Proposta de Lei n.º 269/VII
A reforma do direito das religiões em Portugal em conformidade com a Constituição é um passo fundamental na construção legislativa do Estado de direito.
A reforma é necessária porque os dois diplomas jurídicos fundamentais sobre a matéria, de nível infraconstitucional, a Concordata de 7 de Maio de 1940 e a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, por vezes designada de liberdade religiosa, foram concebidos no quadro constitucional de um regime de governo antidemocrático, articulam um entendimento da liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as religiões inconciliável quer com a Constituição quer com a doutrina católica firmada no Concílio Vaticano II, as quais são entre si coincidentes na matéria.
É certo que algumas inconstitucionalidades mais evidentes da Concordata foram removidas de modo não ostensivo: assim a não aplicação do divórcio aos casamentos católicos (artigo XXIV) foi eliminada pela alteração da Concordata (Protocolo Adicional de 15 de Fevereiro de 1975), que se antecipou à própria aprovação da Constituição de 1976; a obrigatoriedade, salvo pedido de dispensa, do ensino da religião católica nas escolas públicas (artigo XXI) foi declarada inconstitucional nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10, 77), que não incidiu directamente sobre a norma concordatária, mas sobre a sua aplicação legislativa no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho; o direito de levantar objecções de carácter político geral à nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um coadjutor, cum iure successionis (artigo X) deixou de ser e não pode voltar a ser exercido, pelo Estado, mesmo quando para tal convidado.
Outras inconstitucionalidades, que resultavam da equiparação de princípio, estabelecida no artigo XI, dos eclesiásticos às autoridades públicas, quanto à protecção do Estado, foram tacitamente suprimidas, na medida em que não foram acolhidas no Código Penal (os artigos 307.º e 358.º deste último diploma não acolheram tal equiparação, quanto ao abuso de traje e à usurpação de funções, contra o disposto no artigo XV da Concordata). Já a consideração dos capelães militares como oficiais graduados (artigo XVIII) não foi removida. Uma equiparação apenas contextual, que não consta do texto, e apenas se pode cogitar como explicação dele, decerto incompleta, é a dos eclesiásticos aos funcionários públicos quanto à comum isenção de imposto sobre o rendimento derivado do exercício da função (artigo VIII). Neste caso foi a supressão da equiparação pela extinção deste benefício dos funcionários que tornou evidente a discriminação a favor dos eclesiásticos, maxime quando desempenham o mesmo tipo de funções (professores das escolas públicas) ou estão graduados como militares no mesmo posto ou como funcionários no mesmo nível do escalão de vencimentos (assistentes religiosos hospitalares e prisionais).
Numa apreciação global da Concordata de 1940 importa não esquecer que foi ela que selou a pacificação das relações entre a Igreja Católica e a República Portuguesa, antes iniciada pelos Decretos n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, e n.º 11887, de 6 de Julho de 1926, depois da guerra aberta do Estado contra a Igreja Católica que culminou com a Lei da Separação (Decreto de 20 de Abril de 1911). Mas o entendimento da separação entre o Estado e a Igreja que a Concordata consagra não é o do princípio da separação, tal como ele resulta da Constituição de 1976 e dos documentos do Concílio Vaticano II. É antes o entendimento próprio do jurisdicionalismo, como sistema em que tanto o Estado como a Igreja admitem a outra parte a intervir em matérias que lhes são essenciais (iura in sacra, atribuídos ao Estado, restrições à soberania e à não identificação do Estado com particularismos religiosos ou ideológicos, a favor da Igreja), e que o desenvolvimento constitucional das revisões de 1951 e 1971 vieram acentuar.
Por outro lado, a Concordata foi desenvolvida pelo Acordo Missionário, contemporâneo e com o mesmo valor jurídico da Concordata, e por uma extensa legislação complementar, bem como pela jurisprudência e pelas práticas administrativas. Este corpo normativo concordatário tem impedido a própria reestruturação jurídica da Igreja Católica, ou pelo menos a sua transparência civil, como consequência do novo Código de Direito Canónico. A comunidade territorial de base da Igreja, a paróquia, não tem tido existência jurídica civil em Portugal, mantendo-se em vez disso a instituição de origem medieval das fábricas das igrejas paroquiais, como fundações patrimoniais de sustentação do culto e os benefícios paroquiais, como fundação patrimonial de sustentação dos párocos, aparentemente para garantir os benefícios fiscais que uma certa interpretação da Concordata ligou às fábricas das igrejas.
Depois da revogação da concordata lateranense de 1921 e sua substituição pelo acordo de 1984 na Itália e da revogação da concordata espanhola de 1953 e sua substituição pelos acordos de 1976 e 1979, a Concordata portuguesa tornou-se manifestamente anacrónica e geradora de anacronismos. O mesmo acontece depois da descolonização com o Acordo Missionário, que desenvolveu os artigos 26.º a 28.º da Concordata.
Quanto à Lei n.º 4/71, ela nunca pretendeu estabelecer a igualdade de direitos em matéria religiosa. Nas palavras do Parecer da Câmara Corporativa que contribuiu fortemente para a redacção da Lei: «Uma coisa é a liberdade religiosa e a igualdade dos cidadãos perante a lei, seja qual for o seu credo, que se referem à eliminação de toda a coacção em matéria de religião e constituem o mínimo igualmente exigível do Estado por todas as confissões reconhecidas. Outra coisa é o conjunto de providências que, excedendo o mínimo de tutela exigível por todas em obediência ao princípio da imunidade de coacção, se considerem aplicáveis apenas a algumas delas» Antunes Varela, Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto de 1971) e Lei de Imprensa (Lei n.º 5/71, de 5 de Novembro de 1971), Coimbra, Coimbra Editora, 1972, p.86 (a nota de pé de página que acompanha o texto citado revela que quando o relator fala de "algumas" tem apenas em vista a Igreja Católica).
O referido «mínimo» são os direitos negativos individuais de liberdade religiosa. É certo que a Lei n.º 4/71 declarou reconhecer outros direitos, inclusivamente direitos colectivos de liberdade religiosa às confissões religiosas não católicas reconhecidas Jorge Miranda, no Parecer sobre a primeira versão do Anteprojecto, enviado pela Conferência Episcopal como anexo à sua resposta, nota com razão, que deve ter-se por inconstitucional só ser consentida a confissões reconhecidas (nas condições estabelecidas na base IX) a construção ou instalação de templos ou lugares destinados à prática do culto (base XVII). Haveria que acrescentar a base VII, na parte em que repete o artigo XXI da Concordata, pelas razões do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/87. Não cabe aqui discutir a constitucionalidade das várias normas da Lei n.º 4/71, pelo que a citação feita é mais reveladora do espírito constitucional ao tempo prevalecente do que do conteúdo da lei e da própria proposta de lei da Câmara Corporativa. Mas a verdade é que nenhuma confissão não católica foi, antes de 25 de Abril de 1974, concretamente reconhecida ao abrigo da lei e da legislação que a regulamentou (Decreto-Lei n.º 216/72, de 27 de Junho). Deste modo, tudo ou quase tudo se passou como se a Lei n.º 4/71 nunca tivesse existido.
Uma das explicações para a não aplicação da Lei n.º 4/71 reside certamente na manutenção de exigências, que vinham do Código Administrativo de 1940 (artigo 449.º) e que representavam um círculo inextrincável: segundo o Código Administrativo e a Lei n.º 4/71 uma associação para se constituir tinha de demonstrar que se constituíra de harmonia com normas de hierarquia e disciplina de religião a que pertenceria; mas a religião, ou confissão na terminologia da Lei n.º 4/71, para ser reconhecida juridicamente, teria de se constituir ela própria de acordo com normas de uma religião ou confissão reconhecida, se não estaria sujeita às sanções previstas para as associações secretas, proibidas pelo Decreto-Lei n.º 39660, de 10 de Maio de 1954. Por outras palavras: a Lei n.º 4/71 não previa a possibilidade da constituição originária de uma confissão em Portugal, nem fornecia os critérios do reconhecimento de uma confissão estrangeira, pelo que se tornava impossível demonstrar a conformidade com as normas confessionais do estabelecimento da confissão em Portugal. Vontade de quebrar o círculo não existia na Administração, tanto mais que as confissões não católicas eram consideradas menos nacionalistas, se não estrangeiradas, o que durante a guerra colonial se agravou com a suspeita de que apoiavam os movimentos independentistas.
A liberalização chegou com a revolução de 25 de Abril, através da aplicação às associações religiosas do regime geral das associações civis do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro. Com efeito, no registo das confissões religiosas reconhecidas criado pelo artigo 11.º do Decreto n.º 216/72 para dar execução à Lei n.º 4/71, só depois de 25 de Abril de 1974, por despachos de 12 de Junho de 1974, foram inscritas as duas únicas confissões que tinham requerido, já em 1972, a inscrição, por estarem regularmente instituídas, antes do início da vigência da Lei n.º 4/71, associações religiosas delas integrantes (pelo que se deviam considerar reconhecidas, segundo o artigo 12.º do Decreto): a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Pouco depois (Despacho de 1 de Julho) foi inscrito como associação o Exército de Salvação, cujo processo se arrastava desde 1972. Todas as restantes pessoas colectivas entretanto inscritas - são no total 459 em Março de 1998 - foram-no como associações civis, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 594/74. Como o modelo desenhado pelo Código Civil para as associações civis, com assembleia geral, direcção e conselho fiscal, é claramente desajustado à efectiva organização das comunidades religiosas, estas têm um estatuto jurídico que desfigura e oculta a sua realidade sociológica. No registo, que se transformou num registo de associações religiosas (isto é civis com fins religiosos) não católicas, não se distinguem as igrejas e outras comunidades religiosas das instituições por elas criadas e das federações em que se associam.
Além da liberalização do reconhecimento de associações religiosas, também se avançou decisivamente para uma maior conformidade com a Constituição noutras matérias. Destacam-se o acesso à segurança social, às escolas e à televisão:
- em 1989, o Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, prevê (artigo 7.º) uma disciplina optativa da «Educação Moral e Religiosa Católica (ou de Outras Confissões), que, nas condições do Despacho Normativo n.º 104/89, de 7 de Setembro, passou a poder ser ministrada nas escolas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário por professores propostos pelas «diversas confissões religiosas com implantação em Portugal»;
- o Despacho Normativo n.º 104/89 foi, por último, revogado pelo Decreto-Lei n.º 329/98, de 2 de Novembro, que estende esta possibilidade a todo o ensino básico, além do ensino secundário;
- em 1997, mediante acordo entre a Radiotelevisão Portuguesa, S.A. e a Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, foram finalmente fixados e aplicados critérios de distribuição do tempo de emissão atribuído às confissões religiosas no serviço público da televisão pelo artigo 25.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro.
