"Igreja fora dos hospitais"?



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



O D.N. de Domingo, dia 8 de Abril, trouxe um enorme título de 1.ª página manifestamente desajustado aos factos – “Igreja fora dos hospitais” – e um sub-título algo exagerado: “Lei acaba com a assistência religiosa aos doentes antes da revisão da Concordata”.

Face ao título pensei na crueldade de impedir a santa unção a um crente moribundo, na injustiça de privar da confissão uma alma atormentada, no autoritarismo de estado em impedir a entrada num hospital a um sacerdote de qualquer culto cujos serviços um doente solicitasse, ou mesmo dum bispo, se a categoria social do doente ou o peso dos pecados justificasse tão alto dignitário.

Nada disso acontece como, desde logo, a primeira coluna da mesma 1.ª página esclarece e o desenvolvimento da 3.ª página amplamente elucida.

Apenas se trata de “pôr fim ao monopólio da assistência espiritual realizada pela igreja Católica e paga pelo Estado nas instituições públicas, nomeadamente nos hospitais e nos quartéis”, como escreve o jornalista Licínio Lima a propósito da nova lei da liberdade religiosa. Apenas termina um monopólio herdado da ditadura e da sua aviltante intolerância que impunha um governo de partido único, um país de uma só religião e um pensamento único.

Aliás o D.N. tem dado amplas provas de defesa do pluralismo ideológico e da liberdade religiosa que implica a igualdade de todas as confissões perante um estado cujo carácter laico é uma conquista das sociedades democráticas.

Um país beato, com afloramentos reaccionários e uma campanha em curso na defesa de privilégios incompatíveis com a sociedade plural e tolerante que conquistámos, leva-me a preferir que em vez do título referido se tivesse usado, por exemplo, “Igualdade religiosa chega aos hospitais”, bem mais de acordo com a realidade e o teor da notícia.

O desgraçado exemplo de estados confessionais muçulmanos, e igual tentação da Cúria Romana que ainda no actual pontificado se tem manifestado, levam-me a fazer este reparo ao D.N. cujo aspecto gráfico recente aproveito para saudar.

Quanto à assistência religiosa, à semelhança do que já acontece com a alimentação, incluindo dietas, e outros serviços, nada impede que seja encomendada no exterior quer se trate de hospitais, prisões, quartéis, etc., à medida das necessidades.

Em relação à Concordata penso que só a sua revogação pura e simples assegurará a igualdade e uma absoluta liberdade religiosa mas, por enquanto, a água benta tem mais peso que os ares da liberdade.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 8 de Abril de 2001


Nota: esta carta de leitor foi publicada no Diário de Notícias.



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