Publicado na Edição 209 da
                Revista Época em 20/05/2002 
              
              Golpes, contratos irregulares e
                processos fazem parte do dia-a-dia de uma das igrejas que mais
                crescem no Brasil  
              
              A Igreja Renascer em Cristo tem um lado
                cada vez mais visível em todo o país. É
                representado pela face familiar de seus líderes, o apóstolo
                Estevam Hernandes Filho, de 48 anos, e sua mulher, a bispa
                Sonia, de 43. Eles estão diariamente em seu canal de TV,
                a Rede Gospel, e em 17 emissoras de rádio controladas por
                sua família. Organizam todo ano a Marcha para Jesus,
                evento que em 2001 reuniu 400 mil evangélicos em São
                Paulo, e comandam projetos de ajuda a idosos, crianças
                carentes e dependentes de drogas. Suas pregações dão
                esperança a milhares de fiéis, que se amparam nos
                discursos otimistas do apóstolo e da bispa para ter forças
                para enfrentar o cotidiano. Com uma mensagem moderna que comove
                a classe média, a igreja viu seu rebanho crescer 100% em
                três anos - cinco vezes mais que a média das
                denominações evangélicas. O que poucos
                conhecem, porém, é o lado oculto da Renascer. Sob
                uma fachada de luxo e glamour, o apóstolo e a bispa levam
                uma vida enroladíssima, deixando pelo caminho um rastro
                de pessoas lesadas - entre as quais muitos fiéis da própria
                igreja. As irregularidades vão de pequenas malandragens a
                atividades que, segundo cinco juristas que examinaram os casos a
                pedido de ÉPOCA, podem ser enquadradas no Código
                Penal, em artigos que tratam de crimes como falsidade ideológica,
                estelionato, fraude fiscal e até formação
                de quadrilha. 
              
              O lado sombrio da Renascer se revela a
                pessoas como a professora Maria Margarida Pinto Coelho, de 62
                anos, de Brasília. Criada na Igreja Batista, ela conheceu
                a pregação dos Hernandes em 1998 e passou a freqüentar
                seus cultos. Fazia doações e até dava aulas
                como voluntária numa escola da igreja. No ano seguinte,
                um bispo a procurou para pedir-lhe um favor. A instituição
                necessitava de dois fiadores para alugar um cinema, onde
                instalaria um templo. "Eles precisavam de gente que tivesse
                imóveis em seu nome", diz ela. Depois de muita
                insistência, Maria Margarida e outra fiel aceitaram de
                boa-fé. A professora só estranhou um pouco quando
                o bispo pediu que não contasse nada a ninguém, "nem
                para a própria família", recorda. Em maio do
                ano passado ela descobriu que estava numa encrenca. Um oficial
                de Justiça bateu a sua porta para notificá-la de
                que a igreja não pagara os aluguéis. Ela, como
                fiadora, teria de honrar o contrato.A pendura estava em R$ 71
                mil. Há alguns dias, a professora recebeu a visita de
                outro oficial. Ele comunicou que Maria Margarida tinha 24 horas
                para pagar a dívida - agora já somando R$ 260 mil
                -, ou perderia o apartamento. Pela lei brasileira, a casa de uma
                pessoa não pode ser confiscada como pagamento de dívida.
                A não ser quando ela é fiadora de um contrato. "Foi
                um choque. Nunca imaginei que minha fé pudesse ser
                explorada dessa maneira", diz a professora. Érica
                Vieira, advogada de Maria Margarida e de outra fiel que pode
                ficar sem casa, recorreu da decisão e abriu uma
                representação criminal contra a Renascer, por
                estelionato. "Isso não é uma igreja, é
                uma quadrilha", acusa. 
              
              Casos como o de Margarida se multiplicam.
                A dona-de-casa paulistana Antonieta Hakimian se arrepende até
                hoje do dia em que alugou um galpão para a igreja. Foi há
                seis anos. Os inquilinos pagaram os dois primeiros aluguéis.
                "Depois, nunca mais vi dinheiro algum", conta ela. "Falavam
                que o dízimo não estava dando, mas acho estranho
                porque eles têm muito dinheiro." Após três
                anos sem receber, ela foi à sede da Renascer procurar a
                bispa Sonia. "Ela chegou num carro importado e nem se
                dignou a considerar nosso caso, ignorando o fato de meu marido
                estar doente e vendo a gente passar necessidade",
                queixa-se. Antonieta tem R$ 25 mil a receber. ÉPOCA
                localizou outras 19 pessoas vítimas do mesmo tipo de
                golpe, algumas das quais se dispuseram a dar seu depoimento à
                reportagem. 
              