Demonstrada a necessidade de revisão ou reforma dos diplomas fundamentais em matéria de liberdade religiosa cabe perguntar por onde começar. Embora na Itália e na Espanha se tenha optado por rever a Concordata e só depois se tenha procedido à reforma legislativa, em Portugal a resposta só pode ser: por onde se pode, logo que se possa. Ora, a reforma da Lei n.º 4/71 é o passo que pode ser já dado. É também o que faz mais mister, porque é nesse campo que há queixas de violação dos direitos de liberdade religiosa, e sobretudo de discriminação religiosa, já expressas perante órgãos de soberania (cfr., por exemplo, a petição n.º 159/VI (2ª), DAR, 2.º C, de 12-2-93, p.129). As eventuais dificuldades no processo de revisão da Concordata poderão ter sido diminuídas uma vez que se pediu a própria participação da Igreja Católica no processo de consulta e discussão do Anteprojecto, o que decerto facilitará negociações futuras, criando o clima de entendimento indispensável para qualquer eventual revisão. Deste modo, estando embora de acordo com o Professor Antunes Varela, quando disse, em comentário à primeira versão do Anteprojecto, que a Concordata é um instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar sobre pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias, não o acompanhamos quando conclui que o primeiro passo a dar deveria consistir nessa revisão «A Igreja Católica e as outras confissões religiosas na Lei da Liberdade Religiosa», Forum Canonicum, 6, n.º16-17, 1997, pp.12-13.. Posição aqui idêntica à adoptada é a do Professor Jorge Miranda, em parecer sobre a mesma versão, pedido e enviado à Comissão de Liberdade Religiosa pela Conferência Episcopal «A Liberdade Religiosa em Portugal e o anteprojecto de 1997», Direito e Justiça, 12-2, 1998, pp 15, 23. E no mesmo sentido se pronunciou, o Professor Roque Cabral em comentário à mesma versão, na revista Brotéria «Liberdade religiosa, Concordata», Brotéria, 145, 1997, p. 79-81.. Como nota este último autor, praticamente tudo e mais do que a Concordata assegurava à Igreja Católica está já assegurado pela actual Constituição e ficará ainda mais explicitamente assegurado com uma lei nos moldes da agora proposta. Contudo, a nova lei não vem tornar dispensável a existência de uma Concordata, na medida em que há matérias que assumem dimensão ou contornos especiais relativamente à Igreja Católica (casamento católico, criação de organizações, feriados, património, etc.) e em que tanto a Igreja Católica como o Estado têm interesse na fixação de um regime jurídico que seja no essencial imune às mudanças de maioria parlamentar. A diferença na forma não pode, é claro, ser acompanhada de diferenças materiais de regime, que ofenderiam o princípio da igualdade. Por isso, a proposta foi norteada pela preocupação evidente de as suas normas serem substancialmente aplicáveis à Igreja Católica, mesmo quando a sua aplicação imediata a esta é impossibilitada pela Concordata e pelo corpo de legislação complementar dela, até à sua desejável revisão.
O âmbito da proposta é naturalmente
condicionado pelas considerações antecedentes. Não
é uma declaração de princípios que
quase nada adianta à Constituição, além
de instituir uma Comissão de Liberdade Religiosa, remetendo
para acordos futuros a efectivação dessa liberdade
só para algumas confissões, como se fez em Espanha.
Também não é um código do direito
das religiões, direito que está começando
a sistematizar-se em Portugal e que não está codificado
em parte alguma. Tem a dimensão que permite a aplicação
imediata e que corresponde aproximadamente à Concordata
vigente, aos acordos entre o Estado e as confissões celebrados
na Itália, na Espanha e na Alemanha e ao projecto de lei
italiano «Norme sulla libertá religiosa e abrogazione
della legislazione sui culti ammessi», «disegno
di lege» apresentado em 3.7.1997, Atti Parlamentari.
Camera dei Deputati, n.º 3947, que influenciaram o
seu conteúdo.
O capítulo I explicita os princípios constitucionais que inspiram toda a regulação jurídica do sector.
No artigo 1.º reproduz-se o n.º 1 do artigo 41.º da Constituição. A força jurídica da garantia constitucional exprime-se através do qualificativo «inviolável». É a única liberdade fundamental assim qualificada na Constituição, pertencendo a liberdade de consciência e de religião ao núcleo de direitos fundamentais que não podem ser afectados pela declaração de estado de sítio ou de estado de emergência (artigo 19.º, n.º 6). A Constituição também estabelece que é direito fundamental a interpretar e a integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º e n.º 2) e com outras regras aplicáveis de direito internacional (artigos 8.º e 16.º, n.º 1), o que implica uma interpretação extensiva e evolutiva do direito e, desde logo, um conceito amplo de religião, que abrange sistemas de crenças que não incluem a crença em um Deus pessoal, como é o caso do confucionismo e do budismo, pelo menos em certas interpretações destas religiões, claramente abrangidas pelos textos internacionais.
O princípio da igualdade vem consagrado na Constituição no artigo 13.º, n.º 2, como princípio de não discriminação, positiva e negativa, por causa de religião, entre outros fundamentos, e especialmente quanto à liberdade religiosa no n.º 2 do artigo 41.º, como princípio de não discriminação negativa. O n.º 1 do artigo 2.º sintetiza os dois textos. As convicções aqui em questão são apenas as convicções em matéria de religião e de consciência, interpretando-se assim a palavra «convicções» do n.º 2 do artigo 41.º, que não abrange certamente todas as «convicções políticas ou ideológicas» a que se refere o artigo 13.º, o qual por sua vez, inclui as convicções religiosas no âmbito da «religião» como causa de discriminação.
Não se inclui uma disposição semelhante à da segunda parte do n.º 2 da base IV da Lei n.º 4/71, tendo em vista as especiais proibições de discriminação derivadas dos artigos 47.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1 da Constituição (igualdade de acesso à função pública e aos cargos públicos), por ser, sem dúvida, supérflua, senão restritiva, em face da redacção mais ampla que se retirou do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição («ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado»).
O princípio da não discriminação das igrejas ou comunidades religiosas (artigo 2.º, n.º 2) integra o princípio da igualdade de direitos, dado o reconhecimento constitucional de direitos colectivos fundamentais das mesmas (artigo 41.º, n.os 4 e 5), e, embora não explícito na Constituição, resulta claramente da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 2, e 41.º, n.os 4 e 5.
O artigo 3.º (princípio da separação) reproduz o n.º 4.º do artigo 41.º da Constituição.
Os n.os 2 e 3 do artigo 4.º reproduzem os n.os 2 e 3 do artigo 43.º da Constituição, que são aplicações do princípio da não confessionalidade do Estado, a que se deu expressão geral no n.º 1.
Os artigos 5.º e 6.º desenvolvem os princípios constitucionais sobre restrições a direitos fundamentais na sua aplicação à liberdade religiosa, no confronto desta com outros direitos a interesses constitucionalmente protegidos (artigos 5.º, n.º 1, e 6.º), com o direito penal (n.º 2 a 3 do artigo 5.º) e a lei em geral (n.º 4 do artigo 5.º). O n.º 5 do artigo 5.º é retirado do n.º 6 do artigo 19.º da Constituição.
Pode perguntar-se, em face do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, se a liberdade religiosa pode ser restringida por lei, uma vez que o artigo 41.º da Constituição não prevê quaisquer restrições, devendo a única referência à lei no n.º 6, quanto à objecção de consciência, interpretar-se no sentido de abranger apenas leis de implementação ou de garantia de exercício.
Há, porém, limites imanentes aos direitos fundamentais que resultam da possibilidade de conflitos entre eles ou deles com interesses constitucionalmente protegidos como, por exemplo, interesses colectivos da paz internacional e civil ou os da soberania ou da forma democrática do Estado. Há práticas religiosas ou religiosamente motivadas que são evidentemente proibidas, tais como sacrifícios humanos, imolação de viúvas pelo fogo, perseguições de bruxas, incitamento a guerra de motivação religiosa, execução de sentenças religiosas de condenação à morte, poligamia, maus tratos como forma de exorcismo, castrações ou excisões de menores, flirty fishing através da prostituição de menores, impedimento de tratamento médico de menores ou dependentes, etc.. Trata-se, em todos estes casos, de actos que preenchem tipos de crimes, que não são justificados por objecção de consciência. São os limites desta última que marcam a fronteira do ilícito, no confronto da liberdade de consciência com regras gerais de ilicitude.
Também podem ocorrer conflitos entre diferentes
faculdades e direitos englobados na liberdade religiosa, como
sejam os casos, tratados pela jurisprudência constitucional
estrangeira, de oração nas escolas e do crucifixo
nos tribunais e nas escolas. Nestes casos, o direito ao culto
de uns pode colidir com o direito de outros a não ser obrigado
a actos de culto contra a convicção própria,
ou com o direito a não ser perguntado por qualquer autoridade
acerca das suas convicções ou com o direito à
não interferência do Estado em matéria religiosa.
Aqui também deverá procurar-se a solução
que implique o menor sacrifício dos direitos em conflito.
O mandamento da tolerância é expressamente consagrado
no artigo 6.º, como «um princípio constitucional
complementar da liberdade religiosa» (Joseph Listl) Em Joseph
Listl, Dietrich Pirson (eds.), Handbuch des Staatskirchenrecht
der Bundesrepublik Deutschland, 2.ª ed., Berlin, Duncker
& Humblot, I, 1994, p.442., que sintetiza numa sociedade com
pluralismo religioso e Estado não-confessional as doutrinas
constitucionais da concordância prática ou do melhor
equilíbrio possível entre os direitos, explicitando
o conteúdo do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
Os direitos individuais de liberdade religiosa são aplicações ou desenvolvimentos do direito fundamental de cada indivíduo à liberdade religiosa. Só quando o seu exercício implica prestações positivas ou negativas de outros, traduzindo-se assim no exercício de um direito subjectivo em sentido restrito, como direito a uma prestação, depende ele do reconhecimento da parte do obrigado. O reconhecimento público através da inscrição no registo da igreja ou comunidade religiosa invocada apenas facilitará esse reconhecimento e, portanto, a eficácia do direito. As entidades públicas podem, porém, fazer depender do registo as prestações a que estejam obrigadas por causa da religião. É o que se estabelece imperativamente quanto aos direitos dos ministros de culto às prestações do sistema de segurança social (artigo 14.º) e a certas formas de serviço militar (artigo 15.º). A prática por ministro do culto de actos públicos de registo do casamento civil por forma religiosa restringe-se às igrejas ou comunidades religiosas radicadas no país. Não é uma exigência da liberdade religiosa, que apenas implica o direito de celebrar casamento com os ritos, os ministros do culto e segundo as normas da respectiva igreja ou comunidade religiosa (artigo 9.º), mas não o reconhecimento civil desse casamento. Prevê-se, contudo, o reconhecimento, como casamento civil, dos casamentos celebrados por forma religiosa no seio de igrejas ou comunidades religiosas não católicas radicadas no país, em vista do regime do casamento católico (artigo 17.º). Segue-se, assim, por razão de igualdade, o exemplo dos acordos italianos e espanhóis e a proposta de lei italiana.
A enumeração dos direitos que, segundo os artigos 7.º a 12.º, estão compreendidos na liberdade de consciência, de religião e de culto não é exaustiva, seguindo critérios pragmáticos.
No artigo 7.º especificaram-se conteúdos que já foram expressos, embora, às vezes, de forma menos completa, na Lei n.º 4/71 (base III quanto às alíneas a), b), d), g) e h)), na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 18.º, n.º 1, e 2.º), quanto às alíneas a), b), c), f), g) e h)), na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º, n.º 1, da Convenção e 18.º do Pacto quanto às alíneas a), b), d), f), g) e h)), na Lei Orgânica espanhola (artigo 2.º, quanto às alíneas a) a d) e f) a g)) e no disegno di legge italiano (artigo 2.º, quanto às alíneas b), d), f) e g)). Inovou-se, na alínea i), o direito de escolher para os filhos os nomes próprios da onomástica religiosa da religião professada, que deriva do artigo 41.º, n.º 1, conjugado com o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e é especialmente reclamado pelas confissões não cristãs. Todas as restantes alíneas do artigo 7.º estão também abrangidas pelo n.º 1 do artigo 41.º da Constituição, conjugado com os artigos 37.º, n.º 1 (quanto às alíneas c) e d)) 42.º, n.º 2 (quanto à alínea e)), 45.º e 46.º (quanto à alínea f)).
Teve-se especialmente em vista garantir a liberdade de consciência e de religião das pessoas com convicções ateias e agnósticas ao prever-se o direito de não ter e de deixar de ter religião, de abandonar a crença que se tinha, de informar e se informar sobre religião, de exprimir e divulgar livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento em matéria religiosa, de produzir obras científicas, literárias e artísticas em matéria de religião, de reunir-se, manifestar-se e associar-se com outros de acordo com as próprias convicções em matéria religiosa, além de todos os direitos negativos de liberdade religiosa do artigo 9.º, do direito de educar os filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa (artigo 10.º) e de poderem ser objectores de consciência.
