Pela interrupção voluntária da Concordata



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

A discussão sobre a Concordata tem assumido na comunicação social, nomeadamente no Expresso, uma relevância compreensível. Às vezes os argumentos pró e contra são tão anacrónicos como o texto concordatário. E a crispação coaduna-se mal com a sociedade tolerante e plural que a democracia portuguesa criou.

A concordata foi firmada entre o Estado Português e a Santa Sé a 7 de Maio de 1940, exactamente 5 anos antes da vitória dos Aliados sobre o nazismo. Pio XII e Salazar sobreviveram e, estes dois, quiseram que a Concordata se mantivesse, que os privilégios continuassem, que o monolitismo político estivesse em sintonia com o religioso.

Hoje está de tal modo obsoleta que a própria hierarquia católica nota.

Penso que o Estado Português sentiria hoje como indignidade interferir na nomeação dos bispos, tal como a Igreja católica teria pudor em servir-se do orçamento do Estado como a caixa de esmolas onde fosse alimentar a concupiscência eclesiástica, cometendo o feio pecado da gula.

Tal como o Estado do Vaticano nunca teve uma maternidade, tão baixo é aí o índice de natalidade, não se vê, em meu entender, o interesse duma concordata com o Estado Português, inexistente que é qualquer conflito com a igreja católica, apostólica, romana.

Desde que a separação das Igrejas do Estado e os direitos liberdades e garantias dos cidadãos sejam respeitados - o que a Constituição Portuguesa garante - a liberdade religiosa está automaticamente salvaguardada.

E não é preciso qualquer documento jurídico para que um bispo de qualquer confissão possa abrilhantar a cerimónia de bênção duma aeronave, comparecer na abertura duma fábrica ou desaparecer no seu encerramento. As vestes talares emprestam sempre colorido às cerimónias públicas, imprimem um toque de exotismo e não deixarão de ser solicitadas se essa for a vontade dos cidadãos interessados.

Nas negociações entre Estados ninguém pode ficar de joelhos. Exige-se uma atitude honrada e honrosa.

É, pois, altura do Estado Português e o Vaticano acordarem a interrupção voluntária da Concordata.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 24 de Fevereiro de 2000


Nota: esta carta foi publicada no correio dos leitores do «Expresso».



República e Laicidade!