              Ninguém está livre de ficar
                sem dinheiro e atrasar uma conta. Essa situação
                ocorre com pessoas de bem e também com empresas sólidas,
                de patrimônio imenso. O que surpreende, na Renascer, é
                a freqüência metódica com que isso acontece,
                sempre seguindo um padrão. Primeiro, a igreja pára
                de pagar as contas. Então os credores têm
                dificuldade para cobrar porque os endereços fornecidos
                pelos Hernandes são de lugares onde eles já não
                moram - em alguns casos, há mais de seis anos. Quando
                alguém tenta pedir o arresto de bens para garantir o
                pagamento das dívidas, descobre que nada está em
                nome do casal. "Comprovado, esse comportamento pode
                caracterizar falsidade ideológica, estelionato e fraude
                fiscal", diz o criminalista Luiz Flávio Gomes. "A
                habitualidade na prática de não pagar é um
                indicativo da intenção, que caracteriza o crime de
                estelionato", afirma o jurista Arnaldo Malheiros Filho, um
                dos mais respeitados do país. 
              
                
                  | 
                  
                   Vítimas da boa-fé
                      
                  
                  Nesta página e nas
                    seguintes, o que dizem algumas das 21 pessoas ouvidas por ÉPOCA
                      
                  
                  MARIA MARGARIDA PINTO COELHO,
                    PROFESSORA, EM BRASÍLIA, 62 ANOS  
                     "O bispo de Brasília e a mulher dele me
                    pressionaram tanto que aceitei ser fiadora no aluguel de um
                    antigo cinema. Depois, disseram para eu não contar
                    nada a minha família. Agora estou quase perdendo meu
                    apartamento, comprado com o resultado de 25 anos de
                    economias. Nunca imaginei que minha fé seria
                    explorada dessa maneira."  
                  
                  MARCO ANTONIO LOPES DOS SANTOS,
                    EX-BISPO DA RENASCER, PAULISTA, 40 ANOS  
                     "Fui avalista da igreja no aluguel de quatro imóveis.
                    Em todos tive problemas. A todo momento recebo intimações
                    e meu nome ficou sujo na praça. Deixei a Renascer por
                    causa dessas confusões. Tentei negociar com o apóstolo
                    Estevam. No começo ele até retornava meus
                    telefonemas, mas agora nem dá mais satisfações.
                    Espero que a Justiça resolva."  
                  
                  ANTONIO FONTANA ROSA, APOSENTADO,
                    ITALIANO, 74 ANOS  
                     "Os líderes da Renascer vivem à custa de
                    pessoas humildes como eu. Eles não pagaram o aluguel
                    do meu imóvel, um salão de festas, que é
                    minha principal fonte de renda e foi construído com
                    muito sacrifício. E ainda quebraram o piso, tiraram o
                    forro do telhado, arrancaram o palco e entupiram os
                    banheiros. Tive um prejuízo enorme."   | 
                
              
              
              Um levantamento parcial mostra que só
                na cidade de São Paulo existem 47 processos contra a
                Renascer. No Distrito Federal há outros quatro. A maioria
                é de cobrança ou de despejo. Numa ação
                cobra-se um calote de R$ 800 mil em aluguéis de um sítio
                em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São
                Paulo. Outra, movida pela gráfica Bloch, cobra R$ 7 milhões.
                Mas há também processos de outra natureza. Um
                deles, por uso indevido de marca, foi movido pelos Gideões,
                uma instituição mantida por empresários
                protestantes que distribuem exemplares do Novo Testamento a hotéis
                do mundo inteiro. A Renascer fez uma campanha para arrecadar
                dinheiro com carnês batizados de Desafio dos Gideões.
                A instituição considera que a igreja está
                se aproveitando de seu nome para obter contribuições
                de incautos. 
              
