Definição
O campo da Inteligência Artificial (IA) pretende compreender as
entidades inteligentes. Uma das razões para as estudar será para nos
compreendermos melhor. Ao contrário da filosofia ou da psicologia, que
também se interessam pela inteligência, a IA pretende ainda construir
entidades inteligentes, e nesse aspecto é uma ciência do artificial,
semelhante a uma engenharia, ocupada com a totalidade dos aspectos
relevantes às suas construções.
Torna-se claro, no seu breve tempo de existência, que a IA tem
produzido artefactos significativos e empolgantes, e que o seu impacto
na nossa vida diária futura e no próprio rumo da civilização será
enorme, em conjugação com a Ciência da Computação, a Biologia, e a
Vida e Sociedades Artificiais. Antevê-se-lhe um papel de relêvo numa
inevitável rede mundial de informação e conhecimento, sucedânea da
actual WEB que é na sua maior parte passiva, e a qual virá a ter
capacidades racionais, de introspecção e de monitoração, e ainda de
iniciativa.
Sendo uma disciplina muito recente, iniciada em 1956, apesar dos
muitos resultados tem, como seria de esperar, muitos e entusiasmantes
problemas de fundo em aberto. Tendo o estudo filosófico da
inteligência mais de 2.000 anos, só o advento dos computadores
modernos no início dos anos 50 veio permitir passar da especulação de
poltrona à realização de modelos funcionais in vitro, i.e. no
computador, e portanto com um comportamento observável e repetível, ou
seja, objectivo.
Sem pretender imitar os humanos ou animais, mas podendo inspirar-se
neles, os sistemas de IA são os que pensam e agem de forma racional, e
se modelam e implementam em termos computacionais. Computador, redes,
robots, e hardware informático especializado permitem executar os
algoritmos, percepções, e acções necessárias.
Em síntese, no seu núcleo, a IA é uma disciplina científica que
utiliza as capacidades de processamento de símbolos da computação com
o fim de encontrar métodos genéricos para automatizar actividades
perceptivas, cognitivas, e manipulativas, por via de algoritmos.
Recorde-se que um algoritmo é um método seguro e rigoroso para atingir
um resultado. A IA comporta quer aspectos de psico-análise como de
psico-síntese. Possui uma vertente de investigação fundamental
analítica acompanhada de experimentação, e uma vertente de síntese
engenheirística, as quais, em conjunto, estão a promover uma
revolução tecnológica: a da automatização de faculdades mentais por
via da sua implementação em computadores.
Áreas da IA
Funcionalmente, as principais áreas da IA podem organizar-se assim:
a Resolução de Problemas, a qual inclui os Métodos de
Procura e os Jogos; a Representação de Conhecimento e
Raciocínio, onde cabem as Bases de Conhecimento, a Lógica
e a Inferência, as Restrições, a Incerteza, e os Métodos
de Decisão; o Planeamento de Acções, onde se inserem a
respectiva Distribuição e Cooperação; a Aprendizagem,
que abarca a Indução, o Clustering, as Redes
Neuronais, e os Algoritmos Genéticos; a Comunicação,
a qual compreende a Linguagem Natural, escrita e falada; a Percepção
e Acção, que envolve a Robótica; os Agentes,
singulares e em colectivo; e os Fundamentos Filosóficos e Cognitivos.
Muitos são os ramos do conhecimento com que a IA tem um forte
entrosamento: Ciências da Computação e Computadores, Filosofia,
Ciências Cognitivas, Linguística, Lógica, Psicologia, Matemática,
sem falar das suas múltiplas aplicações numa variedade de domínios.
A IA como Simbiose
O computador torna possível o projecto ambicioso da IA porque é uma
máquina que processa símbolos de forma automatizada e eficiente, e com
a maior generalidade. Básica para perceber essa generalidade é
a distinção entre hardware e software, rica em
consequências. Nomeadamente, ela explica a não obrigatoriedade de
correspondência entre o processamento de uma certa função, por
exemplo cognitiva, e o suporte material que executa esse processamento.
O hardware, no nível físico do computador, não é específico
apenas de uma função realizada pelo software, antes possibilita a
execução de qualquer uma função definida pelo software.
Digamos que é o software que comanda o hardware.
A IA só é possível em virtude dessa independência. Caso
contrário, estar-se-ia a estudar a inteligência do computador A, a
facilidade de aprendizagem da máquina B, a fluência do autómato C, ou
a capacidade de decisão do cérebro D. Isto é, tudo em particular mas
nada em geral.
Aceitemos as duas premissas, de que o cérebro tem em grande parte
uma componente de processamento de símbolos, e de que há em grande
parte um independência do hardware em relação ao software.
Ou seja, de que podemos discutir as questões de processamento de
símbolos que executam as funções mentais do cérebro sem fazer apelo
às operações orgânicas que as suportam, podendo ao invés
suportá-las no computador.
Então, o computador permite-nos explorar melhor o nosso conhecimento
sobre certas dimensões do pensamento, tanto pela sua capacidade de
retenção e processamento preciso de informação, como pela sua
velocidade, surgindo-nos como um instrumento que é uma espécie de
telescópio da complexidade. De facto, se com o telescópio passámos a
ver o mais longe, com o computador passámos a ver o mais complexo. Ele
é na verdade o primeiro instrumento com quantidades significativas de
memória passiva, manipulável de forma rápida, racional, e automática
por uma memória activa, na forma de instruções memorizadas,
permitindo ipso facto uma complexificação ilimitada.
