"O inimigo invisível"



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Já dizia Voltaire que «o fanatismo é a doença do espírito» mas não creio que seja monopólio do islamismo. É por isso que discordo do Editorial «O inimigo invisível» (EXPRESSO, 6/9/03): é injusto e pouco rigoroso.

A pretexto do execrável atentado que vitimou Sérgio Vieira de Melo escreveu o Expresso: «O fosso entre o Islão e o Ocidente é tão fundo, a diferença cultural tão grande, o ódio tão generalizado – sobretudo entre as organizações fundamentalistas –, que os ataques terroristas tendem a perpetuar-se».

Os árabes produziram pensadores como Avicena (980-1037) e Averróis (1126-1198), não sendo, pois, o fanatismo islâmico inevitável. A concepção actual do mundo e o processo da sua progressiva secularização devem mais à influência de Averróis do que aos santos doutores da igreja católica. Acontece que a pobreza e a ignorância são o caldo de cultura onde medram a fé e a intolerância.

O ódio entre xiitas e sunitas não é inferior ao que prodigalizam ao Ocidente. É equivalente ao que dividiu os cristãos.

A exaltação do martírio e o proselitismo são apanágio de qualquer religião do livro. Não me parece que os religiosos judeus sejam mais tolerantes que os do Islão. O pastor presbiteriano que foi executado na Florida, Paul Hill, por ter assassinado um médico que praticava abortos, não era menos violento do que o facínora islâmico do atentado de Bali e até no sorriso se notava a mesma ânsia do Paraíso.

João Paulo II na sua obsessão de incluir uma referência ao cristianismo na futura constituição europeia é mais moderado do que o clero islâmico que não abdica de regimes confessionais. Mas é mera diferença de registo. O fosso não é entre religiões, é entre estas e o laicismo.


Alfredo Carlos Barroco Esperança


Nota: este texto foi publicado no «Correio Azul» do «Expresso» a 13/9/2003.



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