              Os cartórios da capital paulista
                apontam também 17 títulos protestados, que ainda não
                chegaram à Justiça. As confusões aparecem
                até quando a igreja se propõe a acertar as dívidas.
                No ano passado, a Renascer ofereceu um lote de esmeraldas como
                pagamento de uma ação trabalhista. As pedras,
                segundo a igreja, somariam 520 quilates e valeriam R$ 208 mil. O
                juiz não aceitou a oferta, por julgar que elas não
                poderiam ser facilmente vendidas. Descobriu-se mais tarde que o
                laudo de avaliação era assinado por Dimitri
                Paraskevopulos, um perito malvisto no mercado de pedras
                preciosas e réu num processo por emissão de laudos
                fraudulentos. "Ninguém encomenda um laudo desses
                ingenuamente. Quem o procura quer armar alguma picaretagem",
                diz um agente que investiga o perito. O inquérito da PF
                constatou que se tentou avaliar por R$ 500 mil um punhado de
                cascalhos de esmeralda que mal valia R$ 2 mil. "Há
                muitos casos semelhantes envolvendo esse cidadão. Se for
                comprovado que os líderes da igreja agiram de má-fé,
                eles podem ser indiciados por estelionato", diz o delegado
                Francisco Moura Velho, responsável pelo caso. Em pelo
                menos mais um episódio a Renascer tentou pagar dívidas
                com as tais esmeraldas. 
              
              Na estrutura montada pelos Hernandes, a
                Fundação Renascer é o braço responsável
                pelos projetos sociais. Com certificado de filantropia federal,
                ela desenvolve ações com crianças carentes,
                idosos e dependentes de drogas - e, por conta disso, é
                isenta de pagar impostos. Aproveitando-se desse benefício,
                também se aventura em outras atividades, não
                necessariamente benemerentes. Em agosto do ano passado, comprou
                em Avon Park, na Flórida, um terreno onde pretende
                construir o projeto Renascer World. Formalmente, é um
                centro de treinamento de missionários. Nos panfletos
                distribuídos aos fiéis, é um resort a duas
                horas de distância da Disney. Na prática, é
                um sistema de reservas antecipadas em hotéis, conhecido
                como time sharing. Quem pagar R$ 7 mil, em 24 prestações,
                tem direito a se hospedar uma semana por ano em hotéis da
                rede Interval. A taxa anual de manutenção do título
                é de US$ 300. O que títulos de time sharing têm
                a ver com os objetivos filantrópicos da fundação?
                Aparentemente, nada. "Isso precisa ser investigado. Fundações
                beneficentes não podem praticar atos que visem ao lucro",
                diz o promotor Edson José Rafael, da curadoria de fundações
                do Ministério Público paulista. Ele lembra
                inclusive que a entidade não entregou a prestação
                de contas de 2001. O prazo final venceu em abril. 
              
              Instituição sem fins
                lucrativos, a fundação tem relações íntimas
                com uma empresa lucrativíssima, a agência de
                publicidade Abbud Comunicação, que fatura R$ 2,6
                milhões por ano. Registrada em nome de um bispo, Antônio
                Carlos Abbud, a empresa anda usando o CNPJ da Fundação
                Renascer, em lugar do próprio número do cadastro.
                Confusões como essa algumas vezes ä acontecem por
                equívoco. Outras vezes, ocorrem quando uma empresa quer
                esconder o crédito sujo na praça, usando o CNPJ
                alheio. "Isso pode caracterizar crime de falsidade ideológica",
                diz o advogado Adriano Salles Vanni, vice-presidente do
                Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Nos cartórios
                de São Paulo, há quatro cobranças em nome
                da Abbud com o CNPJ da Fundação Renascer. 
              
                
                  | 
                  
                   O poderoso império da
                    Renascer   
                  
                  Em três anos, a igreja
                    cresceu 100%, cinco vezes mais que a média das outras
                    denominações evangélicas   
                  
                  Publicações Gamaliel  
                     Uma das fontes de renda da família Hernandes, vende
                    seus produtos - CDs, DVDs e livros - nos quiosques
                    existentes na maioria dos templos da Renascer  
                  
                  Colégio Gamaliel  
                     Empresa do apóstolo, a escola atende crianças
                    a partir dos 3 anos de idade. A mensalidade média é
                    R$ 300  
                  
                  Igreja Renascer  
                     Acumula templos - já são 400 - e processos na
                    Justiça, só em São Paulo, capital, são
                    47 ações. Na Justiça do Trabalho,
                    ofereceu como garantia de uma dívida esmeraldas que
                    valeriam R$ 208 mil. A avaliação foi feita por
                    um perito indiciado pela Polícia Federal como autor
                    de laudos falsos  
                  
