CAPOEIRA: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
Por Mestre Almir*
O
primeiro confronto entre um capoeirista e um lutador oriental deu-se em 1909,
no Rio de Janeiro, quando apareceu por lá um campeão japonês
de jiu-jitsu, Miaco, dando exibições. Um grupo de estudantes
de medicina convidou-o a enfrentar um conhecido capoeirista, carregador do
Café Saúde, chamado Ciríaco, que vivia pelas docas. No
momento da luta, o japonês abaixou-se para cumprimentar Ciríaco
e o capoeirista, pensando já ser um ataque, toca-lhe um violento rabo-de-arraia,
liquidando-o mesmo antes de começar a briga.
O primeiro registro histórico ao termo Capoeira está nos escritos a respeito da Guerra dos Palmares. Os negros fugidos, sem armas suficientes para enfrentar os capitães-do-mato que eram enviados para sua captura, escondiam-se nas capoeiras de mato ralo, emboscando-os e usando a única arma disponível: seu próprio corpo.
Na verdade as origens da Capoeira estão nas próprias senzalas, onde os negros, relembrando suas velhas danças rituais da África, passaram a se exercitar, procurando desenvolver uma forma de luta que lhes permitisse derrubar os feitores e fugir. A maioria dos golpes de Capoeira foi baseada nas defesas e ataques de animais: a marrada do touro, o coice do cavalo, a fisgada do rabo da arraia. Ou então na observação direta dos seus instrumentos de trabalho, cuja ação procuravam imitar, usando o corpo: o martelo batendo, a foice roçando o mato.
Evidentemente, assim que os senhores descobriram que os escravos praticavam algum tipo de luta que lhes permitia fugir, procuraram reprimi-la violentamente. Um negro que agredisse um feitor ou que fosse pego treinando, era ferozmente torturado, muitas vezes até a morte, para que servisse de exemplo e desencorajasse os outros escravos a praticá-lo também.Foi nessa época e por essas razões, que os negros introduziram a música em seus treinos, disfarçando-os de dança, para enganar feitores e senhores.
Mas a Capoeira pôde realmente tomar corpo e desenvolver-se melhor na medida em que se organizavam os quilombos e os negros tornavam-se mais livres para exercitar-se.Corn o passar dos anos a Capoeira encontra no mulato o seu praticante ideal. Mais baixo do que o negro e mais ágil do que o português, o mulato assimilou a Capoeira a seu modo, transformando-a em notável luta acrobática.
Mais tarde, a partir da chegada da família real ao Brasil, o Rio de Janeiro torna-se o grande centro brasileiro de Capoeira. O próprio D. Pedro I tinha como guarda-costas um famoso capoeirista.Mas durante toda essa época, a Capoeira era encarada como algo marginal e indigno, e os capoeiristas constantemente perseguidos pela polícia. No romance «Memórias de um Sargento de Milícias», Joaquim Manuel Macedo imortalizou um tipo que fez fama pela sua implacável perseguição às maltas da Capoeira: o sargento Vidigal.
A libertação dos escravos em 1888 veio transformar ainda mais radicalmente as relações dos capoeiristas com a sociedade. Um grande contingente de negros, ex-escravos dispensados pelos seus donos que não queriam ou não podiam pagar seus salários, vagava pelas grandes cidades procurando o que fazer. E nada mais simples do que juntarem-se em bandos de capoeiristas para assaltarem as casas dos ricos, repartições públicas e alugarem-se como mercenários para sobreviver. Foi o tempo das maltas de Capoeira que tumultuaram o Rio de Janeiro com suas aventuras incríveis. Nomes como Ciríaco, Querido de Deus, Manduca da Praia, Camisa Roxa, eram temidos pela própria polícia.Proclamada a República, o Marechal Deodoro resolve combater a Capoeira, julgando-a responsável pelos crimes cometidos constantemente na cidade. Para isso, promulga a 11 de outubro de 1890 a Lei n. 487, de autoria do paulista Sampaio Ferraz, que estabelece: o praticante de ginástica de agilidade corporal conhecida como capoeiragem será punido com a pena de 2 a 6 meses de trabalho forçado na ilha Fernando de Noronha.