A todas as liberdades previstas no artigo 7.º, de ter, escolher, professar, exprimir, reunir-se, etc., correspondem liberdades negativas de não ser obrigado nem coagido a ter, escolher, professar etc.. Algumas já integram a declaração do direito no artigo 7.º. As que se reuniram no artigo 8.º formulam-se autonomamente por alguma razão especial, por vezes apenas histórica, por terem sido negadas ou se recear a sua violação em certos contextos. Assim, a alínea a) teve em conta as formulações da Lei n.º 4/71 (base IV, n.º 1), da Declaração Universal (artigo 18.º, n.º 2) e da Lei Orgânica espanhola (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), a da alínea b) deriva em parte do artigo 47.º, n.º 3, da Constituição, a da alínea c) reproduz o n.º 3 do artigo 41.º da Constituição, a da alínea d) corresponde ao regime jurídico vigente (cfr. por exemplo, o artigo 127.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 559.º n.º 2 do Código de Processo Civil), além de ser matéria de consciência na tradição cristã (Mateus 5, 33-37, Tiago 5,12). O n.º 2 do artigo 8.º é extraído do n.º 3 do artigo 35.º da Constituição.
No artigo 9.º autonomizam-se os direitos de participação religiosa, que são condicionados pelo acordo dos ministros de culto e pelas normas da igreja ou comunidade religiosa escolhida.
Reconhece-se aos pais o direito de educação dos filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, de acordo com o artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 2.º do Protocolo n.º 1 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 18.º, n.º 4, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, no respeito da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes (artigo 10.º, n.º 1). Manteve-se o limite dos dezasseis anos, estabelecido pelo artigo 1886.º do Código Civil, como idade da maioridade religiosa (artigo 10.º, n.º 2).
Não se ignora que quanto à maior parte das faculdades abrangidas pela liberdade religiosa se justifica um exercício autónomo pelo menor mais cedo (o disegno di legge italiano estabelece 14 anos para a maioridade religiosa; a lei alemã de 1921 (RKEG) estabelece que a criança deve ser ouvida a partir dos 10 anos, não pode ser obrigada a mudar de educação religiosa a partir dos 12 anos e tem plena emancipação religiosa a partir dos 14 anos; o Código de Direito Canónico reconhece o direito de escolher Igreja ritual a partir dos 14 anos - cân. 111, § 2 - e a capacidade de admissão ao noviciado aos 17 anos - cân. 643, § n.º 1), mas os direitos de exercício dos menores estão salvaguardados pela referência do corpo do artigo ao respeito pela integridade moral do menor, como limite ao direito dos pais de educação religiosa dos filhos menores. Por outro lado, há direitos de liberdade religiosa que dependem de outros direitos (o de escolher a forma religiosa do casamento depende do de casar; o de exercer a religião profissionalmente ou em instituto de vida consagrada depende da liberdade de escolha da profissão ou de domicílio). Em geral, não se vê razão para abandonar o critério do Código Civil, tanto mais que pode haver abusos, sendo insegura a fronteira entre o zelo e a coacção e havendo neste domínio queixas contra alguns novos movimentos religiosos.
Os n.os 1, 2 e 3 do artigo 11.º contém determinações do direito à objecção de consciência que se consideram suficientemente apoiadas na jurisprudência e na doutrina nacionais Veja-se nomeadamente o Acordão do Tribunal Constitucional n.º 681/95 e respectivas declarações de voto, Diário da República, II série, 30.11.96, pp. 150 ss. e estrangeiras. O n.º 3 acolhe um princípio que encontra expressão na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, artigo 12.º, secção 2.
O artigo 12.º regula o exercício da liberdade religiosa e, especialmente, o direito à assistência religiosa em situações de possível colisão com obrigações do titular detido, internado ou sujeito a obrigações militares ou outras limitativas da liberdade de deslocação. É matéria regida para a Igreja Católica pelo artigo XVII da Concordata (o qual está regulamentado: quanto às Forças Armadas, pelo Decreto-Lei n.º 93/91, de 26 de Fevereiro - cfr. especialmente o artigo 1.º, n.º 3 -, alterado pelo Decreto-Lei n.º 54/97; quanto aos hospitais, pelo Decreto-Regulamentar n.º 58/80, de 10 de Outubro, a Portaria n.º 603/82, de 18 de Junho, e o Decreto Regulamentar n.º 22/90, de 3 de Agosto; quanto aos estabelecimentos tutelares e colégios do Ministério da Justiça pelo Decreto-Lei n.º 345/85, de 23 de Agosto; quanto às prisões, pelos Decretos-Leis n.os 268/81, de 16 de Setembro, e 79/83, de 9 de Fevereiro). Mas enquanto que o artigo XVII se situa na perspectiva dos direitos da Igreja, a proposta coloca-se na perspectiva do direito individual ao exercício da liberdade religiosa, incluindo o de recorrer à assistência religiosa escolhida e à prática dos actos de culto. Por outro lado, em vez de se remeter, como no artigo XVII, a definição das restrições para «a observância dos respectivos regulamentos, salvo em caso de urgência», estabelece-se um critério material (imprescindibilidade por razões funcionais ou de segurança), controlável pelo ministro do culto respectivo, mediante a audiência prévia deste, sempre que possível. A definição das formas de assistência e de culto depende do ministro do culto (cfr. artigo 9.º, alínea a)), pelo que não se exclui a intervenção de pessoas autorizadas por este (prevista para a assistência religiosa católica no n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/91, na redacção do Decreto-Lei n.º 54/97, nas alíneas c) e f) do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 58/80, no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 22/90 e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 79/83). Até agora, os crentes de igrejas e comunidades religiosas não católicas eram contemplados, quando reclusos, em termos semelhantes aos propostos, pelo regime dos artigos 89.º a 94.º e 192.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, e quando militares pela garantia do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, (a conjugar com o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 93/91), pressupondo ainda a obrigação de informar sobre os seus pedidos e necessidades de assistência religiosa imposta aos capelães católicos nos hospitais (alínea g) do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 22/90) um direito a essa assistência.
O direito de suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam (artigo 13.º, n.º 1) deve compatibilizar-se com os direitos da entidade empregadora e com o princípio de igualdade. Seguiu-se o modelo de alguns acordos italianos (artigo 17.º da Lei n.º 516, de 22 de Novembro de 1988 (adventistas), artigo 4.º da Lei n.º 102, de 8 de Março de 1989 (comunidades hebraicas)), aplicável em regime de flexibilidade de horário. É certo que o Estado francês concede aos seus funcionários e agentes autorização de ausência por ocasião das festas próprias das confissões ou comunidades arménia, israelita ou muçulmana a que pertençam, em três dias por ano em cada caso (circular de 9 de Janeiro de 1991) Bernard Jeuffroy, François Tricard, Liberté religieuse et régimes des cultes en droit français, Paris, Cerf, 1996, p.1037). Mas esta solução não resolve os problemas de igualdade referidos.
O n.º 2 do artigo 13.º sobre a dispensa de aulas e marcação de exames generaliza com leve adaptação o que já dispunham, para os ensinos básico e secundário, o Despacho n.º 127/79, de 27 de Novembro de 1979, do Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário (Diário da República, II Série, de 15.12.1979), e para o ensino superior, a Portaria n.º 947/87, de 18 de Dezembro.
Competindo às igrejas e demais comunidades religiosas dispor autonomamente sobre a designação, funções e poderes dos seus representantes, ministros, missionários e auxiliares religiosos (artigo 21.º, n.º 1, alínea b)), a proposta utiliza um conceito legal autónomo de ministro de culto, sem outra determinação à partida, do que a que resulta das palavras, que implicam uma relação funcional com o exercício do culto. Mas das várias disposições que utilizem o conceito (cfr. artigos 9.º, 12.º, 14.º, 15.º 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 31.º) resultam determinações sistemáticas, relativas a essa e outras funções possíveis dos ministros de culto. E teve-se presente, como elemento histórico da interpretação do conceito, que nele se integram nuclearmente os «ministros sagrados» ou « clérigos» da Igreja Católica, nesta definidos pelo sacramento da ordem, a que estão reservados os ofícios para cujo exercício se requer o poder de ordem ou o poder de governo eclesiástico (cânones 207 e 274, § 1 do Código de Direito Canónico), mas, mesmo estes, apenas quando se dedicam ao ministério eclesiástico. Tendo em vista as confissões não católicas, renunciou-se a uma definição como a do n.º 3 da base XIX da Lei n.º 4/71, moldada sobre o direito canónico da altura. Há que determinar em cada caso o âmbito do conceito, tendo em vista as razões do regime jurídico a aplicar.
Assim, para efeito da autorização de residência a ministros de culto estrangeiros e do direito às prestações do sistema de segurança social, equiparam-se aos ministros do culto os membros de institutos de vida consagrada (desde que se dediquem ao exercício de actividade religiosa) e outras pessoas que exercem profissionalmente actividades religiosas (n.os 3 a 5 do artigo 15.º).
O n.º 4 do artigo 15.º conjuga-se com o artigo 65.º, de modo a garantir todos os direitos adquiridos ao abrigo do regime de segurança social instituído pelo Decreto Regulamentar n.º 5/83, de 31 de Janeiro, mas reservando para o futuro tais direitos aos ministros do culto e pessoas equiparadas das igrejas e comunidades religiosas que venham a inscrever-se como pessoas colectivas religiosas.
O n.º 2 do artigo 15.º corresponde ao artigo XII da Concordata, seguindo-o.
O n.º 1 do artigo 16.º corresponde ao artigo XIV da Concordata e reproduz, com adaptações redaccionais à técnica jurídica da proposta, o artigo 32.º, n.º 1, da Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho). Assim, onde este se refere a «qualquer religião com expressão real no país», a proposta diz «das igrejas e comunidades religiosas inscritas». Aos serviços de assistência religiosa e de saúde acrescentaram-se os de acção social. O n.º 2 do artigo 16.º traduz, do mesmo modo, o regime do n.º 2 do artigo 82.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar (Decreto-Lei n.º 463/88, de 15 de Dezembro).
Segundo o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro, podem pedir escusa de intervenção como jurados as pessoas que sejam ministros de qualquer religião ou membros de ordem religiosa. Essencialmente, no artigo 17.º, estendeu-se esta faculdade às pessoas que exerçam profissionalmente actividades religiosas, por identidade de razão. Não se substitui a faculdade de escusa por uma isenção automática da obrigação, como no artigo XIII da Concordata, por não pertencer ao Estado sancionar, mas apenas permitir o exercício de obrigações meramente religiosas. Pela mesma razão, não parece necessário isentar de cargos cuja assunção não é civilmente obrigatória e que o mesmo artigo XIII refere como «incompatíveis com o estado eclesiástico», tanto mais que esses cargos deixaram de ser expressamente referidos no actual Código de Direito Canónico (cânone 285).
O artigo 18.º deve conjugar-se com os artigos
59.º a 61.º, que alteram os artigos 1615.º, 1654.º,
alínea b), e 1670.º, n.º 2 do Código Civil.
O artigo 1615.º insere-se no capítulo «celebração
do casamento civil» e da conjugação da nova
redacção com o artigo 1587.º, também
do Código Civil, resulta que continuará a haver
só duas modalidades de casamento: católico e civil,
e que o casamento civil pode ser celebrado da forma fixada no
Código Civil e nas leis do registo civil ou de forma religiosa,
nos termos de legislação especial, que no caso é
a Lei da Liberdade Religiosa e mais legislação que
a desenvolve ou regulamenta. Não há, portanto, criação
de nenhum novo regime jurídico do casamento, nenhum diferente
contrato de casamento religioso com recepção de
normas do direito interno de certa igreja ou comunidade religiosa,
a que a lei atribua, em certas condições, efeitos
civis. Apenas o casamento civil passa a poder ser celebrado de
duas formas ou de forma civil, exclusivamente nos termos descritos
na lei civil; ou de forma religiosa, com intervenção
de um ministro de culto de uma igreja ou comunidade religiosa
radicada no país, com os ritos da respectiva religião.