                  Fundação Renascer  
                     Braço social da igreja, a instituição
                    tem promovido atividades comerciais, como a venda de títulos
                    de um resort nos Estados Unidos. Isso fere a lei das fundações
                     
                  
                  Fundação Trindade  
                     Presidida por Felippe Hernandes, filho do apóstolo
                    Estevam e da bispa Sonia, a instituição é
                    a verdadeira dona da concessão da Rede Gospel, o
                    canal de TV educativa que serve de púlpito eletrônico
                    para a Renascer  
                  
                  Campanha antidrogas  
                     Promete construir 25 centros de recuperação
                    de dependentes. Apenas um está pronto  
                  
                  Marcha para Jesus  
                     Organizada pela Renascer, a marcha não tem o apoio
                    de lideranças evangélicas tradicionais  
                  
                  Renascer World  
                     Com a justificativa de construir o centro missionário
                    Renascer World, a fundação está
                    vendendo por R$ 7 mil títulos do Resort Las Palmas,
                    em Avon Park, na Flórida  
                  
                  Abbud Comunicação  
                     Ao usar o CNPJ da Fundação Renascer, a
                    empresa do bispo Antônio Carlos Abbud pode, por
                    exemplo, esconder débitos antigos para contrair novo
                    crédito  
                  
                  Rede Gospel  
                     Por se tratar de uma TV educativa, a emissora não
                    poderia vender publicidade nem horários para empresas
                    comerciais. No entanto, anunciam no canal empresas de jóias
                    e consórcios de carros  
                  
                  RGC Produções  
                     Atolada em dívidas, a empresa foi transferida para
                    um "laranja", mas continua emprestando seu patrimônio
                    aos Hernandes, os antigos proprietários  
                  
                  FH Produções  
                     A empresa substituiu a RGC na criação dos
                    programas da TV Gospel. Seus donos são Felippe e
                    Fernanda, filhos dos líderes da Renascer  
                  
                   | 
                
              
              
              No panteão da igreja, Abbud está
                sentado à direita do apóstolo. Ele fundou com
                Hernandes a RGC Produções, empresa usada para
                tentar comprar a falida TV Manchete. Quando a transação
                deu errado, os dois saíram da sociedade, cedendo lugar à
                bispa e ao filho do casal, Felippe, de 23 anos. Em 1999, esposa
                e herdeiro passaram a empresa, afogada em dívidas, para o
                pastor Marcelo Meleiro Amorim. Só com uma editora a firma
                tem um protesto de R$ 5 milhões. Quatro especialistas em
                direito empresarial ouvidos por ÉPOCA dizem que a saída
                de Abbud e dos Hernandes sugere aquele tipo de operação
                na qual os donos, para se livrar de possíveis condenações,
                passam a empresa para o nome de um "laranja". Um ano
                após a saída dos Hernandes da firma, descobriu-se
                que Felippe costumava usar uma picape importada Dodge Durango. O
                boletim de ocorrência mostra que o veículo estava
                em nome da RGC - com a qual, teoricamente, ele não tinha
                mais relação. Coisa parecida acontece com Estevam.
                O Omega no qual circula, com suas iniciais e idade gravadas na
                chapa (EHF-0048), foi emplacado em Campinas, em nome de uma
                bispa da Renascer que não é da família.
                Pode ser pura coincidência, é claro. Mas peritos
                fiscais lembram que deixar bens em nome de terceiros evita que
                sejam apreendidos como cobrança de dívidas. E os
                esconde do Imposto de Renda. 
              