A ação repressiva do Presidente quase provocou uma crise irrecuperável no primeiro ministério republicano. O Conde de Matozinho, proprietário do jornal «O País», um dos mais lidos da época, tinha um filho, Juca Reis, terrível capoeirista. Sampaio Ferraz, chefe de polícia do Presidente e autor da lei contra a Capoeira, prende Juca Reis e o deporta para Fernando de Noronha.Mas o Conde de Matozinho, sempre apoiando Deodoro e a República, intercede junto ao Ministro para que liberte seu filho.
Assim pressionado, o Presidente concede anistia a Juca Reis, que é levado para Portugal.Foi nessa época de agitação e total repressão à Capoeira que surgiu o berimbau como arma perigosa. Além de servir para dar alarme da chegada da cavalaria, ainda servia como arma, pois muitos capoeiristas traziam uma pequena foice no bolso, afiada nos dois lados, e que era enfiada no pau do berimbau para enfrentar os soldados.
O primeiro confronto entre um capoeirista e um lutador oriental deu-se em 1909, no Rio de Janeiro, quando apareceu por lá um campeão japonês de jiu-jitsu, Miaco, dando exibições. Um grupo de estudantes de medicina convidou-o a enfrentar um conhecido capoeirista, carregador do Café Saúde, chamado Ciríaco, que vivia pelas docas. No momento da luta, o japonês abaixou-se para cumprimentar Ciríaco e o capoeirista, pensando já ser um ataque, toca-lhe um violento rabo-de-arraia, liquidando-o mesmo antes de começar a briga.Um outro capoeirista famoso, talvez o mais celebrado de todos, tenha sido Besouro, um crioulo enorme. A seu respeito contam-se grandes histórias. Diz-se que uma vez Besouro soube de um fazendeiro, próximo do Rio, que não pagava direito seus empregados. Era daqueles que punham o dinheiro na ponta da espingarda e mandavam o empregado vir apanhar. Besouro foi para lá, pediu emprego, trabalhou toda a semana e foi receber. O fazendeiro repetiu a tal cena do dinheiro no cano da espingarda. Apanhou tanto que aprendeu sua boa lição e além disso foi obrigado a pagar em dobro todos seus empregados naquela semana.
Besouro, também chamado Mangangá, foi morto à traição por quarenta homens, que o emboscaram em Maracangalha.A Capoeira continuou assim, marginal e lendária, até que em 1937, atendendo a uma representação de mestre Bimba, da Bahia, Getúlio Vargas revogou a Lei Sampaio Ferraz, passando a permitir a Capoeira como manifestação folclórica.
A história da Capoeira de como ela começou, é uma história de liberdade, da liberdade do negro que vivia atado na escravidão. Mas quando eu comecei a jogar Capoeira eu não compreendia isso, eu comecei porque tinha uma necessidade grande de me afirmar, eu era um rapazinho brigão, vivia brigando lá em Itabuna, onde eu morava. Quer dizer, antes mesmo eu morava numa roça de cacau, meu pai era empregado lá. Mas lá eu não sabia nada, vim pra São Paulo por necessidade, procurar emprego, e foi aqui que comecei aprender Capoeira, faz muitos anos, com mestre Suassuna. Foi aqui em São Paulo e graças à Capoeira que eu aprendi a ser baiano. Porque eu vivia na roça e tudo que se pode imaginar de coco, embolada, tudo o que o pessoal da roça canta e dança, eu conhecia, mas lá a gente não dava valor. Tudo só era bom pra gente lá na Bahia quando vinha de fora, o que a gente ouvia no rádio, na televisão, tudo de São Paulo, ié-ié-ié, a moda, o pleiboísmo. Foi através da Capoeira que eu fui vendo o que significavam aqueles cantos do pessoal da roça, aqueles cocos que eles cantavam, metendo o machado nas matas para ganhar 2 contos e quinhentos por dia, naquele tempo, e eu hoje vejo a beleza que era aquilo, eles trabalhando e cantando 1a., 2a., 3., até 5a. voz, caras que nunca viram música, era apenas uma emoção que eles estavam manifestando, um jeito deles enfrentar melhor aquele tipo de trabalho. A Capoeira me ligou às raizes culturais do meu povo. Ela é primitiva, tem a dança, a música dentro dela, que nem tem dentro do povo. E através dela eu fui entrando também em contato com as outras coisas que são do povo. E vendo que nessas outras coisas também nada é de graça, que tudo o que é manifestação popular, tudo que o povo cria tem um sentido.Então, enquanto eu fui aprendendo Capoeira, fui aprendendo a ver também a história dela, como ela nasceu, fui lendo a história da escravidão, e conhecendo que a história que eu tinha aprendido no primário, no ginásio, não contava tudo, e que as coisas não eram bem como eles diziam, que a história não era coisa só de medalhão, que teve muita gente do povo que participou da libertação, da independência. E aí quando eu me formei na Academia de Capoeira de Suassuna, quando eu resolvi abrir a minha academia, a Capitães d'Areia, procurei estudar mais as origens, a evolução e as influências da Capoeira e a Capoeira passou a ser para mim uma verdade de vida, a verdade que ela é como manifestação da cultura de nosso povo. Então, por isso é que na nossa Academia nós vemos a Capoeira como luta, como defesa pessoal, mas também como um modo de manter vivo o jeito de ser do nosso povo.
