Viva a França
por
Carlos Esperança
Poder ter qualquer religião ou nenhuma é um direito
indeclinável que a sábia
decisão francesa
acautela, opondo-se à guerra dos véus desencadeada pelos
arcaísmos
intoleráveis do islão, que não prescinde de regimes teocráticos.
Há
medos e ódios que nascem do proselitismo beato bebido no livro único
e
acirrado nas madraças. A ofensiva desperta reacções islamofóbicas,
semelhantes à
violência que o catolicismo romano acordaria se a
cartilha de Pio IX fosse
restaurada. Tal como esse papa também os
próceres islâmicos consideram a fé
incompatível com a liberdade e a
democracia. Não é, pois, uma questão de
religião, é um
conflito de poderes.
Sendo o islão o que é, a precisar de reforma,
não pode tolerar-se-lhe os ataques
à natureza laica do Estado. Os
facínoras de Deus não aceitam a modernidade e a
civilização não pode
condescender com desvarios místicos.
É este o problema que grassa em
França para desgraça dos franceses. As raparigas
que ostentam o véu
não reivindicam um direito, fazem uma provocação, quiçá
imposta
pelos clérigos. Amanhã exigem a burka, depois uma cantina separada,
onde
estejam longe da carne de porco, e, finalmente, «direito» à
excisão e à
poligamia. É a perpetuação da discriminação que os
constrangimentos sociais lhes
impõem. Ninguém as impede de passarem
o dia a rezar ou de fazerem jejuns. Podem
virar-se para Meca, não
podem virar-se contra Paris.
Quando em 1905 a França foi obrigada a
uma laicidade musculada tinha boas
razões. Hoje tem razões
acrescidas. Há princípios irrenunciáveis e deveres
obrigatórios.
Viva a França.
Publicado no "Diário As Beiras" de 30/1/2004.