              A olhos mais condescendentes alguns desses
                rolos financeiros podem parecer recursos não propriamente
                legítimos, mas aceitáveis num país com leis
                tão complicadas e cotidiano econômico tão
                incerto. No Brasil muitas empresas têm caixa dois,
                empurram as dívidas ao limite e, aqui e ali, tentam
                driblar a lei. A diferença é que a Renascer não
                é uma empresa. É uma igreja e, como tal, exibe uma
                imagem de integridade, honestidade, correção. Um
                dos temas favoritos da bispa Sonia, em suas pregações
                aos fiéis, consiste em condenar o farisaísmo.
                Apesar disso, sua igreja não funciona como as denominações
                evangélicas tradicionais. Estas são gerenciadas
                pela comunidade. Como num condomínio, elege-se um
                tesoureiro para cuidar dos recursos. Ele paga o salário
                ao pastor. O valor é determinado pelos fiéis. Há
                fiscalização e controle das verbas. É assim
                nas igrejas batistas, presbiterianas, metodistas ou episcopais,
                entre outras. Na Renascer é diferente. Na sede da fundação,
                em São Paulo, o apóstolo e seu time juntam o
                dinheiro arrecadado, contam a bolada e definem como ela será
                usada. ÉPOCA entrevistou duas pessoas que testemunharam
                essas cenas. "É impressionante. Os malotes de
                dinheiro chegam e aqueles homens se transformam. Contam o
                dinheiro totalmente compenetrados, separam as notas em pequenos
                montes e, no final, oram de mãos dadas", diz uma
                delas. 
              
              A arrecadação não é
                menos impressionante. "Era comum os pastores dizerem para
                oferecermos nossos limites no cheque especial", diz a
                professora Maria Margarida, de Brasília, agora ameaçada
                de perder sua casa. Ela mesma chegou a entregar cinco cheques pré-datados
                de R$ 2 mil à igreja. Depois, descobriria que os cheques
                dos fiéis eram vendidos pelos pastores a empresas de
                factoring da cidade. Muitas delas depositavam os pré-datados
                antes do prazo, e os fiéis se complicavam com a Justiça
                porque não tinham saldo em conta. Para as vítimas
                da Renascer, não adianta se queixar ao bispo. 
              
              Eles
                sabem viver bem  
              
              Os Hernandes exibem glamour em casas
                bacanas, carrões, festas, jóias e roupas de grife.
                Só seus credores não estão felizes 
              
               Em 16 anos o apóstolo Estevam
                Hernandes e sua mulher, a bispa Sonia, trocaram uma pequena casa
                alugada no bairro paulistano da Vila Mariana, típica região
                de classe média, por um apartamento de quatro suítes
                e quatro vagas na garagem na exclusiva Chácara Klabin.
                Sonia era comerciante, dona de uma pequena butique, e comprava
                roupas em bancas de camelô no Rio de Janeiro para revendê-las
                em São Paulo. Estevam fez carreira como gerente de
                marketing em empresas como Xerox e Itaútec. 
              
              Hoje o casal leva uma vida folgada. Sonia
                usa peças de grife como a do estilista Cacau Brasil, que
                cria vestidos de noite de R$ 12 mil. Gosta de desfilar brincos
                caros e colares de pedras preciosas. Algumas das peças
                que usa em seu programa diário na TV são
                emprestadas pela H.Stern. Outras foram compradas. Estevam
                coleciona relógios de luxo e adora carros importados. O
                casal passa temporadas num condomínio em Boca Ratón,
                a cidade mais cara do litoral da Flórida, nos Estados
                Unidos. O estilo glamouroso ganhou as páginas das
                revistas de celebridades. O casamento da filha Fernanda, de 20
                anos, com o modelo Douglas Rasmussen, de 30, no ano passado,
                mereceu cobertura especial. No coquetel, serviram-se escargô,
                patê de coelho e caviar. No jantar, salmão e ravióli
                de faisão. 
              
              Ao se mudar para o apartamento em que
                vivem hoje, os Hernandes deixaram uma mansão de 1.000
                metros quadrados a poucas quadras de distância. Numa cena
                que repete o comportamento da Renascer em Cristo com seus fiéis,
                também deixaram dívidas. Eles respondem a uma ação
                de despejo impetrada pela dona do imóvel, a viúva
                Ana do Carmo Vieira Dalpré, de 64 anos. Ela reclama do não-pagamento
                de três meses de aluguel, além de IPTU, água
                e luz, e do desaparecimento de um bar de madeira nobre avaliado
                em R$ 15 mil. Aos amigos, Estevam e Sonia disseram que o motivo
                da mudança foi o medo de seqüestros. Numa cidade
                como São Paulo, onde esse crime se transformou em tragédia,
                o temor é legítimo. Nas antigas casas ocupadas por
                eles, porém, quem vive à espreita são
                oficiais de Justiça. Não pára de
                chegar gente aqui atrás deles para entregar intimações,
                conta o representante de vendas Alcides Bravo, que sucedeu aos
                Hernandes como inquilino de uma casa no Jardim Glória.
                
