Deus e o repolho
por
Carlos Esperança
O pio colunista João Pereira Coutinho insurge-se contra o
projecto educacional inglês (EXPRESSO, 22/02/04) e faz comentários abusivos.
Vale a pena transcrever o que diz o plumitivo, sob o título "Deus e o
repolho": «A ideia (...) é mostrar aos petizes britânicos que, para lá das
religiões "tradicionais" (leia-se "cristã",
"judaica" e "islâmica") existe todo um mundo de crenças e
não crenças que merece igual estatuto e igual reverência», para concluir que
«se a escola elege como educação religiosa formas de descrença na divindade,
seria de incluir outros tipos de adoração pessoal... como o masoquismo, o
bestialismo e mesmo o filistinismo». E continua dizendo que «para sermos
realmente tolerantes... o aluno deveria ser convidado a adorar um texugo - ou
um repolho - com igual respeito e devoção», para terminar, profetizando, que
«No espaço de algumas gerações, teríamos um sistema politeísta que, abrangendo
Deus e o repolho, produziria uma sociedade mais humana, mais culta e
incomparavelmente mais tolerante».
Sem me deter no desprezo pelo repolho, permito-me lembrar ao devoto:
1 - Não é função da escola transmitir um sistema de crenças, até porque teria
de optar por um entre muitos, e o laicismo é uma condição para a democracia;
2 - Comparar Deus a um texugo ainda se aceita (embora não haja provas de que o
primeiro existe), pertencem ambos ao reino Animal; mas comparar Deus a um
repolho é fazê-lo migrar para o reino Vegetal (inaceitável num devoto);
3 - Na ironia ao politeísmo (se acaso sabe o que seja) revela excessiva fé na
bondade das religiões «tradicionais».
Conviria ao piedoso analista reflectir sobre as tradições religiosas, sobretudo
no que diz respeito à tolerância.
Publicado no Expresso de 28/2/2004.