos 60, muitos países lograram a sua independência. Os princípios universais, consignados na Carta das Nações Unidas, foram a máxima que guiou as nossas acções, tanto na resistência dentro do país como no longo caminho que timorenses, lado a lado com os angolanos, brasileiros, caboverdeanos, guineenses, moçambicanos, portugueses e são-tomenses e activistas do mundo inteiro, percorreram com confiança e determinação. Os Direitos Humanos e o Direito fundamental dos Povos de decidirem pelo seu destino, são a expressão de toda uma luta de emancipação do ser humano, como indivíduo, como sociedade e, naturalmente, como povo, o povo timorense que somos e temos orgulho de ser. Nesta magna sala dos povos do mundo inteiro, nesta magna sala onde os povos se fizeram e se fazem ouvir, através dos seus representantes, nesta magna sala onde também tivemos o privilégio de assistir à Assembleia do Milénio, Timor-Leste esteve desde 1975, presente nas mentes e atitudes, presente em debates políticos e considerações geo-estratégicas e presente em Resoluções que foram passadas até 1983. Nesta casa da comunidade das Nações, diplomatas timorenses, encabeçados pelo guerrilheiro da diplomacia, Dr. José Ramos-Horta, Prémio Nobel da Paz, Chefes de Estado e de Governo, ministros, Embaixadores de países amigos e a solidariedade internacional, palmilhavam os seus corredores e trabalharam intensamente. O Conselho de Segurança, o Comité dos 24, a Comissão dos Direitos Humanos e outras, sempre tiveram a sua porta aberta para ouvir a voz do povo de Timor-Leste. Desde Kurt Waldheim a Perez de Cuellar, de Boutros Boutros-Ghali a Kofi Annan. E, Vossa Excelência, Senhor Secretário-Geral, tomou decisivamente nas suas mãos não só o sofrimento mas sobretudo as aspirações do nosso Povo. Pessoas como Francesc Vendrell e Tamrat Samuel que sempre lidaram com o dossier de Timor-Leste e, depois, o Embaixador Jamsheed Marker, são merecedoras de todo o apreço como servidores desta instituição e que souberam dar o exemplo de dedicação promovendo o diálogo na busca da solução. O acordo de 5 de Maio de 1999 foi o corolário desse esforço, de defesa da Carta das Liberdades dos Povos.
Senhor Secretário-Geral, Senhor Presidente da Assembleia Geral, Senhoras e Senhores, Sempre se diz que é importante quando se começa um processo, porque se definem as intenções e os objectivos, mas o valor de uma acção, de uma obra, quanto mais de uma luta se trata, está quando se acaba. A consulta popular, levada a cabo pela UNAMET, liderada por Ian Martin, foi o primeiro acto democrático, consciente, do nosso Povo. Consciente, porque se fez num clima totalmente adverso e incontrolável, consciente porque mais uma vez, revelou ao mundo a coragem do Povo de Timor Lorosae e consciente também porque o nosso Povo soube negar-se à violência, soube rejeitar a ideia de um conflito entre irmãos, à ideia de uma guerra civil. O nosso Povo pugnou por mais de duas décadas pela sua liberdade e porque os objectivos de uma longa e difícil luta foram já alcançados, o uso da violência e a perpetuação do conflito não eram dos seus superiores interesses. E o dia 30 de Agosto de 1999 foi o dia da liberdade, foi o dia da democracia. A partir daí e com a UNTAET, liderada pelo Dr. Sérgio Vieira de Mello, tudo se fez para o fortalecimento da consciência democrática do nosso Povo, como fundamento para uma verdadeira independência. Como consequência, a 30 de Agosto de 2001, tiveram lugar as primeiras eleições para a Assembleia Constituinte e, posteriormente, em Abril de 2002, as presidenciais. A presença de Vossa Excelência, Senhor Secretário-Geral, e a presença de cerca de 90 delegações oficiais do mundo inteiro, que incluía o actual Presidente da Assembleia Geral, Dr. Jan Kavan, então Vice Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Checa, tornaram o 20 de Maio deste ano, um dia memorável na nossa história, onde as Nações Unidas e a comunidade internacional fizeram justiça aos princípios internacionais e aos valores universais que legitimam a existência de nações e de povos, pelo seu direito inalienável à auto-determinação e independência nacional.
