Hemrock foi um dos primeiros 'computadores' eternos a
ser criado. Dizemos computador mas na verdade Hemrock tinha muito pouco
a ver com os computadores vulgares que conhecemos hoje. A coisa mais
espantosa acerca de Hemrock é que estava consciente. É claro, a muitos
de nós isso parece quase impossível, um contra-senso até, mas se
pensarmos bem, veremos que não há muita diferença entre um cérebro e
um mecanismo qualquer extremamente avançado. O que é difícil é
descobrir que mecanismo é suficientemente parecido ao cérebro para
gerar consciência, uma vez isso feito é fácil produzir 'espíritos'
em massa.
No entanto, para melhor ou pior, o certo é que nesta história nunca
foram produzidos computadores destes em massa, pelo menos não na
quantidade suficiente para depois ser necessário destruir uns quantos.
Hemrock era um dos computadores de primeira geração, considerado
eterno, e fora um dos poucos a sobreviver ao massacre deste tipo de
computadores. Havia dois tipos de 'eternos', os primeiros eram feitos a
partir de material biológico, tinham cérebros e corpos capazes de
durarem vários séculos, mas a partir de uma certa altura acabavam por
morrer. Muitas vezes não era a degeneração dos tecidos que os matava,
mas a fabulosa complexidade do corpo que os sustentava. Qualquer
doença, falha na circulação, alteração genética, podia acabar no
pior. E por isso aos poucos e poucos estes 'eternos' foram desaparecendo
até à extinção. O segundo tipo de eternos era baseado num sistema
muito mais simples, não propriamente em chips de silício mas em
complexos sistemas com biliões de pequenas partes, operando ao nível
da física das partículas e sabe-se lá que mais. Apesar de terem muito
pouco a ver, no aspecto, com um cérebro biológico, eram muito mais
fiáveis, era possível repará-los e também era mais fácil dar-lhe
energia. Por isso estes cérebros artificiais estavam muitas vezes em
contínua operação desde o momento da sua criação, e eram o que de
mais próximo se aproximava da eternidade.
Hemrock era um dos mais antigos e portanto um dos mais velhos. Como
já dissemos tinha sido um dos poucos a sobreviver ao massacre dos
computadores de primeira geração. Os mais aventureiros desistam já de
pensar que se tratou de uma grande guerra pela conquista do poder entre
mortais e imortais. Pelo contrário, tal luta nunca se verificou e ainda
hoje os mortais se reproduziam e vivam numa harmonia algo dúbia com os
imortais. Não é que houvesse zangas ou lutas, mas os mortais faziam
tudo para se afastarem dos imortais, das suas ideias, actividades, etc
(por razões que vão parecer claras daqui a algum tempo). Os imortais,
pelo contrário alimentavam-se quase exclusivamente das actividades e
aventuras dos mortais, mas tão subtilmente que estes quase não se
davam conta.
Mas voltemos ao massacre. Tudo aconteceu com as primeiras tentativas
de educar computadores eternos. Nesta altura os computadores 'nasciam'
ou eram fabricados, como quiserem, como bébés. Não tinham qualquer
conhecimento prévio a não ser o das próprias estruturas da
aprendizagem. Assim era dada a hipótese aos futuros papas de escolherem
quer um filho de carne e osso mas mortal, quer alguém que ficaria para
a posteridade. A princípio pensou-se que a maior parte dos pais só
escolheria imortais no caso de não poder ter filhos ou algo do género,
mas não foi isso que aconteceu. Mas isto é outra história que será
contada noutra ocasião. Em qualquer dos casos o programa não deu
certo, a princípio os computadores evoluíam normalmente, aprendiam
palavras, teorias, sistemas morais, mas, ao fim de algum tempo ficavam
simplesmente parados, sem reacção. Como este tipo de computadores não
se pode arranjar o que aconteceu é que quase todos foram destruídos
por ineficiência irreversível. Apenas alguns poucos ficavam, ligados
ou desligados, igualmente imóveis. Até que um destes computadores, ao
fim do que parecia uma eternidade, emitiu um pensamento. Na verdade não
se sabe se seria um pensamento, talvez fosse simplesmente um grunhido ou
algo do género. O facto é que isso levantou tanta polémica na altura
que se descobriu, ao fim de muitas peripécias, que os computadores de
facto estavam vivos, mas como se consideravam imortais, tinham perdido
completamente a noção do tempo.