A Capoeira tem sofrido muito, tem perdido muito no ensino dela, no que muitas academias estão fazendo com ela. Principalmente agora que muito mais gente está jogando, que ela tem sido muito divulgada, que a classe média tem procurado academias. Muitos mestres não estão preocupados em manter as raízes históricas da Capoeira e ensinam apenas como uma forma de luta, como se fosse um kung-fu brasileiro. Mas a Capoeira não é nada disso. É uma forma do povo negro oprimido se manifestar. Tá certo que a maioria das lutas, o karatê, o judô, todas elas começam mais ou menos como a Capoeira, como uma forma do mais fraco enfrentar o mais forte, sem armas, naquelas invasões que o Japão fazia à China, nas lutas dos pequenos reis. Mas com o tempo elas foram sendo tiradas do próprio povo. E hoje o karatê é o que é. E o que eu não admito, é que lutas como o karatê, o kung-fu, que são maravilhosas como lutas, mas para o pessoal lá do Oriente, que faz parte das raizes deles, mas que não tem nada a ver com nosso povo, venham servir de exemplo para nossos capoeiristas. Elas são jogadas pra nós pelo cinema, pela televisão, como uma coisa melhor, porque é de fora e tudo o que é de fora tem que ser melhor, é uma forma de invasão que é preciso combater. O karatê, por exemplo, é apresentável na sociedade, é bem lutar karatê é sadio, só vem beneficiar as pessoas cultas e inteligentes. E a Capoeira não é considerada assim. Sempre foi um negócio olhado de lado, meio sujo, coisa de marginais.O que acontece é que a Capoeira nasceu da necessidade de liberdade dos negros, e era já desde o início um negócio reprimido pelos senhores de engenho, pelos brancos que não aceitavam a luta. Após a abolição, a Capoeira tornou-se uma forma de sobrevivência dos caras marginalizados, que se uniam e formavam as maltas, as maltas de Capoeira que assaltavam casas de nobres, roubavam dos ricos. Eram perigosíssimos. Por isso sempre foi um negócio malvisto. Nessa época a Capoeira era proibida, jogador de Capoeira, era preso e deportado pra ilha Fernando de Noronha. E mesmo depois de 1937, quando a lei foi liberada, cotinuou sendo jogada apenas pelo pessoal mais humilde, e a própria liberação dela era uma tentativa de acabar com ela, porque a Capoeira sempre foi acompanhada de uma verdade. Não tinha academia, não tinha escola pra se aprender Capoeira, o pessoal treinava nos matos, nos quintais, escondido. Você morava ali na zona de um capoeirista, ficava amigo dele, ele te ensinava os golpes, era um negócio que ia passando na base de identidade de classe, na amizade. Era um segredo que as pessoas aprendiam e tinham que conservar se agrupando, treinando juntas, assim por diante. Não tinha organização, era natural, espontânea, nascia da necessidade de aprender alguma coisa para se defender, uma repetição da época dos escravos.