Senhor Secretário-Geral, Senhor Presidente da Assembleia Geral, Senhoras e Senhores,
Hoje, tenho o enorme privilégio de representar aqui, na distinta Assembleia Geral das Nações Unidas, um pequeno Povo, cheio de dignidade e extraordinária bravura no passado, pleno de total cometimento no presente e imbuído de uma grande confiança no futuro. Está aqui connosco, como nosso convidado especial, o mui querido D. Ximenes Belo, Prémio Nobel da Paz. Apesar de desejar estar hoje a partilhar este momento connosco, o nosso querido amigo D. Basílio do Nascimento teve, por sentido de responsabilidade, de permanecer no nosso país. Represento um Povo que já definiu a sua visão de desenvolvimento para os próximos 20 anos, onde expressou as suas mais profundas aspirações quanto à erradicação da pobreza e do analfabetismo, quanto às melhores condições de vida a que cada cidadão tem direito e quanto ao seu próprio engajamento no processo. Estamos conscientes de que não haverá desenvolvimento económico e social no nosso país, se não existem as mais elementares bases de democracia. O papel da mulher conjuntamente com uma sociedade civil forte é uma necessidade para que a democracia participatória, a nível de órgãos do poder local, sustente a justiça social e o direito do cidadãos. Mais do que vir como Chefe de Estado, a honra de estar aqui é de representar a coragem das mulheres e o elevado espírito de sacrifício dos homens, a determinação dos jovens e o sorriso das crianças do país crocodilo. Tal como dizia a lenda, hoje estamos firmemente na superfície do nosso mar, identificando-nos como um país soberano e independente, membro da comunidade internacional.
Senhor Secretário-Geral, Senhor Presidente da Assembleia Geral, Senhoras e Senhores,
Emergindo de séculos de lutas independentistas e saído recentemente de mais de duas décadas de sofrimento, a paz e a estabilidade são o que mais o nosso Povo anela. Só uma sociedade tolerante e justa pode saber criar o clima de estabilidade tão necessária e só uma sociedade tolerante e justa pode saber amar a paz. Timor-Leste não pode deixar de manifestar a sua profunda inquietação face ao crescendo da violência no Médio Oriente. Timor-Leste não participa no jogo de atribuir responsabilidades, de apontar o dedo. Preferimos pensar que tem e pode haver uma solução para este conflito que já custou tanto sangue e tantas vidas. O povo Palestiniano tem direito à livre autodeterminação, à independência, à paz e à dignidade. Não nos parece moral nem ético que se continue a negar a esse extraordinário povo o seu direito a à liberdade, à paz e à dignidade. A RDTL e o Estado de Israel estabeleceram relações diplomáticas a nível de Embaixador e vão explorar formas de cooperação para beneficio mutuo. A RDTL declara-se pronta a reconhecer o Estado Palestino e a estabelecer relações diplomáticas a nível de Embaixador com a autoridade legitima do povo Palestino. Noutra situação, lamentavelmente omitida na maioria das assembleias internacionais é o caso do Sahara Ocidental. Os nossos irmãos saharauis partilham connosco uma surpreendente coincidência histórica de datas do seu processo político. Oito anos antes de Timor-Leste, o Povo Saharaui viu o seu direito inalienável à autodeterminação ser reconhecido pelas Nações Unidas. Contudo, se o caso de Timor-Leste é olhado como um caso de êxito na ONU, o caso do Sahara Ocidental continua a ser protelado por sucessivos obstáculos. Neste momento de reafirmação da nossa liberdade e independência desejamos igualmente apelar para que seja retomado o Plano das Nações Unidas para a realização de um acto referendário de autodeterminação no Sahara Ocidental. Só um acto justo, livre e democrático, tal como em Timor-Leste, poderá por um fim a esta situação de injustiça. Desta tribuna, o Povo de Timor-Leste deseja ainda afirmar a sua solidariedade para com o processo no Afeganistão