Esta obra é uma espécie de biografia de Henry Spira,
o activista norte-americano que conseguiu pela primeira vez ganhar
alguns pontos na luta pelos direitos dos animais — luta que tinha sido
até então completamente infrutífera. Mas não se trata realmente de
uma biografia; apesar de o autor nos apresentar as origens familiares de
Spira, a sua infância e juventude, da vida adulta de Spira quase só
temos conhecimento das suas actividades como activista (passe o
pleonasmo). Assim, o livro é sobretudo um relato da história do
activismo em prol dos direitos dos animais — um relato que pretende
ser inspirador para outros activistas ou candidatos a activistas e que
pretende também mostrar como se pode ser um activista de sucesso.
Um dos maiores erros do activismo, que o tornam muitas vezes tão
desagradável aos olhos do público, é o facto de os seus membros
estarem mais preocupados em conseguir financiamento para as suas
organizações do que propriamente em defender o que quer que seja. E,
muitas vezes, as campanhas são escolhidas não em função dos
resultados realmente positivos que poderão conseguir, mas em função
do financiamento que isso lhes dará, dada a exposição pública que
irão conseguir. O mesmo acontece, aliás, com quaisquer grupos,
associações ou sociedades de âmbito científico ou cultural, que
acabam por gastar a quase totalidade dos fundos de que dispõem não a
prosseguir os objectivos para que foram criadas, mas a auto-sustentar-se
— pagando instalações, despesas correntes, etc., ou pior ainda,
servindo os interesses privados de quem está à frente da associação
ou sociedade. Isto faz-me lembrar aliás o que ouvi, espantado, um
colega dizer há anos: o objectivo de qualquer projecto financiado de
investigação seria o de dar computadores aos
"investigadores" do projecto.
Ao contrário do colega a quem ouvi dizer isto, Henry Spira era uma
pessoa virtuosa, que não pretendia gastar dinheiros públicos, nem os
donativos privados de cidadãos preocupados e altruístas, em proveito
próprio. A sua verticalidade ética e o facto de ser uma pessoa que
sabia perfeitamente quais eram os objectivos que queria atingir —
diminuir o sofrimento a que os animais são desnecessariamente sujeitos
pelo seres humanos — fez de Spira um caso único no activismo mundial,
garantindo o respeito das próprias grandes companhias contra as quais
ele muitas vezes lutou. Essas grandes companhias percebiam rapidamente
que Spira lutava por um objectivo nobre e não para se autopromover.
Caso mais pessoas em Portugal tivessem esta atitude no que respeita ao
desenvolvimento da filosofia, estaríamos sem dúvida muito melhor do
que estamos hoje.
Spira conseguiu lutar eficazmente contra a experimentação em
animais levada a cabo pelas grandes multinacionais de cosméticos e
ganhar batalhas no que respeita ao modo como os animais são abatidos
nos matadouros. São estas e outras causas pelas quais Spira lutou que
Peter Singer descreve em pormenor nesta obra.
Spira despertou para o problema dos direitos dos animais ao assistir
a um seminário que Peter Singer deu em Nova Iorque. Peter Singer, como
se sabe, é o autor das obras "Libertação Animal" e
"Ética Prática" (já editadas em Portugal), onde o problema
dos direitos dos animais é filosoficamente discutido. Spira acabou por
fazer amizade com Singer, que participou em muitas das acções por si
levadas a cabo.
Mas Singer quis fazer com esta obra mais do que relatar o activismo
de Spira. Quis apresentar uma espécie de manual do activismo sério e
de sucesso; e quis também mostrar como uma vida eticamente comprometida
é uma vida preenchida e feliz. Em ambos os casos, Singer conseguiu
atingir plenamente os seus objectivos.
Desidério Murcho
desiderio.murcho@kcl.ac.uk