A Capoeira é um negócio assimilado melhor pelas pessoas mais simples, mais do povo, porque o pessoal simples, o trabalhador, ele se joga para fazer as coisas, ele dá duro sempre, o corpo dele está acostumado com o pesado, está sempre em movimento. Depois, à medida em que começa a praticar a Capoeira, ele se identifica com ela, faz parte da cultura dele e além disso a academia é um lugar que ele gosta de freqüentar, porque também ele não pode ir a clubes, lugares caros, então na academia ele se sente bem, é respeitado, tratado como gente, ele é dono dele. É o único lugar que ele tem para se mostrar, para ver que evolui junto com os outros, uma coisa conseguida por ele mesmo. Ele mostra que é capaz de cantar, tocar um instrumento.Para poder jogar direito a Capoeira, não pode ter muito nhenhenhen, tem que aceitá-la rústica como ela é, por isso para um cara de classe média para cima é mais difícil jogar Capoeira, principalmente se ele vê nela só uma curtição. Não que ele seja incapaz de aprender, mas tem que deixar os nhenhenhéns de lado, tem que descer até a Capoeira, porque a Capoeira nunca vai subir até ele. Porque a Capoeira ainda hoje é uma maneira viva da gente humilde se manifestar. Hoje, olhando a história da Capoeira, a gente pode ver como ela continua importante, vê como ela começou e porque ela continuou: sempre foi uma coisa coletiva, uma manifestação de grupo. Então, na medida em que um sujeito vai se ligando à Capoeira ele vai se ligando também às coisas do povo.
Depois eu vejo a Capoeira também como um grande benefício em termos de saúde, em termos físicos, para a pessoa viver bem: a Capoeira mexe com todos os músculos, todas as articulações, é uma forma de descarregar tensões, agressividades. A Capoeira é um segredo que a pessoa adquire e que lhe dá segurança, evita que ande por aí provocando os outros, porque não precisa mais provar que é capaz de bater em alguém. Toda manifestação de criatividade popular é uma manifestação importante de cultura vivida. É uma forma do povo reagir contra as situações, porque toda manifestação popular, mesmo inconsciente, é sempre uma reação a alguma coisa, uma espécie de resistência a qualquer tipo de opressão. Mas hoje eu vejo muito como diz aquela música do Luís Gonzaga que o rádio e a televisão estão penetrando até nas matas, estão tirando do povo aquelas raízes. E eu acho que o importante para manter viva nossa cultura seria mostrar ao povo a importância de suas raizes. Isso é o que deveria ser feito.Com a evolução da Capoeira, muitos estudantes, muita gente fina, começaram a entrar nas academias e começou então um movimento no sentido de organizar a Capoeira, fazer uma federação. E organizar era um primeiro passo para fazer a Capoeira entrar na sociedade, ser melhor reconhecida. Mas as pessoas simples das escolas, que eram os principais interessados, foram sendo deixadas de lado, os organizadores eram todos advogados, engenheiros, militares, esportistas de carreira, gente quase toda de fora da Capoeira. Por isso aconteceram algumas coisas que, se fossem efetivadas, seriam prejudiciais à história e ao espírito da Capoeira. Por exemplo, resolveram organizar os capoeiristas em categorias, como tem no judô, no karatê. E dividiram os alunos capoeiristas em quatro categorias, usando para identificar cada categoria uma cor da bandeira brasileira. Primeiro, para o iniciante, o cordão verde, depois azul, depois amarelo, depois branco. Quando o aluno se formava, passava a usar um cordão com todas as cores da bandeira. Nós não concordamos com essa soluçâo, porque estava fugindo das raizes da Capoeira, uma vez que só nas lutas orientais as categorias são identificadas por cores. Para eles isso tem muito sentido, porque na filosofia oriental as cores têm um grande significado e muita importância, Mas para nós, pro brasileiro, a cor não significa nada. Então nós achamos que a organização deveria ser outra, mais ligada à história da Capoeira. Dividimos o curso em quatro fases mesmo, mas com outras denominações: Escravo, Quilombola, Liberto e Capitão da Areia. E tem uma razão pra isso. O negro quando era escravo estava começando a mexer seu corpo para aprender a lutar e poder fugir, enfrentar os capitães-do-mato. É o aprendizado. Depois, quando ele já aprendeu um pouco e fugiu, vira Qudombola, quando a Capoeira já é uma arma pra ele, mas ainda não muito aperfeiçoada. Na terceira fase ele é o Liberto, o negro depois da abolição, malandro, sobrevivendo em maltas, perigoso, uma fase em que a Capoeira já é a vida dele. Depois que ele se forma, vira um Capitão da Areia, porque ninguém conhece mais a vida do que um capitão da areia. É como um trombadinha, que viveu tão difícil que já aprendeu tudo da vida, todas as malandragens, para sobreviver, Então o capoeirista que se forma tem que ser como um capitão da areia no conhecimento da vida, no conhecimento do povo, da filosofia da Capoeira. Ele tem que ter a coragem do homem do povo, com a sabedoria do povo. Em cada uma dessas fases, o aluno recebe um tipo de cinto diferente que simboliza sua condição: o Escravo recebe uma corrente; o Quilombola, uma corda; o Liberto, um lenço de seda; o Capitão da Areia um cinto com corrente, corda e seda, representando tudo o que ele já foi.