Para assegurar a exacta compreensão do regime civil do
casamento que celebram - dada a conhecida divergência de
alguns direitos religiosos em matéria de igualdade de direitos
e deveres dos cônjuges, monogamia, dissolução,
etc. -, o certificado para casamento não é passado
sem que o conservador se tenha assegurado de que os nubentes têm
conhecimento dos artigos 1577.º, 1600.º, 1671.º
e 1672.º do Código Civil. Também se não
dispensa a presença de duas testemunhas, que é tradicional
e se mantém no casamento católico (canône
1108 do Código de Direito Canónico).
Titulares dos direitos colectivos de liberdade religiosa são «as igrejas e as outras comunidades religiosas», como reconhece a Constituição (artigo 41.º, n.º 3), e ainda as pessoas colectivas por elas criadas. As igrejas são aquelas comunidades religiosas que a si mesmas se designam desse modo, sendo juridicamente insustentável um conceito teológico de igreja que reduza as igrejas às «igrejas de Deus» ou cristãs, ou em última análise, à única igreja «católica». O conceito de confissão é usado na lei (cfr. os artigos 7.º, alíneas g), h), i), 13.º, n.os 1 e 3, 19.º, 20.º, corpo do artigo e n.º 1, 21.º, n.º 2, 22.º, alíneas c), d) e g), 23.º, n. os 1 e 2, 24.º, n. os 1 e 2), a exemplo da Constituição (artigo 41.º, n.º 4), para designar os crentes da mesma fé ou credo, ou o próprio conteúdo da crença religiosa que se confessa ou professa. No seu uso actual, a palavra «confissão» designa frequentemente os crentes de várias igrejas ou comunidades religiosas - por exemplo, «confissão evangélica» designa o conjunto de igrejas que se reconhecem mutuamente como professando a mesma fé evangélica Cfr. os artigos "Kirche", "Konfession", "Religion" em Handbuch religionswissenschaftlicher Grundbegriffe, ed.Herbert Cancik et al., Stuttgart, Kohlhammer, 1988 ss... A cada igreja ou comunidade religiosa compete definir a sua confissão e a sua identidade confessional no confronto com outras confissões, podendo fazê-lo considerando para certos efeitos relevantes diferenças que considera irrelevantes para outros efeitos (o que foi considerado no regime do ensino religioso nas escolas públicas - artigo 28.º - e dos tempos de emissão religiosa - artigo 24.º). Como os direitos colectivos de liberdade religiosa se baseiam na liberdade religiosa dos indivíduos que integram as igrejas ou comunidades religiosas, a definição juridicamente relevante da confissão depende destas últimas e não ao invés.
As igrejas e as demais comunidades religiosas que
não se designam como igrejas são definidas como
comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes
podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos
pela respectiva confissão Cfr.
Axel v.Campenhausen, "New and Small Religious Communities
in Germany", European Consortium for Church-State Research,
New Religious Movements and the Law in the European Union,
Milano, Giuffrè, 1998, p.169. É difícil
conceber uma comunidade social que preencha estes requisitos e
que não seja constituída por, pelo menos, algumas
famílias. Excluem-se associações temporárias
de pessoas para fins religiosos - por exemplo, uma peregrinação
- e associações mesmo duradouras de pessoas que
não tenham como objecto realizar todos os fins religiosos
propostos à generalidade dos seus crentes pela confissão
que professem - por exemplo, uma simples congregação
religiosa. Mais claramente ainda se excluem associações
que visam realizar apenas alguns dos deveres religiosos dos seus
membros, sobretudo em domínios que não são
especificamente religiosos, como a beneficência e a educação.
A distinção entre fins religiosos e
não religiosos e entre as correspondentes actividades (artigo
20.º; cfr. o artigo 26.º e os artigos 30.º e 31.º)
é imposta pelo princípio da igualdade, segundo critérios
constitucionais e legais. Fica imprejudicada a autonomia de definição
confessional dos fins religiosos, incluindo os obrigatórios.
A distinção dos respectivos regimes jurídicos
já estava consagrada no nosso direito, nomeadamente na
Concordata (artigo IV, quanto ao caracter não religioso
dos fins de assistência e beneficência, artigo XX,
quanto às escolas particulares da Igreja) e na Lei n.º
471 (bases XIV, n.º 1 e XVI, n.º 3, quanto às
mesmas matérias). Trata-se de um princípio estruturante,
a que convém dar formulação genérica,
como na actual concordata italiana (Acordo de 18 de Fevereiro
de 1984, n.º 7, 3)) e no disegno di legge de 1997,
artigos 23 e 24.
Os artigos 21.º e 22.º especificam exemplificativamente
o conteúdo das liberdades de organização
e de exercício das funções e do culto das
igrejas e outras comunidades religiosas que a Constituição
consagra no n.º 4 e no n.º 5 (quanto à alínea
c) do artigo 22.º) do artigo 41.º. Tiveram-se em vista
os aspectos que são praticamente mais relevantes ou revelam
um consenso mais alargado. Assim já tiveram expressão,
pelo menos parcial, os conteúdos: das alíneas a)
e b) do artigo 21.º no n.º 1 da base XI da Lei n.º
4/71 e no n.º 16d do Documento Conclusivo da Reunião
de Viena dos Estados Participantes na Conferência sobre
Segurança e Cooperação na Europa de 17 de
Janeiro de 1989; do n.º 2 do artigo 21.º no artigo 6.º,
n.º 1 da Lei orgânica espanhola; do n.º 3 do artigo
21.º no artigo III da Concordata, na base XI, n.º 2
da Lei n.º 4/71 e no artigo 6.º, n.º 2, da Lei
orgânica espanhola; da alínea a) do artigo 22.º
no artigo XVI da Concordata e no artigo 13.º do disegno
di legge; da alínea b) do artigo 22.º no Documento
Conclusivo de Viena, n.º 16d, no artigo 2.º, n.º
2 da Lei orgânica espanhola e no artigo 13 do disegno
di legge; da alínea d) do artigo 22 no Documento Conclusivo
de Viena, n.º 16i, no artigo 2, n.º 2 da Lei orgânica
espanhola e no artigo 13 do disegno di legge; das alíneas
e) e f) do artigo 22.º no artigo 13 do disegno di legge;
da alínea g) no artigo 2, n.º 2 da Lei orgânica
espanhola e no artigo 13 do disegno di legge; da alínea
h) do artigo 22.º na base XVI, n.º 1 da Lei n.º
4/71 e no artigo 2.º, n.º2 da Lei orgânica espanhola;
da alínea i) do artigo 22.º no artigo XX da Concordata
e na base XVI, n.º 1 da Lei n.º 4/71.
Independentemente da sua inscrição
no registo das pessoas colectivas religiosas e consequente reconhecimento
público da sua qualidade religiosa e da sua personalidade
jurídica, têm as igrejas e comunidades religiosas,
pelo simples facto de existirem socialmente, o direito de ensinar
na forma e pelas pessoas por si autorizadas a doutrina da religião
que professam (artigo 22.º, alínea c)). Do mesmo modo,
têm os respectivos crentes o direito de educarem os filhos,
dando-lhes formação religiosa em coerência
com a sua fé (artigo 10.º). O Estado, porém,
pode fazer depender certas formas de colaboração
com o exercício desses direitos, como sejam facultar nas
escolas públicas espaço e horários e pagar
aos professores, da verificação pública dos
pressupostos de facto dos direitos referidos através do
registo. É o que dispõe o artigo 23.º, tendo
em vista o direito em vigor.
A Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, (Lei de Bases
do Sistema Educativo) no seu artigo 47.º, n.º 3 e, no
seu desenvolvimento, o Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto,
(artigo 7.º, n.os 2, 4, e 5) prevêem que,
em alternativa à disciplina do Desenvolvimento Pessoal
e Social, os alunos dos ensinos básico e secundário
poderão optar pela disciplina de Educação
Moral e Religiosa Católica ou de outras Confissões.
Esta disciplina, que se entende ser de formação
religiosa a cargo das confissões religiosas, está
regulada, quanto à Igreja Católica, pelo artigo
XXI da Concordata, pelo Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho,
pela Portaria n.º 333/86, de 2 de Julho, pela Portaria n.º
831/87, de 16 de Outubro (artigo 9.º), pela Portaria n.º
344-A/88, de 31 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 407/89, de
16 de Novembro, e pelo Despacho Normativo n.º 6-A/90, de
31 de Janeiro, e, quanto às outras confissões, pelo
Decreto-Lei n.º 329/98, de 2 de Novembro, que veio revogar
o Despacho Normativo n.º 104/89, de 7 de Setembro, publicado
no Diário da República de 6 de Novembro,
e pelo Despacho Conjunto n.º 179/97, de 8 de Julho de 1997
(Diário da República, II série, de
26.7.1997).
Existe, assim, por virtude dos diplomas por último
referidos, uma disciplina de Educação Moral e Religiosa
Evangélica, ensinada em 111 turmas de 53 escolas no ano
lectivo de 1997/98. Também a Assembleia Espiritual Nacional
dos Bahá'is de Portugal solicitou autorização
para a criação de turmas de formação
religiosa, tendo sido considerada uma confissão religiosa
para esse efeito (Parecer da Procuradoria Geral da República
de 4 de Setembro de 1996, Diário da República,
II série, de 24-9-1996).
O artigo 23.º vem confirmar o que hoje resulta
dos artigos 3.º, 4.º, 6.º e 7.º do Decreto-Lei
n.º 329/98, de 2 de Novembro, com as adaptações,
quanto à representação das «confissões
religiosas com implantação em Portugal» (artigo
3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 229/98), que derivam
do regime da proposta. Do mesmo modo, quanto aos limites da liberdade
de ensino (os casos de «recusa de autorização
de leccionação» do n.º 3 do artigo 3.º
do Decreto-Lei n.º 229/98) passarão a valer os limites
que derivam do artigo 5.º da proposta.
O artigo 25.º da Lei n.º 58/90, de 7 de
Setembro, garante às confissões religiosas, para
o prosseguimento das suas actividades, um tempo de emissão
até duas horas diárias no 2.º canal do serviço
público de televisão. Para execução
do preceito foi acordado entre a Radiotelevisão Portuguesa,
SA, e a Comissão do Tempo de Emissão das Confissões
Religiosas, em 16 de Maio de 1997, um Protocolo nos termos do
qual o período diário de utilização
do tempo de emissão é de trinta minutos entre as
dezoito e as vinte horas, dos quais vinte e dois minutos e meio
são reservados à Igreja Católica e sete minutos
e meio são distribuídos pelas restantes confissões
que integram a Comissão e que são representadas
por Aliança Evangélica Portuguesa, Assembleia Espiritual
Nacional Baha'is de Portugal, Comunidade Hindú de Portugal,
Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Portugal,
Conselho Português de Igrejas Cristãs, Igreja Apostólica
Católica Ortodoxa, Igreja da Ciência Cristã,
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Igreja
Velho Católica e União Portuguesa dos Adventistas
de Sétimo Dia. A composição da Comissão
resultou do reconhecimento mútuo dos seus membros e levantaram-se
posteriormente problemas de representatividade, nomeadamente quanto
à representação da confissão ortodoxa
pela Igreja Apostólica Católica Ortodoxa, uma vez
que não é essa a igreja ortodoxa com maior número
de fieis em Portugal. A redacção proposta para o
artigo 24.º estende ao serviço público de radiodifusão
o regime encontrado para a televisão, por identidade de
razão e por se considerar a solução acordada
feliz e reveladora da capacidade de auto-regulação
da sociedade civil e de um alto espírito de tolerância.
Procura-se garantir no futuro a representatividade da Comissão
do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, fazendo
intervir consultivamente no processo de designação
dos seus membros a Comissão da Liberdade Religiosa.
O artigo 25.º remete para as disposições
legais aplicáveis em matéria de protecção
dos animais a regulamentação do direito de abate
religioso de animais, quando este é exigido pelas normas
rituais ou da prática religiosa de certa confissão.