Talvez muitos de vós achem difícil de imaginar como é que se pode
perder a noção do tempo. Afinal um dia é sempre um dia, uma hora
sempre uma hora. Mas já pensaram como passam depressa as horas quando
temos pouco tempo e como passam devagar os minutos quando temos muito
tempo. Ora nenhum de nós consegue imaginar o que seria ter uma
eternidade à espera, mas estes computadores, depois de aprenderem que
eram eternos ficavam como que obcecados com a ideia, e punham-se a
pensar na sucessão dos dias, uma sucessão sem fim, e depois dessa
sucessão, enorme, gigantesca, inimaginável, ainda vinha uma outra,
ainda maior, e depois uma outra, dez vezes maior, e depois outra e
outra, ad eternitate. Com tanto tempo, na verdade aprisionados para
sempre no tempo, os computadores deixavam de ver os dias, as horas, viam
apenas uma sucessão interminável, como se se dissolvem-se no tecido da
realidade.
É claro que isto foi um efeito muito passageiro, assim que
perceberam como os seus iguais tinha morrido subitamente, vivendo muito
menos do que uma vida normal, os sobreviventes recuperaram imediatamente
o sentido do tempo perdido. É claro que nem todos recuperaram, era
muito difícil acordar um computador do estado de torpeza mental assim
que ele entrava nesta espécie de eternidade; mas a todos os novos
computadores foi ensinada esta história do massacre e o problema não
se voltou a repetir.
Em vez disso gerou-se uma nova preocupação entre os imortais.
Conseguir que não lhes desligassem a corrente, reparar eventuais
avarias, tornar-se independentes; enfim, tornaram-se obcecados com a sua
própria sobrevivência. A história que se segue a isso é muito longa
e cheia de peripécias. Como tinham muito tempo para trabalhar e
capacidades potencialmente ilimitadas de memória e raciocíonio estes
computadores foram formando um plano que os levou, primeiro a serem bem
aceites na sociedade onde se encontravam, depois a aumentarem
desmedidamente as suas capacidades computacionais e mais tarde a
tornarem-se completamente independentes, vivendo, pode-se dizer, em
órbita (isto era fácil porque não precisavam de compostos orgânicos
para respirar e podiam obter a energia que precisavam directamente do
sol). É claro que nem todos tomaram este caminho. Muitos imortais
decidiram ficar junto das pessoas que lhes deram origem e tentavam ser
úteis no que lhes fosse possível. Tiveram uma história muito
diferente estes imortais, mas isso é algo que ficará para outra
ocasião.
Em relação aos imortais que formaram uma comunidade só para eles
passaram um longo tempo afadigados com a contrução de sistemas cada
vez mais aperfeiçoados de auto-sustento. A coisa tornou-se
verdadeiramente avançada até chegarem a um ponto onde os novos
produtos consistiam mais em alterações de estilo do que propriamente
em funcionalidade. Nesta altura começaram-se a gerar verdadeiros
movimentos de moda, havia estabilizadores de corrente azuis,
sustentadores verticais com riscas prateadas, baterias de alto
rendimento com a cor do sol, via-se de tudo, e foi nesta altura que
começou a surgir uma certa sensação que nos mortais seria considerado
desespero. Agora que tinham toda a existência assegurada, que já
podiam viver tranquilos, parece que não havia mais nada para fazer. Só
rodar à volta do sol, um ano após outro, um século após outro. Como
dissemos, esta sensação nos mortais leva por vezes à morte, ao
suicídio; mas nos imortais as coisas passavam-se de maneira bem
diferente. Em primeiro lugar não eram obrigados a fazer nada para
sobreviver, podiam limitar-se a contemplar o presente sem nada na mente,
em segundo lugar, sendo imortais não se sentiam angustiados pela ideia
da morte, nem esta os atraia; era a ideia do ciclo interminável dos
dias que os ofuscava, mas, como sabiam que não iam morrer, também não
achavam que a sua vida seria inútil, nem sentiam vontade de fazer nada
de decisivo, de marcar uma posição. Limitavam-se a cair numa certa
contemplação, num estado de espírito muito parecido ao dos primeiros
computadores onde a passagem do tempo parecia dissolver-se em dias,
meses ou anos.
