O Centro Académico de Democracia Cristã



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

No fim de semana de 17 e 18 de Março teve lugar em Coimbra um congresso para assinalar o centenário do Centro Académico de Democracia Cristã.

Não podia assim reunir-se o Movimento de Unidade Democrática (MUD) no tempo em que o CADC influenciava a ditadura ou a guarnecia com os seus mais destacados elementos.

É em homenagem ao saudoso Francisco Salgado Zenha, de quem tive o privilégio de ser o efémero mandatário no concelho da Lourinhã em 1965, na abortada tentativa da Oposição se submeter a impossível sufrágio na farsa eleitoral então levada a cabo, que aqui deixo alguns comentários.

O CADC foi tão feroz e persistente adversário de Salgado Zenha quanto devotado admirador de Salazar e Cerejeira.

É por isso que eu esperava a penitência em vez do júbilo, um acto de contrição a substituir a comemoração, um requiem em lugar da missa de acção de graças.

Não sei se os serviços prestados pelo CADC à ideologia cristã mereciam a beata homenagem prestada, mas os prejuízos causados à democracia exigem a execração.

Não me deixo demover pela presença de algumas personalidades que prestaram e prestam ao regime democrático assinaláveis serviços, nem pelo piedoso panegírico ao Cardeal Cerejeira feito com inegável benevolência cristã pelo Prof. Sousa Franco, benevolência que nunca revelou para com o PSD de que foi um dos mais destacados militantes ou para com o Eng.º Guterres de quem foi um dos mais emblemáticos ministros.

Os católicos da Capela do Rato reivindicaram essa qualidade na luta corajosa contra a ditadura e provaram, com o seu público testemunho, que o catolicismo não é incompatível com a democracia. O CADC, pelo contrário, foi um alfobre de cúmplices do fascismo que alimentaram uma das mais sombrias e longevas ditaduras do séc. XX.

Salazar, Cerejeira ou Antunes Varela ficarão para a eternidade como ferrete de ignomínia duma instituição perversa que continua a ter quem defenda a sua revitalização. Os seus nomes ainda hoje se esconjuram com o sinal da cruz que é, para os crentes, um demonífugo de efeitos comprovados. Nem em ambiente plural, como Sousa Franco ou Barbosa de Melo seguramente desejariam, seria fácil combater a vocação totalitária que presidiu à sua génese e os laivos de cultura teocrática que a informou.

Em período de quaresma, que devia exigir jejum e abstinência, comemora-se hoje o centenário do CADC. Amanhã - perdida a memória - haverá quem encontre pretextos para igual comemoração do 28 de Maio. Falta um quarto de século. Já cá não estarei.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 20 de Março de 2001


Nota: esta carta foi publicada no correio dos leitores do «Expresso».



República e Laicidade!