Tais disposições são actualmente as do artigo
5.º, n.º 1 e 2, e 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei
n.º 28/96, de 2 de Abril, que transpõe para a ordem
jurídica interna a Directiva n.º 39/119/CE, do Conselho,
de 22 de Dezembro, relativa à protecção dos
animais no abate e ou occisão.
O artigo 26.º reconhece às igrejas e
outras comunidades religiosas o direito de exercerem actividades
que sejam instrumentais, consequenciais ou complementares das
suas funções religiosas, e que, por isso, poderão
estar abrangidas por fins tidos por religiosos pela respectiva
confissão, sem como tal serem considerados para os efeitos
do respectivo regime, nos termos do artigo 20.º. Os direitos
de criar escolas particulares e cooperativas e de utilizar meios
de comunicação social próprios estão
consagrados nos artigos 43.º, n.º 4, e 41.º, n.º
5, da Constituição, o de promover as próprias
expressões culturais ou a educação e a cultura
em geral está reconhecido no artigo 13.º do disegno
di leggi italiano e o de praticar beneficência é
indiscutível.
O direito de audiência sobre instrumentos de
planeamento territorial daquelas áreas em que têm
presença social organizada (artigo 27.º) é
um direito instrumental necessário à prática
do culto das igrejas e comunidades religiosas.
A inoponibilidade transitória de objecções
ou sanções administrativas à utilização
para fins religiosos de prédios destinados a outros fins,
enquanto não existir uma alternativa adequada (artigo 28.º),
é uma medida considerada indispensável por muitas
igrejas e comunidades religiosas com poucos recursos. Em nada
se prejudicam os direitos estabelecidos pelo Direito Civil, nomeadamente
pelo regime da propriedade horizontal e do arrendamento.
O artigo 29.º não altera o que já
resulta da legislação sobre o património
cultural e corresponde ao artigo VII da Concordata, com algumas
adaptações, tendo em conta o Regulamento Geral das
Edificações Urbanas (Decreto-Lei n.º 38066,
de 24 de Novembro de 1950).
Em matéria de benefícios fiscais, a
presente proposta visa assegurar igualdade de tratamento entre
a Igreja Católica e as outras igrejas e comunidades religiosas,
ressalvadas as diferenças materiais que a lei considera
relevantes igualmente para todas.
Existem actualmente benefícios de que gozam
certas pessoas e organizações da Igreja Católica
que se consideram ser insustentáveis manter no futuro.
Trata-se da isenção dos eclesiásticos do
IRS, quanto ao exercício do seu múnus espiritual,
da isenção do IVA, concedida às instituições
da Igreja Católica, e da isenção de impostos,
relativamente a actos ou actividades com fins imediatos não
religiosos, das fábricas de igreja, dos seminários,
dos santuários e dos institutos missionários da
Igreja Católica.
Propõe-se um benefício fiscal novo,
a consignação de 0,5% à opção
dos contribuintes, que se considera equivalente ao conjunto daqueles
benefícios, na medida em que a desejável substituição
destes pela consignação proposta seria globalmente
equivalente para a Igreja Católica.
A isenção dos eclesiásticos
do IRS parece imposta pelo artigo VIII da Concordata. Mas esta
parte do artigo VIII integra um conjunto de disposições
(cfr. também os artigos XI, XV, XVIII) que equiparam os
eclesiásticos a autoridades, funcionários públicos
ou oficiais do quadro. Ora os funcionários públicos
e agentes do Estado, que estavam isentos de imposto sobre o rendimento,
deixaram de o estar em 1975. Deve entender-se que houve uma alteração
das circunstâncias que tornou a isenção desadequada.
É certo que poderá dizer-se haver aqui uma compensação
pela expropriação de benefícios e outros
meios de sustentação do clero. Mas a desigualdade
implica hoje uma certa degradação do estatuto de
cidadania e parece até constitucionalmente duvidosa.
A actual isenção do IVA (Decreto-Lei
n.º 20/90, de 30 de Janeiro) viola a directiva da União
Europeia sobre o IVA (Directiva n.º 77/388/CEE, de 17/05/77),
pelo que a sua manutenção constitui o Estado em
responsabilidade. Esta isenção implica uma devolução
pelo Estado do IVA já pago que atinge montantes que alteraram
substancialmente as relações financeiras entre o
Estado e a Igreja Católica e as IPSS que lhe pertencem,
desde 1991. O Estado passou a «subsidiar» na prática
a Igreja Católica, a título de devolução
do IVA a instituição suas, criando-se afinal uma
situação aproximada da que existia na Itália
e na Espanha, quando esses Estados estavam obrigados pelas Concordatas
então em vigor a contribuir para a sustentação
do clero. Ora o meio que se encontrou em Itália, e se adoptou
na Espanha, para substituir o sistema de subsídio do Estado,
a cargo de todos os contribuintes, por outro sistema respeitador
do carácter não-confessional do Estado e do princípio
de igualdade, foi criar uma consignação fiscal,
facultada aos crentes das religiões reconhecidas, relativamente
à própria igreja ou comunidade religiosa, de montante
previsivelmente equivalente aos anteriores subsídios. Criou-se
assim na Itália em 1985 (aplicada a partir de 1990) uma
consignação fiscal de 0,8%, e em Espanha de 0,5239
a partir de 1988. Os cálculos feitos apontam para que uma
percentagem de 0,5% seja suficiente para compensar da perda não
só de isenção do IVA como dos outros benefícios
referidos.
A Concordata, além da referida isenção
de impostos dos eclesiásticos, prevê apenas que «são
isentos de qualquer imposto ou contribuição, geral
ou local, os templos e os objectos neles contidos, os seminários
ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação
do clero, e bem assim os editais e avisos afixados à porta
das igrejas, relativos ao ministério sagrado» (artigo
VIII). Ora a administração fiscal passou a entender
a partir de 1972 (Circular n.º 22/72, de 30 de Novembro),
em consequência de mudança de jurisprudência
do Supremo Tribunal Administrativo, que esta isenção
se aplicava não aos bens, mas às entidades administradoras
de tais bens, abrangendo os impostos relativos a actividades lucrativas.
Assim o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão
do STA. de 18.2.1988, 2ª Secção, Proc. n.º
4776) considerou, por exemplo, que um santuário está
isento de imposto de capitais, secção B, relativamente
aos juros de depósitos efectuados nas instituições
de crédito. A mesma doutrina valeria para os institutos
missionários, por força do artigo 11.º do Acordo
Missionário, mas já não para as dioceses
(Acórdão do STA. de 23.11.1988, 2.ª Secção,
Proc. n.º 47715). Assim um colégio de um instituto
religioso, que tenha missionários, está hoje isento
de IRC, mas o mesmo não vale para um colégio diocesano.
Do mesmo modo, quanto ao IRC pelos juros de depósitos bancários.
Este desenvolvimento parece violar a filosofia e
o princípio de igualdade do actual sistema fiscal e, nesta
parte, da Proposta, segundo a qual as actividades com fins diversos
dos religiosos, isto é, que não sejam de exercício
do culto e dos ritos, de cura de almas, de formação
dos ministros do culto, de missionação e difusão
da confissão professada e de ensino da religião,
mas sejam, por exemplo, de assistência, de beneficência,
de educação e de cultura, além das comerciais
e lucrativas, estão sujeitas ao regime fiscal desse género
de actividades (artigo 20.º da proposta).
Entende-se que a subsistência destes benefícios
ou a sua inclusão na Concordata, bem como a aplicabilidade
dos referidos artigos do Acordo Missionário, em face da
alteração de circunstâncias, são duvidosas:
justificar-se-ia, portanto, um acordo com a Santa Sé no
espírito de procura de uma solução amigável
a que se refere o artigo XXX da Concordata (cfr. o artigo 59.º
do Anteprojecto), que permitisse a adopção de um
regime transitório tendente para a aplicação
também à Igreja Católica do sistema fiscal
proposto, mesmo antes de efectivada a desejável revisão
da Concordata.
Em resposta às reivindicações
que neste particular domínio foram feitas por igrejas e
comunidades religiosas não católicas, consagra-se
a extensão de determinados benefícios fiscais.
No entanto, resulta de tudo o que ficou dito anteriormente
que urge uma inovação legislativa que evite as objecções
e seja susceptível de aplicação igualitária
a todas as igrejas ou comunidades religiosas nas mesmas circunstâncias.
Assim, consagra-se um regime transitório aplicável
a todas as igrejas e comunidades religiosas radicadas no país,
bem como aos institutos de vida consagrada e outros institutos
pelas mesmas fundados, e ainda às federações
e associações em que se integrem. De acordo com
o artigo 65.º, passa a ser-lhes permitido optar entre o regime
actualmente aplicável à Igreja Católica e
o regime previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 31.º
(quota de 0,5% do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares).
Da redacção do artigo 65.º - «...poderão
optar pelo regime previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º
20/90, de 13 de Janeiro, enquanto vigorar...» - resulta que
se impõe, no entanto, ao legislador, a necessidade de,
a prazo, proceder à sua revogação.
Finalmente, e por imperativos de natureza orçamental
difere-se, todavia, no artigo 66.º, a entrada em vigor do
novo regime de benefícios fiscais para o momento do início
do ano económico seguinte ao da entrada em vigor da presente
Lei.
A proposta prevê quatro situações possíveis, dependentes da realidade social e da vontade das pessoas.
Qualquer grupo de pessoas pode associar-se e reunir com fins religiosos (artigo 7.º, alínea f)), sem precisar de personalidade jurídica para usufruir dos direitos colectivos fundamentais de liberdade religiosa (artigos 21.º e 22.º). Esta é a primeira situação possível.
Todas as pessoas colectivas com fins religiosos não católicas têm actualmente o estatuto de associações civis e estão ou podem estar inscritas no registo correspondente do Ministério da Justiça. Têm todos os direitos colectivos de liberdade religiosa dos grupos de pessoas da primeira situação, e mais os que, por natureza dependem para o seu exercício da personalidade jurídica. Não têm direito ao reconhecimento público, portanto automático, desses direitos, podendo ter de fazer prova do seu carácter religioso para os exercer perante terceiros. Continuará no futuro a existir esta possibilidade, aberta a comunidades ou associações de pessoas com fins religiosos, de adquirirem o estatuto de associações civis (artigo 43.º). As que o têm não o perderão, embora não possam mais estar inscritas senão no registo geral de pessoas colectivas, onde, aliás, estão também inscritas as pessoas colectivas da Igreja Católica (mais de 6.000), e para onde serão transferidos os processos de registo das associações inscritas no registo do Ministério da Justiça, que não se inscreveram como pessoas colectivas religiosas nos termos da nova lei (n.os 2 e 3 do artigo 64.º). É a segunda situação.
As igrejas e comunidades religiosas que demonstrarem a sua existência em Portugal, isto é, presença social organizada e prática religiosa no país, e ainda a sua doutrina, organização interna pessoal e patrimonial, poderão inscrever-se como pessoas colectivas religiosas e fazer inscrever os seus institutos ou organizações religiosas e federações (artigos 32.º a 35.º). Têm então direito ao reconhecimento público dos seus direitos colectivos de liberdade religiosa. É a terceira situação.
Finalmente as igrejas e comunidades religiosas inscritas que oferecem garantia de duração pelo número dos seus crentes e por terem mais de 30 anos de existência organizada no país - poderão ser menos se se tratar de igreja ou comunidade religiosa fundada há mais de 60 anos - serão consideradas radicadas no país (artigo 36.º). Esse estatuto possibilita certas formas de colaboração com o Estado que não são decorrência da liberdade religiosa, mas são compatíveis e até exigidas pela Constituição, em nome do princípio da igualdade, em face do regime jurídico da Igreja Católica. Trata-se da celebração de casamentos civis com forma religiosa (artigo 18.º), da colaboração em órgãos de consulta ou gestão do sector (Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas - artigo 24.º, n.º 3 - e Comissão da Liberdade Religiosa - artigo 55.º, n.º 1, alínea b) -), da celebração de acordos com o Estado (artigo 44.º) e da atribuição de uma pequena parte (0,5 por cento), por indicação dos próprios crentes, do imposto que estes pagam, calculada em função dos benefícios fiscais, que se pretendem igualizar, da Igreja Católica (artigo 31.º, n.os 3 e 4). Entende-se que o Estado não deve interferir, na forma de ajuda à implantação no país através de colaboração em funções suas na concorrência das confissões religiosas. Seria colaborar com o proselitismo com risco de ofensa da neutralidade religiosa. É a quarta situação.