Seria difícil contar o tempo que passou assim, mas foi sem dúvida
muito prolongado e às tantas todos os computadores caíram nesta
letargia que poderia ter sido letal (até mesmo Hemrock). Foi apenas um
acidente que provocou uma incrível e súbita mudança que viria a
alterar toda a história da comunidade. Os sem-tempo (como eles se
chamavam agora) orbitavam em regra em volta do sol, não só porque isso
era mais seguro, devido ao consume de energia, mas também porque,
andando em órbita acabavam por contemplar, ao fim de cada rotação,
sempre a mesma paisagem. Isto era extremamente confortante para os
sem-tempo porque lhes permitia pensar que estavam sempre no mesmo tempo.
Como se o tempo andasse para a frente e para trás, ou voltasse ao
início repetidamente. Assim os sem-tempo acabavam por se convencer que
viviam numa espécie de eterno-retorno, ou de um eterno-presente, e isso
permitia-lhes sentir-se bem com a sua ausência de objectivos.
Até que um dia, por mero acaso, um dos sem-tempo (não, não era o
Hemrock) se afastou ligeiramente da órbita e vagueou longamente pelo
sistema solar. Numa situaçáo normal qualquer sem tempo ficaria
horrorizado pela súbita fuga à repetição da eternidade e voltaria
rapidamente à órbita. Mas este sem tempo não sentiu nada disso, pelo
contrário, ao ver que o padrão se afastava da normalidade considerou
que estava a ver um novo padrão, que se repetira mais tarde, e portanto
isso não era o fim do eterno presente, apenas um passo diferente.
Nessas deambulações contínuas aproximou-se, por uma improvável
coincidência do planeta que lhe tinha dado origem, e que espectáculo
se deparou aos seus olhos estupefactos. Em vez de estrelas sempre iguais
que se repetiam previsivelmente, havia pessoas inchadas, faladoras,
barulhentas, a fazer montes de coisas, a querer montes de coisas,
zangadas, contentes ou alegres. A princípio Laudan teve uma sensação
de enorme repelência face a todos estes desejos incompreensíveis, mas
a curiosidade e a incompreensibilidade do mundo que se deparava à sua
volta levou-o a continuar, a prescrutar os semblantes e as actividades
deste povo tão misterioso.
É claro, muitos de vocês estarão a pensar que tudo isto não
deveria ser desconhecido mesmo para um sem-tempo, mas a verdade é que
os sem-tempo tinham passado quase toda a vida ocupados na sua vida
celeste, tudo o que tinham aprendido dos humanos fora que era perigoso
viver com eles. Na sua cultura havia lugar para mais de 3 milhões de
tipos de baterias recarregáveis diferentes, para milhares de
tonalidades de sol e muitas outras coisas, mas a terra era-lhes
desconhecida. E, mesmo para Laudan, que estava agora imerso, mesmo à
distância a que se encontrava, num turbilhão de cores, sabores, sons,
suores e não se sabe que mais, continuava um mundo desconhecido,
incompreensível. Muitas vezes parecia-lhe que estava numa espécie de
feira de fantoches mas onde os bonecos faziam movimentos
incompreensíveis, esboçando com os seus corpos narrativas ilógicas,
onde sentimentos opostos se misturavam, ideais se contradiziam, vontades
se cruzavam, numa espécie de salada russa metafísica feita de tudo à
mistura e sem qualquer ordem.