Outra coisa que a organização da Capoeira exigia era competição, porque pra ser um esporte precisa ter competição. Está certo, isso mesmo é que precisa ser feito. Mas quando foi organizada, a primeira competição foi um vexame muito grande. Primeiro porque fizeram as regras baseadas nas regras do karatê. Capoeira é outra coisa. O jeito da gente chegar e sentar, encostar num lugar, não tem essa rigidez marcial, coisa e tal, não. A Capoeira segue a lei do corpo, é vida, não é coisa falsa, tem que ser como água, cai e escorrega, desliza, não tem brecha que não entre, Capoeira não pode ser o karatê, o kung-fu brasileiro.Então fizeram o primeiro campeonato aqui em São Paulo, em outubro do ano passado, reunindo os campeões da Bahia, do Rio, de São Paulo e de outros lugares. Mas o jogo já começou errado porque foi feito sem a instrumentação, só com o berimbau, sem canto, sem música. Então, bons capoeíristas que entraram para competir ficaram mais preocupados em só mostrar aquele negócio seco, aquele pá-pum, que nem no judô. Mas isso não pode ser boa Capoeira. Capoeirista nunca procura agarrar o adversário, nunca apara golpes, mas em função das regras, da contagem de pontos, os capoeiristas tinham que fazer isso. Sabe por que a Capoeira é uma luta que se formou assim, sem um precisar agarrar o outro? E porque a Capoeira sempre foi a arma do mais fraco, do que está sempre em minoria. Ele procurava sempre se safar e se safando atingir o adversário. Ele usava malícia, mandinga, esse é o espírito da luta e que deveria ser usado no julgamento dos golpes, e não o do karatê.
Mas tudo isso eu acho que aconteceu por causa de um processo que foi acontecendo na Capoeira, quando mais gente de classe média quis ver e lutar Capoeira e já influenciada pelas lutas orientais quiseram forçá-la a ficar parecida com elas, e assim entrar mais fácil na sociedade: queriam «melhorar» a Capoeira e isso foi um grande erro. A Capoeira é o que ela é e pronto.
Uma demonstração de Capoeira parece inofensiva. Mas é aí mesmo que tá o veneno, meu irmão, o perigo. A Capoeira tem golpes traumatizantes, desequilibrantes, mortais; muitas defesas contra armas brancas, porretes. E cada toque do berimbau significa um tipo de jogo, mais lento ou mais veloz, mais venenoso ou mais aberto. Por exemplo, tem toque Cavalaria, que parece mesmo o tropel de muitos cavalos. Isso nasceu quando a Capoeira era proibida e vinha a cavalaria pra acabar com ela, quando o pessoal estava jogando num lugar. Quando dava esse toque, todos paravam, o pessoal que tocava berimbau tirava uma pequena foice do bolso e enfiava no pau do berimbau e virava uma arma. E assim é que foi se solidificando a Capoeira, uma luta de liberdade na época da escravidão; uma forma de sobrevivência dos marginalizados após a libertação e agora uma forma de manifestação popular, uma memória histórica.
* Entrevista concedida por Mestre Almir a Murilo Carvalho, no jornal Movimento, 13/9/76.
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