CLADÍSTICA DE ESPERMATÓFITAS

Estudos cladísticos

Durante muitos anos o conceito evolutivo foi incorporado de maneira arbitrária no sistema de classificação dos organismos. A reunião de grupos de organismos em um táxon era geralmente justificada pelo compartilhamento de caracteres que, para o autor. Na década de 50, entretanto, Hennig estruturou de modo consistente os princípios da sistemática filogenética. Ele deixou claro a diferença entre similaridades e similaridades derivada a partir de modificações de um ancestral comum exclusivo, ou seja, sinapomorfias. Um sistema filogenético é um sistema baseado na ancestralidade. Estabeleceu-se, então, um critério universal para classificação dos organismos. Hennig não estabeleceu um critério para se obter a filogenia de um grupo, mas sugeriu que diante de uma filogenia obtida a partir da comunhão do maior número de informações, deveriam ser considerados evolutivamente significativos apenas aqueles grupos monofiléticos, ou seja, grupos definidos a partir de sinapomorfias.

A difusão do trabalho de Hennig aconteceu apenas 11 anos mais tarde, com a tradução do seu trabalho em inglês. A partir dai, a prioridade da classificação na sistemática foi transferida para a busca de hipóteses filogenéticas. Uma filogenia pode ser apenas empírica, como a de Cronquist. O autor, tem uma idéia preconcebida da evolução dos caracteres. Essas idéias podem ser inferidas através da gradação de caracteres entre grupos relacionados, por exemplo. Cronquist adotava a hipótese Antostrobilar para origem das Angiospermas e assim, as angiospermas primitivas seriam semelhantes ao que encontramos em Magnoliidae, mais especificamente nas arbóreas, como Winteraceae (Veja Aula 2). Entretanto, essas hipóteses empíricas passaram a ser substituídas por hipóteses sustentadas por métodos mais objetivos, capazes de serem criticados de maneira mais clara.

Métodos numéricos mais objetivos para elaboração de hipóteses filogenéticas surgiram por volta da década de 60. Na botânica, elas se estabeleceram cerca de 20 anos mais tarde. A sistemática filogenética passou a estar baseada em uma série de procedimentos que procuram reconstruir a história evolutiva de um grupo. O primeiro passo desse procedimento é a composição de uma matriz, com terminais (táxons cuja relação se quer verificar) e caracteres (propriedades dos táxons, que podem ser morfológicas ou moleculares). A matriz é analizada, então, segundo alguns critérios. Em morfologia, o principal critério é a parcimônia, princípio baseados na simplicidade de hipóteses. A árvore mais parcimoniosa é aquela que contém menos passos, ou seja, que possuem o menor número de transformações de estados de caracteres. A base do princípio está em encontrar uma hipótese que assuma o menor número de hipóteses independentes, aumentando seu poder de explanação e minimizando a probabilidade de erros. Uma hipótese mais parcimoniosa é mais facilmente refutável, critério adotado por Popper e seguido pelos seguidores de sua lógica dedutiva.

Diferente de morfologia, dados moleculares permitem que assumamos algumas premissas evolutivas. Por exemplo, se sabe que algumas regiões são ricas em C e T e portanto as chances de uma substituição por esses nucleotídeos é maior; pela forma das moléculas sabemos que a taxas de transversão e transição são diferentes por causa da morfologia estrutural entre as moléculas. Dessa maneira, é possível utilizar conhecimentos evolutivos prévios na análise de hipóteses filogenéticas. Assim, surgiu a idéia de se avaliar uma hipótese através da máxima verossimilhança. A máxima verossimilhança estima a probabilidade dos nossos dados frente uma determinada hipótese. Nossa hipótese é a árvore e o conjunto de premissas evolutivas que assumimos. Assim, essa avaliação deve estimar a probabilidade de todas as árvores possíveis de acordo com nossas premissas. A árvore que indicar a maior probabilidade para os nossos dados é a mais provável. Como é necessário uma busca exaustiva, esse procedimento é computacionalmente inviável mesmo para um número não muito grande de táxons. Alguns atalhos foram então utilizados, o mais comum é estimar a distância molecular entre os terminais, incluindo correções.