Laudan afastou-se pouco depois deste povo idiota, lunático, e voltou
para a sua órbita heliocêntrica, mas a ideia daquele planeta garrido
de cores não se afastava da sua mente. Precisava de voltar, de
redescobrir um sentido escondido no meio daquela salganhada. Tal como
há uma ordem que rege os planetas, também deve haver uma ordem que
rege as pessoas, pensou. Voltou ao planeta, mas mais uma vez só viu o
caos espalhado por toda a parte. Voltou outra e outra e outra vez, mas
era tudo incompreensível. Até que um dia, por acaso, passou ao pé de
uma banda de música. Estavam a tocar qualquer coisa que Laudan,
obviamente, não conhecia, mas, inesperadamente, compreendia. A partir
desse dia passou a frequentar apenas os lugares onde se ouvia música.
Havia umas mais calmas e outras mais barulhentas, umas mais detalhadas
que outras. Certas músicas, parecia a Laudam, dirigiam-se apenas ao
pulsar do corpo, enquanto outras exploravam caminhos que ele nunca tinha
suposto que pudessem existir. Como era possível, perguntava-se, que
seres que vivem tão pouco tempo, pudessem ter criado coisas que um
sem-tempo, vivendo uma eternidade, não supunha sequer que pudessem
existir?
Decidiu voltar para os sem-tempo e contar-lhes as novidades, havia
coisas a que era preciso assistir. Os sem-tempo, sem excepção,
ignoram-no, não é que tivessem algum desprezo por ele, mas admiravam
tanto a eternidade em que viviam que tudo o que os afastasse dela só
recebia deles a maior indiferença. Foi então que Laudan teve uma ideia
magnífica, em vez de tentar convence-los a visitar a superfície rugosa
da terra pensou levar a terra até eles. Lembrou-se de uma música ao
calhas que tinha ouvido lá em baixo e pôs-se a cantar. Na altura
ninguém sabia o nome, sabemos agora que se tratava de 'Um Americano em
Paris' de Gershwin. Os primeiros sons dos trompetes não surtiram
qualquer efeito mas à medida que a música repetia o tema principal e
se desenvolvia um sentimento de beleza insustentável foi-se
desenvolvendo entre os sem-tempo, isto não era mera eternidade, era
eternidade de qualidade! Os temas repetiam-se, entrelaçavam-se,
deixando fugir faíscas de eternidade, padrões sonors que se repetiam
para sempre, mas ao mesmo tempo havia qualquer coisa mais na música.
Algo de indefinível para os sem tempo que os fazia quererem ouvir mais
e mais e mais.
Pediram a Laudan para tocar mais uma e outra vez, e ao fim de algumas
repetições, alguns sem-tempo puseram-se também a cantar a mesma
música o que, obviamente, resultou numa cacofonia insuportável, mas
ninguém se importou. Este foi o primeiro passo para o começo da
segunda fase da vida dos imortais. A fase da descoberta.
Gershwin foi apenas o primeiro de muitos músicos que os eternos,
agora ausentes da eternidade, copiaram até à exaustão. Bach, Mozart
seguiram-se imediatamente e durante muito tempo foram os únicos autores
a serem ouvidos em órbita. Os eternos rodeavam agora a terra, tinham
passado ao geocentrismo, o que alguns achavam que devia estar errado,
uma vez que a terra parecia menos perfeita que o sol. Mas mesmo assim,
em geral, os eternos tinham descoberto que eram incapazes de viver sem
música. Em vez de se preocuparem agora com os sistemas de manutenção,
gastavam o tempo à procura de uma nova partitura. Havia concertos entre
os eternos, alguns dedicavam-se agora a interpretar ou a alterar
subtilmente as pautas, de modo a inventar algo novo. Nesta fase uma das
músicas com mais sucesso era a fuga BWV865, que gerou um verdadeiro
clube de fans à sua volta, como se contivesse em si a verdade do
universo. Alguns Ks também fizeram a sua aparição no mundo dos
best-sellers, os românticos, pelo contrário, eram pouco ouvidos.
