Publicado na Revista Istoé em
maio/2001
Puritanos querem proibir a amamentação
por considerá-la uma "prática libidinosa"
e um "desrespeito" aos direitos da criança
Ainda bem que a Madona amamentando o
filho imortalizada na tela do pintor espanhol Pedro Machuca
(?-1550) não vive nos Estados Unidos do terceiro milênio.
Caso contrário, a Virgem Maria poderia acabar atrás
das grades e ter o menino Jesus arrancado de seus braços
para ser criado por uma família de caipiras do meio-oeste
americano. Seguiria, desse modo, o exemplo de uma cidadã
da prosaica cidade de Champaign, em Illinois, que foi levada às
barras de um tribunal, perdendo por seis meses a guarda do filho
de cinco anos. Seu crime: amamentar a criança um pouco
crescida. Em 30 Estados americanos, uma espécie de febre
fundamentalista protestante colocou o aleitamento materno sob
suspeita, quando não sumariamente condenado como "desrespeito
aos direitos civis da criança, além de constituir
comportamento primitivo e incestuoso que, pode levar a criança
à promiscuidade sexual". Este inacreditável
julgamento é feito pelo respeitável pastor
Jonathan Thornley, do movimento "Cidadãos Contra a
Amamentação". Ele e seus seguidores
representam apenas a ala mais radical de uma linha de pensamento
que considera o leite materno impróprio para consumo - de
maiores ou menores de idade. A mãe de Champaign, que teve
identidade mantida em sigilo "para proteger o bem-estar de
seu filho", é apenas o exemplo que ganhou manchetes
internacionais, mas que representa uma espantosa animosidade do
país contra a amamentação (em ambiente público
ou privado). A cada mês, 60 mulheres perdem o emprego por
amamentar o filho, ou simplesmente ousar retirar através
de bomba de sucção o próprio leite em
locais de trabalho.
É praticamente impossível
olhar uma banca de revistas americana sem que se veja uma profusão
de peitos de mulheres. Nada menos que 85% das revistas de grande
tiragem do país estamparam mamilos em suas páginas
no último ano, segundo pesquisa da Associação
dos Editores Americanos. Trata-se, como se sabe, de uma preferência
nacional. Mas que ninguém se engane: no caso dos seios, a
forma não deve obedecer à função. "O
seio cada vez mais é proibido de cumprir sua vocação
natural, que é a de amamentar. Foi relegado à
condição de acessório", disse a ISTOÉ
a professora Camille Paglia. As estatísticas indicam que
ela pode ter razão. De acordo com pesquisa da Associação
dos Fabricantes de Leite Artificial, 83% das crianças
americanas são desmamadas antes de seu primeiro aniversário.
Em contrapartida, na África, Ásia, América
Latina e nos países escandinavos, o aleitamento segue até
os três anos de idade. O Escritório de Referência
Populacional do governo americano diz que em 63 países em
desenvolvimento 95% das mulheres amamentam. No Peru, a idade média
para o desmame é 20 meses; no Nepal, 31 meses e, nos
Estados Unidos, o tempo cai para seis meses. No final do ano
passado, uma pesquisa com mulheres no interior da China,
conduzida pela Universidade de Yale, mostrou que as mães
que amamentaram seus filhos por dois anos ou mais reduziram seus
riscos de câncer de mama em 50%.
"A amamentação reforça
o sistema imunológico das crianças. Está
relacionada com o decréscimo de problemas respiratórios,
infecções no ouvido, diabete e síndrome de
morte súbita de crianças. Também diminui
riscos de problemas cardíacos, além de aumentar o
QI da criança. Já do lado apenas cultural,
acredito que a amamentação ajuda a criar laços
estreitos entre mãe e filho", disse a ISTOÉ
Donald Gribetz, um dos pediatras mais conceituados do hospital
Mount Sinai de Nova York.
Pensamento:
"Através dos anos percebi que o deus pra quem eu
rezava era o deus que eu inventei. Quando eu falava com ele,
falava comigo mesmo. Ele não tinha conhecimento ou
qualidades que eu não tenho. Quando percebi que deus era
uma extensão da minha imaginação, parei de
rezar pra ele." Howard Kreisner, âncora do programa "The
American Atheist Hour".