Num cladograma, conceitos básicos são importantes, como sinapomorfia ou plesiomorfia, grupo irmão, raiz, etc. A idéia de clados basais, por exemplo, é equivocada. Um clado com cinco terminais é basal em relação a um com 500? Não, eles são irmãos, tendo surgido na mesma época. Mas a classificação nem sempre reflete a filogenia e nem sempre uma família é grupo irmão de outra família. Diante de uma filogenia, existem inúmeras possibilidades de arranjos, e táxons de mesmo nível taxonômico não podem ser confundidos com grupos evolutivamente equivalentes. Clados também possuem suas propriedades particulares internas. Dois clados aparentemente desiguais, com 5 e 500 terminais podem esconder algumas peculiaridades. Clados diversos podem levar a crença de que sua sinapomorfia é uma condição chave para a diversificação do clado. Na realidade, no entanto, essa diversificação pode ter sido muito mais intensa internamente, num subgrupo específico. Outro conceito importante é de clado com base no ramo ou com base no grupo atual. O clado que inclui os grupos atuais pode ter surgido há 100 Ma, mas a divergência do ramo que levou a esse clado pode ter iniciado muito antes, há 200 Ma, quando também teria surgido seu grupo irmão. No clado do ramo, muitos representantes podem estar extintos e não possuírem todas as características do grrupo atual (Doyle & Donoughue 1993).

 

Crane 1985

Os primeiros trabalhos morfológicos tentando reconstruir a filogenia das espermatófitas foram realizados no início dos anos 80 por Parenti. Um dos estudos filogenéticos pioneiros abordando espermatófitas em geral foi feito por Hill & Crane (1982) e refeito por Crane (1985), que incluiu fósseis e corrigiu muitos problemas na análise dos caracteres.

Os grupos de angiospermas em vez de ramos de uma única árvore filogenética pareciam eles mesmos árvores enraizadas em um lugar desconhecido. A inclusão dos óvulos em carpelos é a característica-chave na definição das angiospermas, entretanto a origem dos ovários das angiospermas ainda é um mistério. Ele poderia ter derivado da bráctea de um esporofilo ou da expansão do ramo ovulífero. Não se sabe nem se a origem do carpelo é plicada (involuta) ou ascidiada (convoluta). Detectar o estado plesiomórfico dessa estrutura em grupos extintos ou atuais seria fundamental na investigação da origem das angiospermas. Em 1985, Peter Crane, caracterizou os grupos de espermatófitas atuais e as fósseis melhor conhecidas, elaborando uma matriz morfológica de modo a estabelecer o grupo que possivelmente estaria mais relacionado com as angiospermas.

A matriz conta com 39 caracteres e 19 terminais. A polarização dos caracteres foi estabelecida através de sua suposta evolução. Por se tratar de uma matriz morfológica com grupos muito divergentes evolutivamente, inúmeros caracteres não puderam ser aplicados em todos os terminais e, por incluir grupos fósseis, muitas foram as incertezas, principalmente em relação a estados de caracteres reprodutivos essenciais, como dupla fecundação ou número de núcleos no gametófito feminino. Uma questão crucial, por exemplo, é a homologia entre as cúpulas das pteridospermas e os óvulos de Bennettitales e angiospermas. Para discutir esse caracter mais especificamente ele construiu duas árvores, uma considerando essas estruturas homólogas e outra não homólogas, alterando para isso o estado de três caracteres relacionados.