Adopta-se no entanto um regime transitório (artigo 67.º) tendo em conta a situação existente anteriormente ao 25 de Abril de 1974, em que a política na matéria, seguida pelo regime ditatorial, impedia em muitos casos a prática religiosa em liberdade por várias confissões religiosas.
Quais os efeitos da aplicação do sistema proposto às associações actualmente inscritas no registo do Ministério da Justiça? Os elementos constantes do registo na maior parte dos casos nada dizem, porque não têm que dizer, da história da existência no país nem da realidade social subjacente a cada associação. Por outro lado, a aplicação dos novos estatutos jurídicos depende de actos futuros livres das associações e das comunidades. Presumindo que quem pode ter um estatuto pretenderá alcançá-lo, presunção que só vale tendencialmente - há comunidades religiosas que obtiveram o estatuto, fiscalmente mais vantajoso, de instituição particular de solidariedade social -, faltam estudos adequados da realidade e da história. Com base nas indicações dos próprios, em resposta às consultas da Comissão de Liberdade Religiosa, e nas publicações existentes, muito inadequadas ao objectivo, poderá aventurar-se o seguinte panorama. Das 459 associações inscritas haverá pouco mais de 60 que correspondem a igrejas ou comunidades religiosas diferenciadas, sendo as demais organizações de fim mais restrito ou âmbito local, criadas pelas primeiras. Destas pouco mais de 40 poderão e quererão inscrever-se no novo registo. Das inscritas, talvez uma vintena poderá, desde logo, aspirar ao estatuto de igreja ou comunidade religiosa radicada no país.
Releva-se especialmente o disposto no artigo 39.º:
torna-se obrigatória a inscrição, passado
um ano sobre a entrega do requerimento de inscrição,
se entretanto não foi enviada notificação
da recusa de inscrição por carta registada ao requerente.
Adopta-se, assim, embora com prazo mais dilatado (um ano, em vez
de seis meses), a solução da lei austríaca
sobre a personalidade jurídica das comunidades confessionais
Religiosas de 1997, § 2.º, n.º 1 e 2, a qual assim
responde a uma exigência de garantia dos direitos colectivos
religiosos, firmada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional
austríaco.
A proposta prevê a possibilidade de, por iniciativa das igrejas, comunidades religiosas radicadas no país ou federações, serem celebrados com o Estado acordos que tenham por objecto matérias de interesse comum.
O processo de celebração dos acordos comportará as seguintes fases: apresentação de proposta, audição da Comissão da Liberdade Religiosa, nomeação de uma comissão negociadora, elaboração do projecto de acordo, aprovação em Conselho de Ministros e assinatura pelas partes, apresentação à Assembleia da República e aprovação mediante lei.
A par de outras causas, consagra-se como fundamento de recusa da negociação do acordo a desconformidade das normas internas ou da prática religiosa com as normas jurídicas portuguesas, evitando-se, desta forma, o reconhecimento de normas ou práticas que contrariem o ordenamento jurídico vigente (alínea a) do artigo 46.º).
Para a realização dos fins que se propõem,
e sempre que os acordos não envolvam a aprovação
de uma lei, podem as pessoas colectivas religiosas celebrá-los
com o Estado e com os órgãos das Regiões
Autónomas e das autarquias locais.
A Comissão da Liberdade Religiosa deve funcionar como órgão consultivo independente com funções de estudo, informação, parecer e proposta em todas as matérias relacionadas com a aplicação da Lei de Liberdade Religiosa, com o desenvolvimento, melhoria e eventual revisão da mesma Lei e, em geral, com o direito das religiões em Portugal.
A Comissão terá igualmente funções de investigação científica das igrejas, comunidades e movimentos religiosos em Portugal.
No exercício das suas funções deve competir à Comissão emitir pareceres sobre os projectos de acordos entre igrejas ou comunidades religiosas e o Estado, sobre a radicação no país de igrejas ou comunidades religiosas, sobre a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas e sobre a inscrição de igrejas ou comunidades religiosas que forem requeridos pelo serviço do registo das pessoas colectivas religiosas. Competir-lhe-á ainda estudar a evolução dos movimentos religiosos em Portugal e, em especial, reunir e manter actualizada a informação sobre novos movimentos religiosos, fornecer a informação necessária aos serviços, instituições e pessoas interessadas e publicar um relatório anual sobre a matéria, bem como elaborar estudos, informações, pareceres e propostas.
A Comissão deve agrupar, paritariamente, três distintos grupos: o designado pelo Governo, o indicado pelas igrejas, comunidades religiosas ou federações, e o constituído por individualidades de reconhecida competência científica na área. Assim se assegura o pluralismo e a neutralidade do Estado nesta matéria.
O presidente, atenta a natureza das suas funções, deve ser designado pelo Conselho de Ministros de entre juristas de reconhecido mérito e por períodos renováveis de três anos. Remete-se a regulamentação do regime dos serviços de apoio e do estatuto do seu pessoal para diploma a aprovar pelo Governo no prazo de 60 dias (artigos 57.º e 69.º).
Assim, nos termos da alínea d) do n.º
1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo
apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta
de lei para ser aprovada e valer como lei geral da República:
A liberdade de consciência, de religião
e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade
com a Constituição, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável
e a presente lei.
1. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa.
2. O Estado não discriminará nenhuma
igreja ou comunidade religiosa relativamente às outras.
As igrejas e demais comunidades religiosas estão
separadas do Estado e são livres na sua organização
e no exercício das suas funções e do culto.
1. O Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas.
2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes religiosas.
3. O ensino público não será
confessional.
1. A liberdade de consciência, de religião e de culto só admite as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
2. A liberdade de consciência, de religião e de culto não autoriza a prática de crimes.
3. Os limites do direito à objecção de consciência demarcam para o objector o comportamento permitido.
4. A lei pode regular, sempre que necessário, o exercício da liberdade de consciência, de religião e de culto, sem prejuízo da existência de tal liberdade.
5. A declaração do estado de sítio
ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar a
liberdade de consciência e de religião.
Os conflitos entre a liberdade de consciência,
de religião e de culto de uma pessoa e a de outra ou outras
resolver-se-ão com tolerância, de modo a respeitar
quanto possível a liberdade de cada uma.
A liberdade de consciência, de religião e de culto compreende o direito de:
b) Escolher livremente a própria crença religiosa, mudar de crença e abandonar a que se tinha;
c) Informar e se informar sobre religião, aprender e ensinar religião;
d) Professar a própria crença religiosa, procurar para ela novos crentes, exprimir e divulgar livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento em matéria religiosa;
e) Produzir obras científicas, literárias e artísticas em matéria de religião;
f) Reunir-se, manifestar-se e associar-se com outros de acordo com as próprias convicções em matéria religiosa, sem outros limites além dos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Constituição;
g) Praticar ou não praticar os actos do culto, particular ou público, próprios da religião professada;
h) Agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada.
i) Escolher para os filhos os nomes próprios da onomástica religiosa da religião professada.
1. Ninguém pode:
b) Ser coagido a fazer parte, a permanecer ou a sair de associação religiosa, igreja ou comunidade religiosa, sem prejuízo das respectivas normas sobre a filiação e a exclusão de membros;
c) Ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder;
d) Ser obrigado a prestar juramento religioso.
A liberdade de religião e de culto compreende o direito de, de acordo com os respectivos ministros do culto e segundo as normas da igreja ou comunidade religiosa escolhida:
b) Celebrar casamento e ser sepultado com os ritos da própria religião;
c) Comemorar publicamente as festividades religiosas
da própria religião.
1. Os pais têm o direito de educação dos filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, no respeito da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes.
2. Os menores, a partir dos 16 anos de idade, têm
o direito de realizar por si as escolhas relativas a liberdade
de consciência, de religião e de culto.
1. A liberdade de consciência compreende o direito de objectar ao cumprimento de leis que contrariem os ditames impreteríveis da própria consciência, dentro dos limites dos direitos e deveres impostos pela Constituição e nos termos da lei que eventualmente regular o exercício da objecção de consciência.
2. Consideram-se impreteríveis aqueles ditames da consciência cuja violação implica uma ofensa grave à integridade moral que torne inexigível outro comportamento.
3. Os objectores de consciência ao serviço
militar, sem exceptuar os que invocam também objecção
de consciência ao serviço cívico, têm
direito a um regime do serviço cívico que respeite,
na medida em que isso for compatível com o princípio
da igualdade, os ditames da sua consciência.
1. A qualidade de membro das forças armadas, das forças de segurança ou de polícia, a prestação de serviço militar ou de serviço cívico, o internamento em estabelecimentos de saúde, de assistência, de educação ou similares, a detenção em estabelecimento prisional ou outro lugar de detenção não impedem o exercício da liberdade religiosa e, nomeadamente, do direito à assistência religiosa e à prática dos actos de culto.
2. As restrições imprescindíveis por razões funcionais ou de segurança só podem ser impostas mediante audiência prévia, sempre que possível, do ministro do culto respectivo.
3. O Estado deverá criar as condições
adequadas ao exercício da assistência religiosa nas
instituições públicas referidas no n.º
1.
1. Os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições:
b) Serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao Ministro da Justiça a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso;
c) Haver compensação integral do respectivo período de trabalho.
3. Se a data de prestação de provas
de avaliação dos alunos coincidir com o dia dedicado
ao repouso ou ao culto pelas respectivas confissões religiosas,
poderão essas provas ser prestadas em segunda chamada,
ou em nova chamada, em dia em que se não levante a mesma
objecção.
1. Ministros do culto são as pessoas como tais consideradas segundo as normas da respectiva igreja ou comunidade religiosa.
2. A qualidade de ministro do culto é certificada pelos órgãos competentes da respectiva igreja ou comunidade religiosa, que igualmente credenciam os respectivos ministros para a prática de actos determinados.
3. A autenticação dos certificados
e das credenciais referidos no número anterior compete
ao registo das pessoas colectivas religiosas.
1. Os ministros do culto têm a liberdade de exercer o seu ministério.
2. Os ministros do culto não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério.
3. O exercício do ministério é considerado actividade profissional do ministro do culto quando lhe proporciona meios de sustento, bastando como prova destes para efeito da autorização de residência a ministros do culto estrangeiros a sua garantia pela respectiva igreja ou comunidade religiosa.
4. Os ministros do culto das igrejas e demais comunidades religiosas inscritas têm direito às prestações do sistema de segurança social nos termos da lei, sendo obrigatoriamente inscritos pela igreja ou comunidade religiosa a que pertençam, salvo se exercerem por forma secundária a actividade religiosa e o exercício da actividade principal não religiosa determinar a inscrição obrigatória num regime de segurança social.
5. Para os efeitos dos dois números anteriores,
equiparam-se aos ministros do culto os membros de institutos de
vida consagrada e outras pessoas que exercem profissionalmente
actividades religiosas e que, como tais, sejam certificadas pela
igreja ou comunidade religiosa a que pertençam.
1. As obrigações militares dos alunos dos estabelecimentos de formação de ministros do culto, dos membros dos institutos de vida consagrada, bem como dos ministros do culto das igrejas e demais comunidades religiosas inscritas são cumpridas nos serviços de assistência religiosa, de saúde e de acção social das Forças Armadas, a não ser que manifestem o desejo de prestarem serviço efectivo.
2. Constitui motivo de dispensa das provas de classificação e selecção para o serviço militar, bem como de adiamento da incorporação, a frequência de cursos de formação de ministros do culto de igreja ou comunidade religiosa inscrita.