e, em particular ao Presidente Hamid Karzai, e apresentar os nossos votos de êxito neste momento de enorme desafio. Timor-Leste participou recentemente na 3ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do Grupo ACP, nas Ilhas Fidji. Esta participação elevou a nossa consciência da necessidade de participar activamente nos grupos de países em vias de desenvolvimento que partilham de problemas comuns, de vantagens semelhantes e de antecedentes análogos. Temos muito a aprender e possibilidades positivas de intercâmbio com os grupos sub-regionais existentes no seio da ACP. Independentemente do nosso relacionamento com o Pacífico, estamos geograficamente próximos do sudeste asiático e sentimos orgulho por fazer também parte desta região. É com satisfação que hoje testemunhamos o trabalho empenhado e a dedicação inabalável dos nossos irmãos asiáticos na reconstrução de Timor-Leste, nas Forças de Manutenção de Paz e nos inúmeros postos técnicos e especializados das três Missões da ONU no nosso país. Participamos recentemente na Reunião Ministerial da ASEAN realizada no Brunei e continuaremos a participar com o estatuto de observador nas várias reuniões da organização. Em Julho deste ano, aderimos formalmente à CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa o grupo de países a que nos unem laços históricos e culturais que contribuíram para a nossa identidade de resistentes. Mas também, a família de países a que nos une o afecto. Juntamos as nossas às apreensões de todo o mundo quanto à intolerância, entre culturas e religiões, quanto ao recurso metódico da violência que serve mais para acicatar incompreensões e aprofundar ódios, criando um maior distanciamento entre as partes, o que dificulta imensamente o diálogo. Juntamos a nossa voz à do mundo no combate ao terrorismo. Apesar das gigantescas exigências do nosso processo, do nível de subdesenvolvimento do nosso país, não abrandaremos a nossa vigilância determinação em cortar pela raiz extremismos e radicalismos que favoreçam ou criem condições para o despoletar de acções de terror contra inocentes. Timor-Leste não será nunca um santuário para pessoas que desejam aterrorizar civis inocentes, seja em nome de uma religião, ideologia ou sob qualquer outra capa. Juntamos o nosso ao compromisso em todo o mundo no combate ao tráfico ilegal de pessoas e armas e ao tráfico de drogas. A nossa região tem sido flagelada por redes transaccionais activas em actividades abjectas como estas são. Não iremos permitir que o território nacional ou a nossa Zona Económica Exclusiva, sejam utilizados para perpetuar as chagas abertas pelo desejos doentios de alguns que se escondem por detrás dos lucros contabilizados pela miséria alheia. Juntamos o nosso ao cometimento em todo o mundo quanto à necessidade de reformas políticas de fundo pela democratização das sociedades, pelo respeito aos direitos cívicos e políticos, pela necessidade de boa governação, pelo envolvimento da sociedade civil e políticas firmes de combate à corrupção. Juntamos as nossas às apreensões dos povos subdesenvolvidos e em desenvolvimento quanto à miséria, à fome e à doença que assolam mais de metade da Humanidade. Se por um lado, deve haver um cometimento firme dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento na adopção de políticas correctas em torno da "luta contra a pobreza", sabemos que existem outros factores importantes a que gostaríamos de juntar o nosso apelo:
Senhor Secretário-Geral, Senhor Presidente da Assembleia Geral, Senhoras e Senhores, Adoptamos uma política de reconciliação entre todos os timorenses, reconciliação que será baseada na justiça. Contudo, para honrar a justiça, o nosso esforço está dirigido a erradicar todo o sentimento de ódio e vingança, porque uma sólida reconciliação só existirá quando houver uma maior justiça social no seio da sociedade timorense. O nosso destino é vivermos em paz, o que significa que devemos, desde já, estabelecer as bases para uma sociedade nova, onde a harmonia, a tolerância e a solidariedade reinem no espírito de cada cidadão. Estamos conscientes de que só serviremos os interesses do nosso Povo, na mesma medida em que soubermos honrar os nossos compromissos internacionais, pela adesão às Convenções e Tratados pertinentes, que não só salvaguardam a nossa soberania e os nossos interesses como respeitam a soberania e os interesses de outros povos e estados, em particular da região onde estamos. Refiro-me, em particular, à Convenção contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, à Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados e sobre a utilização de armas químicas e nucleares bem como minas anti-pessoais. Como o primeiro país do novo milénio e pelo processo histórico que levou à independência, o Povo Maubere está comprometido com o seu desenvolvimento social e económico, com o fortalecimento da sua cultura e tradições, e no engajamento activo a uma política de diálogo, cooperação e amizade com todos os Povos do mundo. O Povo de Timor-Leste acredita firmemente num futuro onde finalmente a paz reine no mundo. E o Povo de Timor-Leste sabe também, por convicção, que a paz tem um preço e este preço é a liberdade das pessoas, a tolerância entre as sociedades de diferentes culturas e fé e a cooperação e amizade entre povos. O Dia Mundial da Paz, a 21 de Setembro, que foi o resultado do sonho de um homem, foi como que a sacudidela às consciências no momento actual, onde a humanidade convive com um clima de total insegurança. E nós acreditamos que a paz é o objectivo mais sagrado da Humanidade. Apelamos a todo o ser humano, dos maiores centros urbanos às fazendas mais remotas, a todos as organizações sociais e profissionais, artistas e atletas, à sociedade civil e homens de negócios, a todos os grupos em conflito, a políticos e governantes para, juntos, imprimirmos com cada vez maior ênfase à necessidade de paz no mundo. Gostaria de propor que se estabelecesse a Semana de Paz no Mundo, de 21 a 27 de Setembro de cada ano. Em todo o planeta, durante uma semana decorreriam debates, conferências e seminários em torno da Paz. A Paz deixaria de ser um conceito teórico e produziria temas de reflexão tão relevantes e pertinentes como a pobreza, a democracia, os direitos humanos e a justiça que levaria todos a assumirem que a verdadeira Paz só poderá advir da Paz de espírito de cada cidadão. Ao terminar, desejo prestar uma homenagem ao meu Povo. O nosso país é frequentemente referenciado pela comunidade internacional, políticos e académicos como "um caso de êxito" das Nações Unidas. É inquestionável o empenhamento da comunidade internacional, da ONU e seus órgãos, nomeadamente a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança. Este êxito colectivo deve merecer igualmente o reconhecimento do papel e dedicação das agências especializadas da ONU, do Banco Mundial, do FMI e do Banco Asiático para o Desenvolvimento, bem como das centenas de Voluntários das Nações Unidas e das ONGs internacionais, em particular durante as fases de emergência e humanitárias. Desejamos hoje, apresentar o nosso reconhecido e profundo agradecimento pelos compromissos que assumiram connosco e a acção que realizaram e realizam. No centro deste êxito, contudo, esteve o nosso Povo. Ao rejeitar enveredar por uma via de violência, mesmo perante as provocações a que foi sujeito, ao exercer democrática e civicamente os seus direitos mesmo arriscando a sua própria vida, ao olhar o futuro com a esperança da certeza da liberdade, revelou ao mundo ser justo merecedor do respeito que hoje lhe devemos todos e soube, assim, ganhar a credibilidade e admiração de todos vós. É ao Povo de Timor-Leste que devemos o êxito em que todos vós vos empenhastes. Muito Obrigado | Home | |