              
              De modo geral, é preciso muito
                esforço para resolver uma pendência financeira com
                os Hernandes. Aquela grande festa de casamento da filha
                Fernanda, por exemplo, foi paga com nove cheques borrachudos. O
                bufê Rosa Rosarum, um dos mais concorridos da capital
                paulista, teve de mobilizar seu departamento financeiro para
                receber uma a uma as parcelas referentes ao pagamento de R$ 35
                mil. Várias vezes os cheques do casal voltaram por falta
                de fundos  e os cobradores tinham de ligar para a
                Renascer, acertando novas datas para reapresentá-los. O
                bufê teve ainda de conter os ânimos: a festa seria
                para 350 convidados, mas apareceram, na hora, 500. 
              
              As várias pessoas ouvidas por ÉPOCA
                são unânimes em afirmar que Estevam e Sonia
                Hernandes inspiram muita confiança e, por isso, não
                se imagina a encrenca que pode surgir nos negócios
                fechados com eles. Estevam tem ainda uma experiência
                profissional que aprimorou seu talento para convencer pessoas.
                Em cursos internos, em que investe na formação de
                pastores, ele adota uma apostila intitulada A Igreja Usando o
                Marketing como Arma Espiritual. Como nas empresas, os pastores têm
                metas a cumprir, como uma quantidade a atingir de novos templos.
                
              
              Foi assim que sua igreja conseguiu atrair
                o público de classe média com eficiência
                muito maior que a das concorrentes. A Universal, por exemplo,
                sustenta sua popularidade com cultos nos quais o ponto alto é
                o exorcismo. Já a Renascer é descolada, freqüentada
                por jovens que vão ao templo como quem vai a um show. A
                linguagem utilizada é a mesma dos astros de rock. Jesus
                era um cara muito pirado. Não morreu. Apenas deu um tempo,
                prega a bispa. Deus é uma coisa muito quentinha e
                gostosinha, diz ela, em outro de seus sermões. A
                Renascer também enfatiza a alegria de viver e o consumo
                sem culpa. Eles apresentam uma teologia espúria,
                que não é condizente com os preceitos de Jesus
                Cristo e não encontra respaldo na reforma protestante,
                afirma o pastor batista Ariovaldo Ramos, da Associação
                Evangélica Brasileira, que congrega 32 igrejas históricas,
                como a presbiteriana, a metodista e a luterana. 
              
              Para falar sobre esses assuntos e
                esclarecer todas as acusações que pesam sobre a
                Renascer, o apóstolo Estevam, a bispa Sonia e também
                o bispo Antônio Carlos Abbud foram procurados por ÉPOCA
                na semana passada. A revista insistiu num pedido de entrevista
                desde a terça-feira até o fechamento desta edição.
                Muitos recados foram deixados com o assessor de imprensa
                Vladimir Alves, com a secretária Márcia Cristina e
                com a assistente do apóstolo, a pastora Nilda Souza.
                E-mails foram enviados. Às 14h30 da quinta-feira, por
                telefone, Estevam garantiu: Não tenho nada para
                esconder. Nem eu, nem a igreja. Aqui tudo é transparente.
                Posso até mostrar minha declaração de
                Imposto de Renda. Prometeu ligar em 40 minutos para
                acertar hora e local para uma entrevista. Não voltou a
                fazer contato. ÉPOCA continuou insistindo e designou repórteres
                para fazer plantão na Rede Gospel, na Fundação
                Renascer, no templo-sede da igreja e na Abbud Comunicação.
                Na tarde da sexta-feira o apóstolo enviou à redação
                uma nota não assinada, mas identificada como de sua
                autoria, na qual argumenta: O prazo que nos foi dado pela
                revista nos impede de atender ao pedido porque estamos com nossa
                agenda totalmente comprometida com a organização
                da Marcha para Jesus. 
              
              Esse comportamento esquivo apenas deixa
                claro que os líderes da Renascer em Cristo não
                queriam prestar nenhum esclarecimento sobre os processos que
                pesam sobre eles. Também se colocaram acima das queixas
                de fiéis, que, iludidos, entregaram o patrimônio
                duramente acumulado ao longo da vida inteira para a igreja e
                agora podem perder tudo em função de calotes que
                ninguém entende. Assim como não atendem os
                telefonemas de várias de suas vítimas, os líderes
                da Renascer evitam contatos com jornalistas.