3. Fica ressalvado o direito a objecção
de consciência ao serviço militar, nos termos gerais.
Os ministros do culto, os membros dos institutos
de vida consagrada e outras pessoas que exerçam profissionalmente
actividades religiosas de igrejas ou de outras comunidades religiosas
inscritas podem pedir escusa de intervenção como
jurados.
1. São reconhecidos efeitos civis ao casamento celebrado por forma religiosa perante o ministro do culto de uma igreja ou comunidade religiosa radicada no país. O ministro do culto deverá ter a nacionalidade portuguesa ou, sendo estrangeiro, ter autorização de residência temporária ou permanente em Portugal.
2. Aqueles que pretendam contrair casamento por forma religiosa deverão declará-lo, pessoalmente ou por intermédio de procurador, no requerimento de instauração do respectivo processo de publicações na conservatória do registo civil competente, indicando o ministro do culto credenciado para o acto. A declaração para casamento pode ainda ser prestada pelo ministro do culto, mediante requerimento por si assinado.
3. Autorizada a realização do casamento, o conservador passa o certificado para casamento, nos termos dos artigos 146.º e 147.º do Código do Registo Civil, com as necessárias adaptações. O certificado não é passado sem que o conservador se tenha assegurado de que os nubentes têm conhecimento dos artigos 1577.º, 1600.º, 1671.º e 1672.º do Código Civil. O certificado deve conter menção deste facto, bem como do nome e da credenciação do ministro do culto. O certificado é remetido oficiosamente ao ministro do culto, a quem são igualmente comunicados os impedimentos de conhecimento superveniente.
4. É indispensável para a celebração do casamento a presença:
b) Do ministro do culto;
c) De duas testemunhas.
6. O conservador deve efectuar a transcrição
do duplicado dentro do prazo de dois dias e comunicá-la
ao ministro do culto até ao termo do dia imediato àquele
em que foi feita.
As igrejas e as comunidades religiosas são
comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes
podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos
pela respectiva confissão.
1. Independentemente de serem propostos como religiosos pela confissão, consideram-se, para efeitos da determinação do regime jurídico:
b) Fins diversos dos religiosos, entre outros, os de assistência e de beneficência, de educação e de cultura, além dos comerciais e de lucro.
2. As actividades com fins não religiosos
das igrejas e comunidades religiosas estão sujeitas ao
regime jurídico e, em especial, ao regime fiscal desse
género de actividades.
1. As igrejas e demais comunidades religiosas são livres na sua organização, podendo dispor com autonomia sobre:
b) A designação, funções e poderes dos seus representantes, ministros, missionários e auxiliares religiosos;
c) Os direitos e deveres religiosos dos crentes, sem prejuízo da liberdade religiosa destes;
d) A adesão ou a participação na fundação de federações ou associações interconfessionais, com sede no país ou no estrangeiro.
2. São permitidas cláusulas de salvaguarda da identidade religiosa e do carácter próprio da confissão professada.
3. As igrejas e demais comunidades religiosas inscritas
podem com autonomia fundar ou reconhecer igrejas ou comunidades
religiosas de âmbito regional ou local, institutos de vida
consagrada e outros institutos, com a natureza de associações
ou de fundações, para o exercício ou para
a manutenção das suas funções religiosas.
As igrejas e demais comunidades religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros :
b) Estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos;
c) Ensinar na forma e pelas pessoas por si autorizadas a doutrina da confissão professada;
d) Difundir a confissão professada e procurar para ela novos crentes;
e) Assistir religiosamente os próprios membros;
f) Comunicar e publicar actos em matéria religiosa e de culto;
g) Relacionar-se e comunicar com as organizações da mesma ou de outras confissões no território nacional ou no estrangeiro;
h) Designar e formar os seus ministros;
i) Fundar seminários ou quaisquer outros estabelecimentos
de formação ou cultura religiosa.
1. As igrejas e demais comunidades religiosas ou, em sua vez, as organizações representativas dos crentes residentes em território nacional, desde que inscritas, por si, ou conjuntamente, quando para o efeito professem uma única confissão ou acordem num programa comum, podem requerer ao Ministro da Educação que lhes seja permitido ministrar ensino religioso nas escolas públicas do ensino básico e do ensino secundário que indicarem.
2. O funcionamento das aulas de ensino religioso de certa confissão ou programa depende da existência de um número mínimo de alunos, que tenham, pelo encarregado de educação ou por si, sendo maiores de 16 anos, manifestado, expressa e positivamente, o desejo de frequentar a disciplina.
3. Os professores serão nomeados ou contratados, transferidos e excluídos do exercício da docência da disciplina pelo Estado, de acordo com os representantes das igrejas, comunidades ou organizações representativas. Em nenhum caso o ensino será ministrado por quem não seja considerado idóneo pelos referidos representantes.
4. Compete às igrejas e demais comunidades
religiosas formar os professores, elaborar os programas e aprovar
o material didáctico, em harmonia com as orientações
gerais do sistema do ensino.
1. Nos serviços públicos de televisão e de radiodifusão é garantido às igrejas e demais comunidades religiosas inscritas, por si, através da respectiva organização representativa, ou conjuntamente, quando preferirem participar como se fossem uma única confissão, um tempo de emissão, fixado globalmente para todas, para prossecução dos seus fins religiosos.
2. A atribuição e distribuição do tempo de emissão referido no número anterior é feita tendo em conta a representatividade das respectivas confissões e o princípio da tolerância, por meio de acordos entre a Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas e as empresas titulares dos serviços públicos de televisão e de radiodifusão.
3. A Comissão do Tempo de Emissão das
Confissões Religiosas é constituída por representantes
da Igreja Cató1ica e das igrejas e comunidades religiosas
radicadas no país ou das federações em que
as mesmas se integrem, designados por três anos por despacho
conjunto do Ministro da Justiça e do Ministro responsável
pela área da comunicação social, depois de
ouvida a Comissão da Liberdade Religiosa.
O abate religioso de animais deve respeitar as disposições
legais aplicáveis em matéria de protecção
dos animais.
As igrejas e outras comunidades religiosas podem ainda exercer actividades com fins não religiosos que sejam instrumentais, consequenciais ou complementares das suas funções religiosas, nomeadamente:
b) Praticar beneficência dos crentes, de quaisquer pessoas ou de animais;
c) Promover as próprias expressões culturais ou a educação e a cultura em geral;
d) Utilizar meios de comunicação social
próprios para o prosseguimento das suas actividades.
As igrejas e demais comunidades religiosas inscritas
têm o direito de serem ouvidas quanto às decisões
relativas à afectação de espaço a
fins religiosos em instrumentos de planeamento territorial daquelas
áreas em que tenham presença social organizada.
1. Havendo acordo do proprietário, ou da maioria dos condóminos no caso de edifício em propriedade horizontal, a utilização para fins religiosos do prédio ou da fracção destinados a outros fins não pode ser fundamento de objecção, nem da aplicação de sanções, pelas autoridades administrativas ou autárquicas, enquanto não existir uma alternativa adequada à realização dos mesmos fins.
2. O disposto no n.º 1 não prejudica
os direitos dos condóminos recorrerem a juízo nos
termos gerais.
1. Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto do culto pode ser demolido ou destinado a outro fim, a não ser por acordo prévio com a respectiva igreja ou comunidade religiosa, por expropriação por utilidade pública ou por requisição, em caso de urgente necessidade pública, salvo quando a demolição se torne necessária por a construção ameaçar ruína ou oferecer perigo para a saúde pública.
2. Nos casos de expropriação, de requisição e de demolição referidos no número anterior, é ouvida, sempre que possível, a respectiva igreja ou comunidade religiosa. Esta tem igualmente direito de audição prévia na determinação da execução de obras necessárias para corrigir más condições de salubridade, solidez ou segurança contra o risco de incêndio e na classificação de bens religiosos como de valor cultural.
3. Em qualquer caso, não será praticado
acto algum de apropriação ou de utilização
não religiosa sem que previamente os bens tenham sido privados
da sua natureza religiosa pela respectiva igreja ou comunidade
religiosa.
1. As igrejas e demais comunidades religiosas podem livremente, sem estarem sujeitas a qualquer imposto:
b) Fazer colectas públicas, designadamente dentro ou à porta dos lugares de culto, assim como dos edifícios ou lugares que lhes pertençam;
c) Distribuir gratuitamente publicações com declarações, avisos ou instruções em matéria religiosa e afixá-las nos lugares de culto.
2. Não está abrangido pelo disposto
no número anterior o preço de prestações
de formação, terapia ou aconselhamento espiritual,
oferecidas empresarialmente.
1. As pessoas colectivas religiosas inscritas estão isentas:
b) As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;
c) Os seminários ou quaisquer estabelecimentos efectivamente destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião;
d) As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) a uso de instituições particulares de solidariedade social;
e) Os jardins e logradouros dos prédios descritos nas alíneas a) a d) desde que não estejam destinados a fins lucrativos.
f) Do imposto municipal de sisa e sobre as sucessões e doações quanto:
g) Às aquisições de bens para fins religiosos;
h) Aos actos de instituição de fundações, uma vez inscritas como pessoas colectivas religiosas.
2. Os donativos atribuídos pelas pessoas singulares às pessoas colectivas religiosas inscritas para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, são dedutíveis à colecta em valor correspondente a 25% das importâncias atribuídas, até ao limite de 15% da colecta.
3. Uma quota equivalente a 0,5% do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, liquidado com base nas declarações anuais, pode ser destinada pelo contribuinte, para fins religiosos ou de beneficência, a uma igreja ou comunidade religiosa radicada no país, que indicará na declaração de rendimentos, desde que essa igreja ou comunidade religiosa tenha requerido o benefício fiscal.
4. As verbas destinadas, nos termos do número anterior, às igrejas e comunidades religiosas são entregues pelo Tesouro às mesmas ou às suas organizações representativas, que apresentarão na Direcção Geral dos Impostos relatório anual do destino dado aos montantes recebidos.
5. O contribuinte que não use a faculdade
prevista no n.º 3 pode fazer uma consignação
fiscal equivalente a favor de uma pessoa colectiva de utilidade
pública de fins de beneficência ou de assistência
ou humanitários ou de uma instituição particular
de solidariedade social, que indicará na sua declaração
de rendimentos.
Podem adquirir personalidade jurídica pela inscrição no registo das pessoas colectivas religiosas, que é criado no Ministério da Justiça:
b) As igrejas e demais comunidades religiosas de âmbito regional ou local;
c) Os institutos de vida consagrada e outros institutos, com a natureza de associações ou de fundações, fundados ou reconhecidos pelas pessoas colectivas referidas nas alíneas a) e b) para a prossecução dos seus fins religiosos;
d) As federações ou as associações de pessoas colectivas referidas nas alíneas anteriores.
O pedido de inscrição é dirigido ao Ministro da Justiça e instruído com os estatutos e outros documentos que permitam inscrever:
b) A constituição, instituição ou estabelecimento em Portugal da organização correspondente à igreja ou comunidade religiosa ou o acto de constituição ou fundação e, eventualmente, também o de reconhecimento da pessoa colectiva religiosa;
c) A sede em Portugal;
d) Os fins religiosos;
e) Os bens ou serviços que integram ou deverão integrar o património;
f) As disposições sobre formação, composição, competência e funcionamento dos seus órgãos;
g) As disposições sobre a extinção da pessoa colectiva;
h) O modo de designação e os poderes dos seus representantes;
i) A identificação dos titulares dos
órgãos em efectividade de funções
e dos representantes e especificação da competência
destes últimos.
A inscrição das igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional, ou de âmbito regional ou local, quando não sejam criadas ou reconhecidas pelas anteriores, é ainda instruída com prova documental:
b) Da sua existência em Portugal, com especial
incidência sobre os factos que atestam a presença
social organizada, a prática religiosa e a duração
em Portugal.