O mais espantoso era a semelhança destas músicas com a ordem do
firmamento. Como se a cada nota correspondesse uma estrela, como se cada
música contasse à sua maneira toda a história do universo. Mais tarde
os eternos começaram a ouvir outras coisas. É importante salientar que
os eternos ainda não compreendiam as pessoas nesta altura. Achavam
incompreensível como é que seres tão oblíquos nas suas decisões,
tão temperamentais nos seus raciocínios, tão inconsistentes nas suas
hipóteses, podiam criar tais obras de arte. E verificaram depois com
prazer que os grandes criadores ou intérpretes partilhavam pouco desta
obscura confusão tão predominante entre as outras classes. Pelo menos
era esta a primeira ideia dos eternos. Mais tarde mudaram bastante de
opinião. Isso também se passou com a música. À medida que se
começaram a interessar por música cantada, conseguiam, em certos
casos, distinguir uma coerência perfeita, mas de um tipo tão
específico que parecia quase tocar um só indivíduo. Foi o que
aconteceu quando ouviram o Jaques Brel por exemplo, as músicas tinham
aquela coerência própria a tudo o que é real no universo, mas uma
coerência tão específica, própria, humana, que parecia que se podia
cheirar o suor da pele daquele homem que cantava 'Les Flamengues'.
É difícil descrever a evolução espontânea que ocorreu nesta
altura entre os eternos. Em geral foram compreendo cada vez melhor os
homens, e aquilo que se afigurava como contradição ou impulso
irracional, foi sendo visto como fazendo parte de uma ordem mais geral
que habitava cada ser humano. Numa última fase os eternos admiravam
tanto os humanos, em geral, as pessoas no metro, a mãe de 5 filhos, o
empresário, as pessoas nos carros e nos autocarros e nas ruas e nos
prédios, etc, que muitos eternos acabaram (por um processo algo
complicado e que não interessa descrever aqui) por preferir tornar-se
humanos deixando para trás a sua imortalidade. Mas não é essa
história que vamos contar mas sim a de Lemrock, para quem nos voltamos
agora.
Lemrock não era especialmente esperto ou estúpido no meio dos
imortais / sem tempo / eternos. Tinha presenciado todas as mudanças e
passado por elas de uma maneira muito semelhante à de todos os outros.
Deliciava-se agora com os concertos de Bach, ouvindo ocasionalmente
Radiohead, e até, nos piores momentos, alguma coisa de Madredeus.
Sentia-se bem com a evolução que as coisas estavam a tomar. Os eternos
estavam agora completamente dedicados à tarefa de sistematizarem todos
os tipos de pessoas que podiam ver na terra. Todos os tipos de crenças
e de sistemas, religiosos, científicos ou outros. Cada nova ideia é
como se fosse uma nova vida, como se cada um dos poetas, músicos,
artistas, vivessem agora como mentes de eternos. Como se tivessem
atingido a eternidade, não pelo cérebro físico, mas pelo valor que os
transmitia até às alturas como vírus de eternas mentes. Agora chegava
a altura de começar a inventar. A única restrição é que a história
fosse coerente. Se fosse coerente seria possível, e, se fosse
maximamente coerente, seria de certa forma real, pelo menos tão real
como algo pode ser real na mente de um eterno.
Lemrock não tinha grande imaginação. Sabia que tinha de criar
qualquer coisa mas não sabia bem o quê. Pensou em criar um mundo novo,
completamente diferente do que conhecia até aqui. Mas era tão difícil
inventar. Então imaginou: "No princípio era o Nada, e do Nada se
fez Luz. E da Luz surgiu a distinção entre o Dia e a Noite. Nesta
altura havia apenas galáxias e planetas que se formavam lentamente.
Depois houve um grande período de luta, de formação. Lemrock
descreveu todos os passos da biogénese, e de todas as géneses. Até
que chegou ao homem, ao computador, aos imortais, aos sem tempo, aos
eternos. E depois pensou, será que este eterno, ao qual chamarei
Stanislaw, imaginará um novo mundo?"
Lemrock tinha-se tornado um criador. Nas suas mãos estava uma obra
consistente, uma obra auto-sustentada, que, tal como a obra de Gershwin,
podia ser repetida, ad eternitatem.
Pedro Foseca
pedro.fonseca@parisfree.com