Mas a IA passa por uma simbiose. Não há, segundo creio, uma forma
de pensar fixa e imutável. As formas de pensar evoluem,
aperfeiçoam-se, e combinam-se. Em última análise, a IA é, e
continuará a ser, o resultado se uma simbiose entre a forma de pensar
do homem com as potencialidades que a máquina lhe acrescenta. Esta
aparece como um reflexo, um espelho epistemológico do homem, enquanto
programador da máquina, sem esquecer que esta poderá evoluir por si. O
novo e maravilhoso instrumento activo que é o computador animado de IA
provoca-nos a imaginação, e com a ajuda da invenção permite-nos
explorar possibilidades e elaborar mundos artificiais com os quais
dominamos a realidade.
O resultado final é uma complementaridade simbiótica, em que as
limitações da IA não serão mais que as nossas próprias limitações
enquanto criadores, pois que o barro computacional é infinitamente
moldável.
O próximo milénio: prognósticos
A IA é uma disciplina jovem, que não tem ainda 50 anos. As
questões científicas que endereça e as realizações tecnológicas a
que se propõe são das mais complexas jamais almejadas pelo ser humano.
A crer na sua fruição, a inteligência e o espírito não serão
apanágio do homem, que também nesse campo deixará de poder reclamar
para si o centro do universo. Aliás, encontraremos eventualmente mais
depressa uma companhia mental na Terra do que em distantes planetas, e
os nossos primeiros emissários a essas paragens serão mais facilmente
robots do que nós próprios.
Como disciplina científica e como tecnologia que se dedica à
automatização da obtenção de conhecimento, do raciocínio, e da
acção, a IA será cada vez mais um instrumento de outras ciências,
sejam elas naturais, económicas, humanas, ou sociais.
O próximo milénio verá a confluência da IA, da Vida Artificial,
da Biologia, e das Neuro-Ciências. E inevitavelmente a IA distribuída
e as Sociedades Artificiais. Haverá uma simbiose entre o Homem e entre
a Humanidade com essas suas criações, com as quais vão evoluir
conjuntamente, em direcção a uma entidade mental terrena com
consciência própria.
A visão desse futuro deve levar-nos à consideração cuidadosa das
opções desejáveis. Para congeminarmos e implementarmos essas opções
precisamos de mais investigação e recursos, e não de menos. O
"bug" do ano 3.000 não deverá existir, mas se ocorrer será
porventura pela nossa displiscência em lançar os fundamentos de uma
ética artificial, pela qual respeitemos e nos façamos respeitar pelas
nossas próprias criaturas.
Organização da IA em Portugal
A IA em Portugal está organizada em torno da APPIA - Associação
Portuguesa Para a Inteligência Artificial (http://www-ia.di.fct.unl.pt/~appia/),
que realiza uma Escola Avançada e um Encontro Internacional em anos
alternados, e de dois centros de investigação específicos. São estes
o LIACC – Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de
Computadores da Universidade do Porto (http://www.ncc.up.pt/liacc/index.html),
que suporta o Mestrado em Inteligência Artificial e Computação (http://www.ncc.up.pt/liacc/
MIAC/), e o CENTRIA – Centro de Inteligência Artificial da
Universidade Nova de Lisboa (http://kholosso.di.fct.unl.pt/~di/centria/),
que mantem o Mestrado em Inteligência Artificial Aplicada (http://www-ia.di.fct.unl.pt/~pb/miaa).
Existem ainda algumas empresas que se dedicam a comercializar produtos
próprios de IA: a Heurística, a Siscog e a Servisoft.
Livros Recomendados
- Helder Coelho, "Sonho e Razão – Ao Lado do
Artificial", Relógio D'Água, 1999. Uma introdução em
português, os grupos de IA em Portugal, e uma lista de sites na
Internet.
- Daniel C. Dennett, "Brainchildren – Essays on Designing
Minds", Penguin Books, 1998. Para as ligações filosóficas da
IA.
- Daniel Crevier, "AI: The Tumultous History of the Search for
Artificial Intelligence", Basic Books, 1993. Para a história
da IA.
- Steven Pinker, "How the Mind Works", W.W.Norton, 1997.
Para a ligação da IA às Ciências Cognitivas.
- Stuart Russell, Peter Norvig, "Artificial Intelligence – A
Modern Approach", Prentice Hall, 1995. Livro de texto
substancial e exaustivo, com muitas referências.
- Stuart Shapiro (ed.), "Encyclopedia of Artificial
Intelligence", J.Wiley, 2ª edição, 1992. Para aprofundamento
de tópicos específicos.
O autor
Nasceu em Lisboa em 1947. É Director do Centro de IA da UNL,
onde é professor catedrático desde 1985. Licenciado em Engª
Electrotécnica no IST em 1971, Doutorado em Cibernética na Univ. de
Brunel, UK, em 1974, e Agregado em IA na UNL em 1980. Foi investigador
na Univ. de Edimburgo e no LNEC, e o presidente fundador da Associação
Portuguesa de IA. Recebeu o Prémio Gulbenkian de Ciência em 1984, e do
Governo Português o Prémio da Boa Esperança de 1994. Conta com duas
centenas de artigos publicados em conferências e revistas da
especialidade. O seu livro, com J. Alferes, "Reasoning with Logic
Programming" foi publicado pela Springer, em 1996. Em 1999, sairá
na Kluwer o seu livro com C. Damásio, "Reasoning with
Contradiction and Constraints: A Logic Programming Approach".