1. As igrejas e comunidades religiosas que tenham âmbito supranacional podem instituir uma organização representativa dos crentes residentes no território nacional, que requererá a sua própria inscrição no registo, em vez da inscrição da parte da igreja ou comunidade religiosa existente no território nacional.
2. A inscrição está sujeita
às mesmas condições da inscrição
de igrejas ou comunidades religiosas de âmbito nacional.
1. Consideram-se radicadas no país as igrejas e comunidades religiosas inscritas com garantia de duração, sendo a qualificação atestada pelo Ministro da Justiça, em vista do número de crentes e da história da sua existência em Portugal, depois de ouvir a Comissão da Liberdade Religiosa.
2. O atestado não poderá ser requerido antes de 30 anos de presença social organizada no país, salvo se se tratar de igreja ou comunidade religiosa fundada no estrangeiro há mais de 60 anos. O atestado é averbado no registo.
3. O requerimento do atestado será instruído
com a prova dos factos que o fundamentam, aplicando-se o disposto
no artigo 37.º.
1. Se o requerimento de inscrição ou atestado estiver insuficientemente instruído, será o requerente convidado a suprir as faltas no prazo de sessenta dias.
2. Com vista à prestação de esclarecimentos ou de provas adicionais, o requerente poderá igualmente ser convidado para uma audiência da Comissão da Liberdade Religiosa, especificando-se a matéria e a ordem de trabalhos.
3. Qualquer dos convites deverá ser feito
no prazo de noventa dias da entrada do requerimento de inscrição.
A inscrição só pode ser recusada por:
b) Falsificação de documento;
c) Violação dos limites constitucionais
da liberdade religiosa.
1. Torna-se obrigatória a inscrição, passado um ano sobre a entrega do requerimento de inscrição, se entretanto não for enviada notificação da recusa de inscrição por carta registada ao requerente.
2. O prazo referido no número anterior, no
caso da inscrição de igrejas ou comunidades religiosas
ou da respectiva organização representativa, é
suspenso pelo prazo do suprimento das faltas ou da audiência
referido no artigo 37.º.
As modificações dos elementos do assento
da pessoa colectiva religiosa, ou das circunstâncias em
que ele se baseou, devem ser comunicadas ao registo.
1. As pessoas colectivas religiosas extinguem-se:
a) Por deliberação dos seus órgãos representativos;
b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto da constituição ou nas suas normas internas;
d) Por decisão judicial, pelas causas de extinção judicial das associações civis.
A capacidade das pessoas colectivas religiosas abrange
todos os direitos e obrigações necessários
ou convenientes à prossecução dos seus fins.
As associações e fundações
com fins religiosos podem ainda adquirir personalidade jurídica
nos termos previstos no Código Civil para as pessoas colectivas
privadas, ficando então sujeitas às respectivas
normas, excepto quanto à sua actividade com fins religiosos.
As igrejas ou comunidades religiosas radicadas no
país ou as federações em que as mesmas se
integram podem propor a celebração de acordos com
o Estado sobre matérias de interesse comum.
1. A proposta de acordo é apresentada em requerimento de abertura de negociações dirigido ao Ministro da Justiça, acompanhado de documentação comprovativa da verificação da conformidade referida na alínea a) do artigo 46.º.
2. Depois de ouvir sobre a proposta de acordo a Comissão da Liberdade Religiosa, o Ministro da Justiça pode:
b) Nomear uma comissão negociadora, composta por representantes dos Ministérios interessados e por igual número de cidadãos portugueses designados pela igreja ou comunidade religiosa, com o encargo de elaborar um projecto de acordo ou um relato das razões da sua impraticabilidade. O presidente da Comissão é designado pelo Ministro.
São fundamentos de recusa da negociação do acordo:
b) Não terem decorrido cinco anos sobre a recusa de proposta anterior;
c) Não ser necessária a aprovação de uma nova lei para alcançar os objectivos práticos da proposta;
d) Não merecer aprovação o conteúdo
essencial da proposta.
1. Uma vez aprovado em Conselho de Ministros, o acordo é assinado pelo Primeiro-Ministro e pelos Ministros competentes em razão da matéria, do lado do Governo, e pelos representantes da igreja ou da comunidade religiosa ou da federação.
2. O acordo só entrará em vigor depois
da sua aprovação por lei da Assembleia da República.
O acordo é apresentado à Assembleia
da República com a proposta da lei que o aprova.
Até à deliberação da
Assembleia da República que aprovar o acordo, este pode
ser alterado por acordo das partes, devendo qualquer alteração
ser imediatamente comunicada à Assembleia da República.
As pessoas colectivas religiosas podem celebrar outros
acordos com o Estado as regiões autónomas e as autarquias
locais para a realização do seus fins, que não
envolvam a aprovação de uma lei.
É criada a Comissão da Liberdade Religiosa,
órgão independente de consulta do Ministério
da Justiça.
1. A Comissão tem funções de estudo, informação, parecer e proposta em todas as matérias relacionadas com a aplicação da Lei de Liberdade Religiosa, com o desenvolvimento, melhoria e eventual revisão da mesma Lei e, em geral, com o direito das religiões em Portugal.
2. A Comissão tem igualmente funções
de investigação científica das igrejas, comunidades
e movimentos religiosos em Portugal.
1. No exercício das suas funções compete, nomeadamente, à Comissão:
b) Emitir parecer sobre a radicação no país de igrejas ou comunidades religiosas;
c) Emitir parecer sobre a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas;
d) Emitir os pareceres sobre a inscrição de igrejas ou comunidades religiosas que forem requeridos pelo serviço do registo das pessoas colectivas religiosas;
e) Estudar a evolução dos movimentos religiosos em Portugal e, em especial, reunir e manter actualizada a informação sobre novos movimentos religiosos, fornecer a informação necessária aos serviços, instituições e pessoas interessadas e publicar um relatório anual sobre a matéria;
f) Elaborar estudos, informações, pareceres e propostas que lhe forem cometidas por lei, pelo Ministro da Justiça ou por própria iniciativa.
2. A Comissão elabora o seu próprio
regulamento interno.
No exercício das suas funções
a Comissão tem direito a coadjuvação dos
serviços e outras entidades públicas.
1. A Comissão é constituída pelas pessoas agrupadas paritariamente nas três alíneas seguintes:
b) Dois membros designados pela Conferência Episcopal Portuguesa e três membros designados pelo Ministro da Justiça de entre as pessoas indicadas pelas igrejas ou comunidades religiosas não católicas radicadas no país e pelas federações em que as mesmas se integrem, tendo em consideração a representatividade de cada uma e o princípio da tolerância;
c) Cinco pessoas de reconhecida competência científica nas áreas relativas às funções da Comissão designadas pelo Ministro da Justiça, de modo a assegurar o pluralismo e a neutralidade do Estado em matéria religiosa.
2. Quando a questão sob apreciação diga respeito a Ministério diferente dos indicados na alínea a) do número anterior pode participar nas sessões correspondentes um representante do Ministério em causa, sem direito a voto.
3. O mandato dos membros da Comissão é trienal e poderá ser renovado.
4. Os membros da Comissão têm o direito de fazer lavrar voto de vencido nos pareceres referidos nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 53.º, quando tenham participado na deliberação que os aprovou.
5. A Comissão pode funcionar em plenário
ou em comissão permanente.
1. O presidente da Comissão é designado pelo Conselho de Ministros sob proposta do Ministro da Justiça por períodos de três anos, renováveis, de entre juristas de reconhecido mérito.
2. As funções de presidente são
consideradas de investigação científica de
natureza jurídica e podem ser exercidas em regime de acumulação
com a docência em tempo integral.
O regime de funcionamento da Comissão e dos
seus serviços de apoio e o estatuto jurídico do
respectivo pessoal são objecto de diploma do Governo.
Fica ressalvada a Concordata entre a Santa Sé
e a República Portuguesa de 7 de Maio de 1940, o Protocolo
Adicional à mesma de 15 de Fevereiro de 1975, bem como
a legislação aplicável à Igreja Católica,
não lhe sendo aplicáveis as disposições
desta Lei relativas às igrejas ou comunidades religiosas
inscritas ou radicadas no país, sem prejuízo da
adopção de quaisquer disposições por
acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por remissão
da lei.
O artigo 1615.º do Código Civil passa
a ter a seguinte redacção:
«A celebração do casamento é pública e está sujeita, segundo a vontade dos nubentes:
a) À forma fixada neste código e nas leis do registo civil;
b) À forma religiosa, nos termos de legislação
especial.»
A alínea b) do artigo 1654.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
«b) Os assentos dos casamentos civis urgentes
ou por forma religiosa celebrados em Portugal;»
O n.º 2 do artigo 1670.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
«2 - Ficam, porém, ressalvados os direitos
de terceiro que sejam compatíveis com os direitos e deveres
de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos, a não
ser que, tratando-se de registo por transcrição,
esta tenha sido feita dentro dos sete dias subsequentes à
celebração .»
Fica expressamente revogada a Lei n.º 4/71,
de 21 de Agosto e o Decreto n.º 216/72, de 27 de Junho.
1. As confissões religiosas e as associações religiosas não católicas inscritas no correspondente registo do Ministério da Justiça conservam a sua personalidade jurídica e a sua capacidade, passando a estar sujeitas à presente lei quanto às suas actividades religiosas, nos termos do artigo 43.º.
2. As mesmas confissões e associações podem requerer a sua conversão em uma pessoa colectiva religiosa nos termos dos artigos 33.º a 39.º, mediante o preenchimento dos respectivos requisitos, no prazo de três anos desde a entrada em vigor da presente lei.
3. Se o não fizerem, passarão a estar inscritas apenas no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, para onde serão remetidos os processos e os documentos que serviram de base aos respectivos registos.
4. Passado o prazo referido no n.º 2, é
extinto o actual registo de confissões religiosas e associações
religiosas não católicas do Ministério da
Justiça.
Aos ministros que vêm beneficiando do regime
de segurança social instituído pelo Decreto Regulamentar
n.º 5/83, de 31 de Janeiro e que pertençam a confissões
religiosas ou associações religiosas referidas no
artigo anterior, que não se convertam em pessoas colectivas
religiosas, continua aplicável o respectivo regime.
1. As igrejas e comunidades religiosas radicadas no país, bem como os institutos de vida consagrada e outros institutos, com a natureza de associações ou fundações, por aquelas fundados ou reconhecidos, e ainda as federações e as associações em que as mesmas se integrem, poderão optar pelo regime previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro, enquanto vigorar, não se lhes aplicando, nesse caso, os n.os 3 e 4 do artigo 31.º da presente Lei.
2. As instituições particulares de
solidariedade social que tenham pedido a restituição
do imposto sobre o valor acrescentado no período a que
respeita a colecta não poderão beneficiar da consignação
prevista no n.º 5 do artigo 31.º.
Os artigos 31.º e 65.º entram em vigor
na data do início do ano económico seguinte ao da
entrada em vigor da presente Lei.
O tempo de presença social organizada no país
necessário para as igrejas e comunidades religiosas inscritas
requererem o atestado de que estão radicadas no país
a que se refere a regra da primeira parte do n.º 2 do artigo
36.º é de 24 anos em 1999, de 25 anos em 2000, de
26 anos em 2001, de 27 anos em 2002, de 28 anos em 2003 e de 29
anos em 2004.
O Governo fica autorizado a introduzir nos códigos
e leis fiscais respectivos o regime fiscal decorrente da presente
Lei.
O Governo deve publicar no prazo de sessenta dias
a legislação sobre o registo das pessoas colectivas
religiosas e sobre a Comissão da Liberdade Religiosa necessária
para a integral aplicação desta Lei.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de
Março de 1999. - O Primeiro-Ministro, António
Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Jaime José Matos da Gama - O Ministro
das Finanças, António Luciano Pacheco de Sousa
Franco - O Ministro da Justiça, José Eduardo
Vera Cruz Jardim - O Ministro dos Assuntos Parlamentares,
António Luís Santos da Costa