Ethics into Action: Henry Spira and the animal rights movement, de Peter Singer. Nova Iorque: Rowman & Littlefield. 1998, 222 pp.
Desidério Murcho

Esta obra é uma espécie de biografia de Henry Spira, o activista norte-americano que conseguiu pela primeira vez ganhar alguns pontos na luta pelos direitos dos animais — luta que tinha sido até então completamente infrutífera. Mas não se trata realmente de uma biografia; apesar de o autor nos apresentar as origens familiares de Spira, a sua infância e juventude, da vida adulta de Spira quase só temos conhecimento das suas actividades como activista (passe o pleonasmo). Assim, o livro é sobretudo um relato da história do activismo em prol dos direitos dos animais — um relato que pretende ser inspirador para outros activistas ou candidatos a activistas e que pretende também mostrar como se pode ser um activista de sucesso.

Um dos maiores erros do activismo, que o tornam muitas vezes tão desagradável aos olhos do público, é o facto de os seus membros estarem mais preocupados em conseguir financiamento para as suas organizações do que propriamente em defender o que quer que seja. E, muitas vezes, as campanhas são escolhidas não em função dos resultados realmente positivos que poderão conseguir, mas em função do financiamento que isso lhes dará, dada a exposição pública que irão conseguir. O mesmo acontece, aliás, com quaisquer grupos, associações ou sociedades de âmbito científico ou cultural, que acabam por gastar a quase totalidade dos fundos de que dispõem não a prosseguir os objectivos para que foram criadas, mas a auto-sustentar-se — pagando instalações, despesas correntes, etc., ou pior ainda, servindo os interesses privados de quem está à frente da associação ou sociedade. Isto faz-me lembrar aliás o que ouvi, espantado, um colega dizer há anos: o objectivo de qualquer projecto financiado de investigação seria o de dar computadores aos "investigadores" do projecto.

Ao contrário do colega a quem ouvi dizer isto, Henry Spira era uma pessoa virtuosa, que não pretendia gastar dinheiros públicos, nem os donativos privados de cidadãos preocupados e altruístas, em proveito próprio. A sua verticalidade ética e o facto de ser uma pessoa que sabia perfeitamente quais eram os objectivos que queria atingir — diminuir o sofrimento a que os animais são desnecessariamente sujeitos pelo seres humanos — fez de Spira um caso único no activismo mundial, garantindo o respeito das próprias grandes companhias contra as quais ele muitas vezes lutou. Essas grandes companhias percebiam rapidamente que Spira lutava por um objectivo nobre e não para se autopromover. Caso mais pessoas em Portugal tivessem esta atitude no que respeita ao desenvolvimento da filosofia, estaríamos sem dúvida muito melhor do que estamos hoje.

Spira conseguiu lutar eficazmente contra a experimentação em animais levada a cabo pelas grandes multinacionais de cosméticos e ganhar batalhas no que respeita ao modo como os animais são abatidos nos matadouros. São estas e outras causas pelas quais Spira lutou que Peter Singer descreve em pormenor nesta obra.

Spira despertou para o problema dos direitos dos animais ao assistir a um seminário que Peter Singer deu em Nova Iorque. Peter Singer, como se sabe, é o autor das obras "Libertação Animal" e "Ética Prática" (já editadas em Portugal), onde o problema dos direitos dos animais é filosoficamente discutido. Spira acabou por fazer amizade com Singer, que participou em muitas das acções por si levadas a cabo.

Mas Singer quis fazer com esta obra mais do que relatar o activismo de Spira. Quis apresentar uma espécie de manual do activismo sério e de sucesso; e quis também mostrar como uma vida eticamente comprometida é uma vida preenchida e feliz. Em ambos os casos, Singer conseguiu atingir plenamente os seus objectivos.

 

Desidério Murcho
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