Ele concluiu que as espermatófitas são definidas pela presença de um tegumento com uma micrópila diferenciada envolvendo o megasporângio, que contêm uma única célula-mãe do megásporo funcional e cuja embriogênese tem fase nuclear livre (revertida secundariamente em Welwitschia e angiospermas). Em ambos os cladogramas, as pteridosmermas, um grupo bastante variado, aparecem relacionadas com grupos distintos, não formando um clado. As Cycadales divergiram na base, representando o grupo irmão vivo das demais espermatófitas atuais. As coníferas estão mais relacionadas com as Cordaitales e aparecem num clado que também inclui as Ginkgo. As Gnetales formam um clado com as angiospermas, mas suportado exclusivamente pela sifonogamia, que também existe nas coníferas e não pode ser codificada para os grupos fósseis. Nesse caso, as gimnospermas atuais formam um grupo parafilético.

As Bennettitales apresentam-se relacionadas com o clado que engloba as Gnetales e as angiospermas. As Caytoniales, por outro lado, aparecem num outro clado distinto quando a cúpula não é considerada homóloga aos óvulos bitegumentados ou como grupo irmão (incluindo no clado também as coritospermas) quando a homologia é considerada. No primeiro caso, a cúpula das pteridospermas não seria homóloga ao óvulo das Bennettitales e das angiospermas; no segundo, entretanto, o megasporofilo com muitas cúpula de Caytoniales teria reduzido o número de cúpulas para poucas e de óvulos para um como nas coritospermas (mas na descrição, as coritospermas são caracterizadas por megasporofilos ramificados, cada qual com numerosas cúpulas). Uma inversão da cúpula para o óvulo ortótropo associada a uma extrema redução do números de cúpulas para uma por megasporofilo poderia ter derivado em Pentoxylon, e a degeneração de alguns óvulos pode ter resultado na cabeça fértil de Bennettitales, onde o óvulo representaria um megasporofilo reduzido. A redução do tegumento externo em Gnetales e a manutenção de óvulos anátropos nas angiospermas explicaria essas condições nos dois grupos. O carpelo da angiospermas seria, então, uma folha conduplicada (ou derivada da expansão e soldadura da raque do megasporofilo bastante reduzido das coritosperma) incluindo no estado primitivo numerosas cúpulas uniovuladas (entretanto alguns grupos antigos possuem apenas um óvulo, como Chloranthaceae). Dentre os problemas nessa suposta evolução, Crane considerou a inversão do óvulo no clado Bennettitales-Pentoxylon. Entretanto, essa hipótese evolutiva pressupoe uma nova inversão para óvulos ortótropos em Gnetales e uma reversão para óvulos ortótropos dentro das angiospermas.

 

Hori 1985

No mesmo ano, Hori et al. (1985) publicaram um cladograma com dados moleculares, incluindo 28 seqüências de 5S rRNA para investigar a relação das plantas clorofiladas. Eles incluíram seis algas verdes (Chlorophytas) e uma Charophyta, quatro briófitas, quatro pteridófitas, três gymnospermas e dez angiospermas. O cladograma é realizado através das distâncias entre as seqüências corrigidas segundo um modelo evolutivo seguida de análise de agrupamento (WPGMA e UPGMA), método fenético.

  1. As pteridófitas e as espermatófitas são plantas vasculares. A idéia tradicional é que as plantas vasculares teriam derivado das briófitas. Nesse cladograma, no entanto, as espermatófitas divergiram antes da origem das briófitas, que aparecem mais relacionadas com as pteridófitas, favorecendo a idéia de uma evolução por degeneração.
  2. As gimnospermas formam um grupo monofilético; não foram incluídos representantes de Gnetales.

 

Doyle & Donoghue 1987

Um ano depois, Doyle & Donoghue apresentaram estudos morfológicos investigando a relação das angiospermas, um deles revisado posteriormente (Doyle & Donoghue 1987). Seguros que as angiospermas e as coníferas são grupos monofiléticos, elas foram incluídas como terminais. Eles usaram 20 terminais e 62 caracteres e em vez de polarização por suposta evolução de caracteres, ele selecionaram Aneurophyton (progimnosperma) para ser usado como grupos externo.

