O Papa e o divórcio



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

O papa, que obrigou os bispos à resignação aos 75 anos de idade e a si próprio se excluiu desse dever, está a fazer pior à sua própria Igreja que o mais empedernido dos ateus.

Ao querer impor aos advogados católicos a objecção de consciência em relação ao divórcio, procurou subverter o ordenamento jurídico dos países civilizados e esvaziar de consequências um importante instrumento legal criado pelos países laicos.

O desejo de condenar à vida em comum os casais que já destruíram todos os laços que os unia e procurar impedir os seus membros de voltarem a sonhar com a felicidade, revela uma enorme insensibilidade social que ignora os maus tratos, a crueldade, a violação e o risco de vida - entre outros.

Perante a tragédia dos fundamentalismos religiosos que assolam a humanidade exigia-se que o Vaticano fizesse a diferença na defesa dos princípios humanistas que floresceram nos países cristãos. Mas, pelo contrário, este pontífice parece ter exonerado a ética do seu comportamento, demitido os princípios para promover os preconceitos, renunciado ao amor para impor a penitência.

A ideia de tentar impedir a interrupção voluntária do matrimónio teve a pronta oposição dos advogados portugueses que deixaram o exclusivo da objecção de consciência à beata hipocrisia de alguns profissionais de saúde, em relação ao aborto, exercida apenas durante as horas de serviço público.

Face à omnímoda autoridade que o papa exerce sobre todos os eclesiásticos, numa clara violação dos mais elementares direitos humanos, urge aprofundar a separação entre a Igreja e o Estado, para defender os direitos, liberdades e garantias que a Constituição consagra aos cidadãos.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 30 de Junho de 2002


Nota: esta carta foi publicada no correio dos leitores do «Expresso».



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