Mártires da Liberdade de Expressão



por

Ricardo Gaio Alves



Continuam a ser numerosos os países em que predomina a intolerância religiosa, não havendo aí nem a liberdade de ter uma fé minoritária, nem – o que é muitas vezes esquecido – a liberdade de não ter fé alguma. Efectivamente, raramente se recordam casos como os de Hashem Aghajaris e Younus Shaik, que estão detidos respectivamente no Irão e no Paquistão desde junho de 2002 e outubro de 2000 – condenados à morte pelo delito medieval de «blasfémia» – ou de Sayed Mahdavi – preso a 17 de junho de 2003 no Afeganistão por escrever que “religião mais governação é igual a despotismo”.

A liberdade religiosa, embora essencial, não é contudo suficiente. Nos EUA, a total liberdade religiosa existente não evita que o Estado sujeite crianças sem religião a um juramento religioso. Mesmo em certos países europeus, não existe formalmente a liberdade de examinar livremente as afirmações dogmáticas – pois persiste o crime de «blasfémia». Impõe-se portanto que o Estado seja laico.

A laicidade é muitas vezes (mal) interpretada como implicando hostilidade à religião, e é até por vezes confundida com o ateísmo de Estado (a que todavia se opõe…). No entanto, a laicidade defende a independência e neutralidade dos serviços públicos, mas garante a liberdade religiosa em todo o espaço da sociedade civil – sem discriminações que resultem da pertença ou não pertença confessional. Se parece hoje evidente que não devem existir símbolos partidários nas escolas públicas, apenas uma longa tradição de confessionalismo de Estado explica que seja habitual a presença de crucifixos em salas de aula em que se sentam crianças muçulmanas ou ateias, e que deveriam constituir um espaço neutro e portanto efectivamente de todos.


Nota: esta carta de leitor reagia ao dossiê do «Público» de 13/07/2003. Não foi publicada.



Associação República e Laicidade