Dentre os grupos atuais, as Gnetales são o grupo mais relacionados com as angiospermas e foram denominadas antófitas. Os resultados, entretanto, diferem dos obtidos por Crane (1985). As Bennettitales formam um grupo com Gnetales, e juntas formam o grupo irmão das angiospermas. Assim, apesar da relação de proximidade com Gnetales, em vez de sustentar a teoria do pseudanto, o cladograma sustenta a teoria antostrobilar, segundo a qual as angiospermas teriam derivado de um ancestral comum com flores bissexuais e megasporofilos e microsporofilos pinados. As flores de Gnetales teriam derivado a partir de uma redução secundária e agregação associados à polinização pelo vento. Enquanto o carpelo seria uma característica foliar primitiva, os estames teriam derivado da redução dos sinângios de Caytonia. As Bennetitales teriam mantido os microsporofilos pinados, mas o ancestral comum de Bennettitales e Gnetales teria sofrido redução do megasporofilo para um óvulo, simplificação do microsporofilo teria ocorrido também em Gnetales.

Nesse caso, a origem das angiospermas teria que ser empurrada para a mesma época das Bennettitales, ou seja, Triássico superior e evidências seguras de angiospermas só são conhecidas a partir do Cretáceo Inferior. A árvore, no entanto, possui um grande número de homoplasias, tornando os resultados muito sensíveis a qualquer alteração, permitindo inúmeras alternativas. Por exemplo, apenas quatro passos a mais colocariam Gnetales como grupo irmão de coníferas.

Troistky et al. 1991

Uma análise molecular usando cinco regiões de RNAs, 5.8S e 5S RNAs do citosol, o 4.5S e 5S RNAs do cloroplasto, a seqüência parcial do 18S RNA do citosol, totalizando 760 posições. As análise foram feitas utilizando compatibildade (a partir da probabilidade de subárvores com quatro terminais) e parcimônia. Os cladogramas obtidos a partir de terminais e regiões distintas apresentaram topologias distintas, entretanto alguns padrões podem ser observados.

1) As gimnospermas aparecem em todos os cladogramas como grupo monofilétio. Como alguns grupos de gimnospermas já apareciam distintos no Carbonífero, essa topologia implica uma divergência entre gimno e angiospermas ainda mais antiga, talvez no Devoniano (ca. 360 Ma.). Dois fatores explicariam a ausência de angiospermas anteriores ao Cretáceo: Elas não teriam adquirido as características de angiospermas e estariam sendo confundidas com gimnospermas, ou elas estariam restritas a ambientes onde a preservação de fósseis seria rara.

2) As monocotiledôneas aparecem em alguns cladogramas como grupo parafilético, onde estariam incluídas as dicotiledôneas. Isso poderia ser corroborado pela presença antiga das monocotiledôneas no registro fóssil e por algumas hipóteses de evolução morfológicas.

Loconte & Stevenson 1990

Nos cladogramas de Parenti (1980), Hill & Crane (1982), Crane (1985) e Doyle & Donoghue (1986), as angiospermas aparecem invariavelmente inseridas nas atuais gimnospermas rendedo àquelas a condição de parafiléticas. As Gnetales aparecem geralmente como grupo-irmão das angiospermas, mas o arranjo dos componentes de espermatófitas vária de acordo com o estudo. Então Loconte & Stevenson (1990) realizaram uma nova análise, utilizando 11 terminais e 39 caracteres reavaliados a partir principalmente de Crane (1985) e Doyle e Donoghue (1986). Eles usaram as versões novas do PAUP e do MacClade, o que entre outras coisas permitia a inclusão de caracteres polimórficos.

A árvore mais parcimoniosa (uma única) indicou 11 autapomorfias para as angiospermas e confirmou Gnetales como seu grupo-irmão vivo. Algumas supostas homologias entre angiospermas e Gnetales foram discutidas e apesar do clado Anaspermae ser sustentado por algumas sinapomorfias, são inúmeros os casos de homoplasias entre angiospermas e Gnetales. As gimnospermas aparecem mais uma vez como grupo parafilético; um cladograma que forçasse as gimnospermas formarem um grupo monofilético, seria seis passos mais longa.